O Povo (CE)
A política democrática
convive com a resistência, a irresignação e o dissenso, mas tudo isso só pode
se dar legitimamente nos limites que a Constituição permite, do contrário, é de
golpe que estamos falando
Em política, mais grave do que ser um líder fraco, é parecer fraco. Foi o que mostrou Hugo Motta na última quarta-feira. As cenas do presidente da Câmara dos Deputados tentando atravessar um amontoado de colegas até sua cadeira na mesa diretora da casa legislativa foram uma das mais deploráveis demonstrações de fraqueza que já se viu no Parlamento brasileiro. Impossibilitado de assumir seu posto diante da negativa de Marcel van Hattem, que ocupava a cadeira, Motta recuou, desmoralizado, sob comemorações dos parlamentares da oposição. Um vexame.
O episódio teve uma
gravidade maior do que a repercussão sugere. Alheio ao Congresso, o brasileiro
está cansado de seus representantes. Não tem confiança neles, não espera de sua
atividade nada de bom. Por isso, notícias de motins e arruaças no
plenário do Parlamento não capturam tanto a atenção: a maioria das
pessoas prefere deixar os deputados e senadores ocupados com seus desvios
enquanto cuida de tocar a vida. Segundo pesquisa Datafolha publicada há poucos dias, 78% dos
brasileiros acreditam que os parlamentares atuam em defesa dos próprios
interesses.
Precisamos, contudo,
entender que, assim como a Presidência e o Supremo Tribunal Federal, o
Parlamento é um espaço do povo brasileiro, sendo um símbolo da
democracia. Quando um grupo de parlamentares toma de assalto o plenário,
obstruindo a presença do presidente e impossibilitando que os trabalhos
aconteçam regularmente, o que testemunhamos é uma violação da lei, das regras
mais básicas do jogo.
A política democrática
convive com a resistência, a irresignação e o dissenso, mas tudo isso só pode
se dar legitimamente nos limites que a Constituição permite, do
contrário, é golpe. Um golpe arrastado, tentado e desejado há
anos pelo grupo que protagonizou as cenas dos últimos dias.
Dito isso, retornemos a Hugo
Motta e sua incapacidade de liderar. Para negociar com os amotinados,
foi necessário pedir socorro a Arthur Lira.
Mesmo assim, vimos um presidente que, uma vez sentado em sua cadeira, implorou
que os amotinados voltassem aos seus lugares. Não conseguiu. Precisou balbuciar
algumas palavras cercado e sufocado pela corpulência de um grupo de brutamontes
com um sorriso triunfante no rosto. Fez ameaças que não realizou. Não puniu,
não reassumiu o controle e só deixou evidente que a
normalidade da casa não deve retornar logo.
A crise deve nos fazer
entender que o bolsonarismo desequilibra e ameaça o sistema político,
abrindo vários flancos de desestabilização funcional. Mais do que nunca, as
instituições devem responder sem leniência ou negociação com quem descumpre a
lei. Quem é desrespeitado não é só Hugo Motta, é todo o povo brasileiro, a
fonte única de sua autoridade.
Nenhum comentário:
Postar um comentário