Correio Braziliense
Comando da Câmara é
presidencialista, essa autoridade não pode ser afrontada, ainda mais numa Casa
cuja característica principal é o diálogo como método de formação de maiorias e
não a força física
O presidente da Câmara, Hugo
Motta (Republicanos-PB), não tem a dimensão da sua responsabilidade histórica
diante do impasse institucional que se arma a partir da crise diplomática e
comercial do Brasil com os Estados Unidos. Seu comportamento durante as 30
horas em que um grupo de parlamentares bolsonaristas sequestrou a Mesa
Diretoras da Câmara, em protesto contra a prisão domiciliar de Jair Bolsonaro,
revela isso.
Fosse qualquer um dos que o antecederam, a resposta seria dura e imediata, à altura do poder e da liturgia do cargo que exerce. O comando da Câmara é presidencialista, essa autoridade não pode ser afrontada, ainda mais numa Casa cuja característica principal é o diálogo como método de formação de maiorias e não a força física.
Motta foi ungido à
Presidência pelo deputado Arthur Lira (PP-AL), que exerceu às claras o papel de
“eminência parda” nessa crise, ao negociar com a oposição e o Centrão um acordo
para desocupação da Mesa, sem a participação nem conhecimento do presidente da
Câmara. Jamais isso ocorreria, por exemplo, com o falecido deputado Luiz
Eduardo Magalhães (PFL-BA). A pauta da Câmara é uma prerrogativa da
Presidência, não precisa necessariamente ser compartilhada com o colégio de
líderes.
Depois de humilhado pela
turba que tomou de assalto a Mesa da Câmara, Motta está sendo emparedado pelos
líderes do Centrão e os membros da própria Mesa da Câmara, para que os
deputados que o desacataram não sejam punidos como deveriam. Essa é a lógica de
decisão de mandar o caso para a Corregedoria, dela para o Conselho de Ética e,
então, de volta à Mesa, para as devidas medidas administrativas. Ou seja, virou
candidato à rainha da Inglaterra, com todo respeito pela monarquia britânica.
Motta foi impedido
fisicamente de assumir sua cadeira, por cerca de 7 minutos (mais tempo do que
algumas votações relâmpagos realizadas na Câmara por seu antecessor). Não se
trata de um caso trivial de queda de decoro parlamentar. O que exigiam os
baderneiros? Anistia para golpistas, o impeachment do ministro Alexandre de
Moraes e o fim do foro privilegiado, na marra. O que houve ali foi um ensaio
geral do que a oposição pretende fazer caso o ex-presidente Jair Bolsonaro seja
condenado pelo Supremo.
A leniência de Motta é mais
grave do que a de Davi Alcolumbre (União-AP), que também até agora nada fez em
relação aos senadores que se acorrentaram à Mesa do Senado. Presidente do
Congresso, Alcolumbre também merece ser criticado, embora tenha tido a coragem
de avisar que não vai pautar o pedido de impeachment de Alexandre de Moraes,
protocolado por 41 senadores da Casa, a maioria por convicção, outros por
conveniência e alguns porque foram intimidados pelas redes sociais.
Dimensão da crise
Tanto Motta como Alcolumbre
não estão tendo a dimensão da crise institucional que se arma como uma
tempestade perfeita, a partir da convergência de dois vetores: a agressão
externa, com um tarifaço de 50% sobre produtos brasileiros, e a escalada de
extrema direita com objetivo de deixar o país ingovernável para constranger o
STF e proteger Jair Bolsonaro. São evidentes as articulações entre o deputado
licenciado Eduardo Bolsonaro (PL-SP), que continua recebendo salário e verbas
de gabinete, e o secretário de Estado dos EUA, Marco Rubio, para pôr o
presidente Luiz Inácio Lula da Silva e o Supremo de joelhos.
Como não houve a capitulação
nem de Lula nem dos ministros do STF, o epicentro dessas pressões se deslocou
para o Congresso. A extrema-direita e lobbies de agronegócio e indústrias mais
atingidas pelo tarifaço operam para que as exigências de Trump sejam atendidas,
mesmo que para isso a anistia e o impeachment de Moraes sejam aprovados. A
oposição alega que Lula provocou Trump com gestos ideológicos (como propor o
abandono do dólar), e que decisões do STF configuram “restrições às
liberdades”. Usa esse argumento para justificar o tarifaço e mobilizar apoio à
anistia de Bolsonaro. A obstrução no Congresso, porém, paralisa votações
importantes, como o projeto de isenção do Imposto de Renda para quem ganha até
cinco salários-mínimos.
Vivemos um “novo normal” de
protecionismo sem limites. A OMC está paralisada, o comércio global passa por
um processo de caos e desorganização normativa. O governo Lula busca apoio de
parceiros multilaterais e tenta rearticular canais comerciais como outros
países afetados pelas medidas unilaterais dos EUA, mas isso exige tempo. O
chanceler Mauro Vieira defende uma resposta articulada e técnica para a crise
diplomática e comercial, porém,não se mata fome de elefante com alface. Trump
não quer conversa, deseja Bolsonaro de volta ao poder e trabalha para
desestabilizar o país.
Na prática, a agressão
externa e a radicalização interna estão ocorrendo porque o interesse do “clã
Bolsonaro” foi colocado acima dos interesses nacionais e converge com as
intenções de Trump em relação à subordinação do Brasil, que trata como se fosse
reserva de mercado para os EUA. Como nosso regime democrático é um obstáculo a
isso, iniciou-se uma nova escala golpista, inspirada naquela que levou à
tentativa de golpe de 8 de janeiro de 2023. Cabe indagar: caso Trump fosse
presidente dos EUA, os golpistas de 8 de janeiro teriam fracassado?
PS: Deixo a pergunta e entro em férias; até breve.
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