domingo, 10 de agosto de 2025

Pós-verdade trumpista - Merval Pereira

O Globo

Quando o presidente dos Estados Unidos Donald Trump, em seu primeiro mandato, lançou o conceito de “verdade alternativa”, estava aberta a temporada que seria identificada como a da “pós-verdade”, termo que já fora usado anteriormente, mas tornou-se oficial quando assessores do recém-eleito presidente afirmaram que o número de pessoas que assistiram à posse presidencial em janeiro de 2017 foi maior do que na de Obama em 2009. Ao serem confrontados com outros dados, eles afirmaram que não estavam mentindo, mas apresentando “fatos alternativos”.

A “pós-verdade”, que já virara palavra do ano do dicionário Oxford, passou a definir a ação política de Trump, inclusive com o uso de “fake news” para atingir objetivos. Mentir em política sempre foi uma arma utilizada, mas o advento das redes digitais potencializou a disseminação de notícias falsas que antigamente chamavam-se de boatos, e hoje transformaram-se em “pós-verdade”.

Assim, não houve tentativa de golpe de Estado em janeiro de 2023 no Brasil, mas no máximo uma “manifestação pacífica” que saiu de controle. Pedidos de intervenção militar nos acampamentos em frente a quartéis do Exército pelo país são tratados como reivindicações democráticas “dentro das quatro linhas da Constituição”, e a leniência com que os acampados foram tratados como uma medida “cautelosa” dos militares. Assim também, as ações de Eduardo Bolsonaro nos Estados Unidos não são atos de traição à pátria, mas de quem luta para que o país se liberte de uma ditadura, na qual seu pai, acusado de liderar a tentativa de golpe, tem todos os direitos de defesa.

A mais recente atuação política dos bolsonaristas, de tomada da Mesa da Câmara exigindo que seja colocada em pauta a anistia aos condenados pela tentativa de golpe, e o fim do foro privilegiado, transformou-se em um ato “pacífico e legítimo”. Um deputado rebelado alega agora que é autista e não entendia o que estava acontecendo. Ou desacredita o seu mandato, ou mostra-se preconceituoso com sua própria condição. O deputado Zé Trovão, com seu chapéu de vaqueiro e suas botas interditando a escada para que o presidente da Câmara, deputado Hugo Motta, não se aproximasse da cadeira da presidência, ocupada pelo deputado Marcel Van Hatten, estaria nessa obstrução física se o presidente fosse alguém do porte de um Ulysses Guimarães?

Lembremo-nos de que, na invasão da Praça dos Três Poderes em janeiro de 2023, muitos dos golpistas aproveitaram-se da ocasião para sentar na cadeira do presidente do Supremo, ou da Câmara, como sinal de que eram os vencedores. Foram todos condenados. Por que um deputado que usurpa a cadeira do presidente da Câmara deve ser apenas advertido? O que aconteceu na Câmara, na verdade, foi uma continuação da tentativa de golpe, mais uma desde que a rebelião de janeiro de 2023 foi desarticulada.

A interferência do governo Trump no julgamento de Jair Bolsonaro é uma das mais graves agressões que um país pode sofrer, e a recente permissão para que as Forças Armadas atuem fora dos Estados Unidos para combater os cartéis de drogas considerados terroristas pelos americanos, a mais nova ameaça de intervenção. O que aconteceu na Colômbia no início dos anos 2000 foi completamente diferente. Houve um acordo entre os dois países para intercâmbio de treinamento militar e ajuda econômica no combate ao tráfico de drogas.

O México já reagiu, pois é o alvo mais próximo, mas é bom que os governantes da América Latina denunciem mais esse ato de imperialismo explícito. O governo dos Estados Unidos não tem o direito de mandar tropas para países que não solicitem essa ajuda militar, e só o simples fato de Trump ter assinado tal decreto já é um avanço inaceitável à soberania das Nações da região.

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