O Globo
A população brasileira internalizou os
critérios administrativos do governo brasileiro, que são ternários no Brasil:
branco, preto e pardo.
Feito com base em um mesmo questionário e
mesmo desenho amostral, o livro “A cabeça do brasileiro, 20 anos depois”,
organizado pelo cientista político Alberto Carlos de Almeida, traz uma
revelação importante: o país hoje se vê como pardo. Não aumentou nesses 20 anos
a proporção de pessoas que se dizem negras. Diminuiu muito quem se dizia
“moreno”, fazendo com que a delimitação das fronteiras de cor e raça fique mais
nítida; e, principalmente, aumentou muito quem se diz pardo. A população
brasileira internalizou os critérios administrativos do governo brasileiro, que
são ternários no Brasil: branco, preto e pardo.
Por quê? A grande maioria justifica pela cor da pele, e em segundo lugar vem “documentos do governo”. O que mudou é resultado de duas pesquisas realizadas de maneira idêntica, separadas por duas décadas. Foram mobilizados vários autores especialistas em suas respectivas áreas para escrever sobre religião, cor e raça, jeitinho e a adesão à lei, (des)igualdade de gênero, liberalismo econômico e segurança pública.
Um debate importante para o qual o livro
agrega diz respeito à visão que os brasileiros têm de sua cor e raça, assim
como de sua origem. Parte do ideário dominante do movimento negro se realizou,
as pessoas passaram a se ver mais como pretas e pardas. No lançamento, Alberto
Carlos de Almeida convidou Beatriz Bueno, criadora do movimento da Parditude
com mestrado em Produção Cultural da Universidade Federal Fluminense, pois ela
considera que as pessoas pardas que se dizem negras prejudicam essa maioria.
Se o movimento negro pode se dizer vitorioso
com essa prevalência na definição pessoal - a pesquisa procura saber o que o
entrevistado se considera espontaneamente -, parte dos objetivos não se
realizou, pois aqueles que se veem como pretos e pardos consideram que seus
antepassados vêm majoritariamente do Brasil e dos indígenas brasileiros. Por
exemplo, 80% não mencionam a África como a origem de seus antepassados. Além
disso, a ancoragem da cor e raça nos antepassados perdeu importância em 20 anos
e ganhou importância a definição dos documentos administrativos do governo.
Em 2022 apenas 11% dos pretos disseram que
essa é sua cor por terem antepassados na África, quando essa proporção era de
18% em 2002. Quando a pesquisa avalia por meio de fotos o estereótipo ou
preconceito de cor, detectamos, diz Alberto Carlos, que a situação dos brancos
piorou, a dos pretos melhorou e a dos pardos ficou estagnada. Esse resultado
não foi surpreendente, uma vez que o movimento negro defende os negros e que
isso, no Brasil, é sinônimo de pretos, e não inclui os pardos com a mesma
ênfase, analisa Alberto Carlos de Almeida.
Os avanços da visão igualitária entre homens
e mulheres foram imensos em 20 anos. Essa foi uma das principais mudanças
detectadas pelas duas pesquisas. Os brasileiros se tornaram mais liberais
quanto à abertura comercial, mas mudaram pouco nas outras duas dimensões do
liberalismo. Notamos algo interessante, quando se trata de transportes públicos
os brasileiros ficaram mais estatistas, e quando se trata de telefonia, por
exemplo, ficaram mais privatistas.
Como há uma crise dos transportes que se
acentuou com a pandemia, concluímos que essas visões são muito definidas pelo
pragmatismo, analisa Alberto Carlos de Almeida. Já que a abertura comercial
permitiu à população ter mais acesso a bens de consumo, então o apoio a isso
aumentou. Já que o transporte público majoritariamente operado por empresas
privadas piorou, então os brasileiros passaram a defender que o governo atue
para melhorá-lo. Já que a telefonia privada fez com que os serviços
melhorassem, então aumentou o apoio ao mercado fornecendo esse serviço. É uma
conclusão óbvia com certeza, mas agora fundamentada em dados. Isso indica que,
de um modo geral, a população não é dogmática.
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