O Globo
Quando o presidente dos
Estados Unidos Donald Trump, em seu primeiro mandato, lançou o conceito de
“verdade alternativa”, estava aberta a temporada que seria identificada como a
da “pós-verdade”, termo que já fora usado anteriormente, mas tornou-se oficial
quando assessores do recém-eleito presidente afirmaram que o número de pessoas
que assistiram à posse presidencial em janeiro de 2017 foi maior do que na de
Obama em 2009. Ao serem confrontados com outros dados, eles afirmaram que não
estavam mentindo, mas apresentando “fatos alternativos”.
A “pós-verdade”, que já virara palavra do ano do dicionário Oxford, passou a definir a ação política de Trump, inclusive com o uso de “fake news” para atingir objetivos. Mentir em política sempre foi uma arma utilizada, mas o advento das redes digitais potencializou a disseminação de notícias falsas que antigamente chamavam-se de boatos, e hoje transformaram-se em “pós-verdade”.
Assim, não houve tentativa
de golpe de Estado em janeiro de 2023 no Brasil, mas no máximo uma
“manifestação pacífica” que saiu de controle. Pedidos de intervenção militar
nos acampamentos em frente a quartéis do Exército pelo país são tratados como
reivindicações democráticas “dentro das quatro linhas da Constituição”, e a
leniência com que os acampados foram tratados como uma medida “cautelosa” dos
militares. Assim também, as ações de Eduardo Bolsonaro nos Estados Unidos não
são atos de traição à pátria, mas de quem luta para que o país se liberte de
uma ditadura, na qual seu pai, acusado de liderar a tentativa de golpe, tem
todos os direitos de defesa.
A mais recente atuação
política dos bolsonaristas, de tomada da Mesa da Câmara exigindo que seja
colocada em pauta a anistia aos condenados pela tentativa de golpe, e o fim do
foro privilegiado, transformou-se em um ato “pacífico e legítimo”. Um deputado
rebelado alega agora que é autista e não entendia o que estava acontecendo. Ou
desacredita o seu mandato, ou mostra-se preconceituoso com sua própria
condição. O deputado Zé Trovão, com seu chapéu de vaqueiro e suas botas
interditando a escada para que o presidente da Câmara, deputado Hugo Motta, não
se aproximasse da cadeira da presidência, ocupada pelo deputado Marcel Van
Hatten, estaria nessa obstrução física se o presidente fosse alguém do porte de
um Ulysses Guimarães?
Lembremo-nos de que, na
invasão da Praça dos Três Poderes em janeiro de 2023, muitos dos golpistas
aproveitaram-se da ocasião para sentar na cadeira do presidente do Supremo, ou
da Câmara, como sinal de que eram os vencedores. Foram todos condenados. Por
que um deputado que usurpa a cadeira do presidente da Câmara deve ser apenas
advertido? O que aconteceu na Câmara, na verdade, foi uma continuação da
tentativa de golpe, mais uma desde que a rebelião de janeiro de 2023 foi
desarticulada.
A interferência do governo
Trump no julgamento de Jair Bolsonaro é uma das mais graves agressões que um
país pode sofrer, e a recente permissão para que as Forças Armadas atuem fora
dos Estados Unidos para combater os cartéis de drogas considerados terroristas
pelos americanos, a mais nova ameaça de intervenção. O que aconteceu na
Colômbia no início dos anos 2000 foi completamente diferente. Houve um acordo
entre os dois países para intercâmbio de treinamento militar e ajuda econômica
no combate ao tráfico de drogas.
O México já reagiu, pois é o
alvo mais próximo, mas é bom que os governantes da América Latina denunciem
mais esse ato de imperialismo explícito. O governo dos Estados Unidos não tem o
direito de mandar tropas para países que não solicitem essa ajuda militar, e só
o simples fato de Trump ter assinado tal decreto já é um avanço inaceitável à
soberania das Nações da região.
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