domingo, 21 de setembro de 2025

Com o Supremo, com tudo. Por Bernardo Mello Franco

O Globo

Temer e Aécio ressurgem em negociação com ministros do STF para livrar Bolsonaro da cadeia; Paulinho da Força volta ao papel de laranja da impunidade

Entrou em cena uma nova articulação para tentar salvar Jair Bolsonaro da cadeia. A ideia é trocar o projeto da anistia por outro de redução de penas. Na prática, o efeito pode ser o mesmo: livrar o capitão de ser preso em regime fechado.

A manobra começou a ser desenhada na casa do ex-presidente Michel Temer, que reapareceu no noticiário como lobista do encrencado Banco Master. Estavam presentes os deputados Aécio Neves, gerente da massa falida do PSDB, e Paulinho da Força, recém-nomeado para relatar o projeto da anistia.

Na saída do encontro, o chefão do Solidariedade pediu que o texto passe a ser chamado de projeto da dosimetria. Sem corar, ele explicou que vai propor mudanças na lei para favorecer criminosos condenados por tentativa de golpe. “O Brasil não aguenta mais essa polarização”, justificou.

Se a proposta colar, as condenações não serão anuladas, mas as punições ficarão bem mais brandas. No caso de Bolsonaro, será preciso criatividade para diminuir a pena de 27 anos de prisão. Fundir os crimes de golpe de Estado e abolição violenta do Estado Democrático de Direito, como já se ensaiou, só descontaria seis anos e meio de cana.

Ao fim da reunião, Temer se disse empenhado em “pacificar” o país. A palavra não diz nada, mas tem mil e uma utilidades. Já foi recitada quando ele assumiu a Presidência após articular a derrubada da antecessora, em 2016, e quando ajudou a salvar Bolsonaro da ameaça de impeachment, em 2021.

Nove anos atrás, o pacificador prometeu um governo de “salvação nacional”. Como sempre, queria salvar a pele dos aliados. Na época, tramava-se uma anistia para Eduardo Cunha, acossado por acusações de corrupção. O laranja escalado para defender a proposta, veja só, foi o deputado Paulinho da Força.

Se a anistia de Cunha não saiu, a de Bolsonaro ainda pode emplacar. A novidade da conversa desta quinta foi a participação de dois ministros do Supremo. Por telefone, Gilmar Mendes e Alexandre de Moraes ouviram a proposta e sinalizaram disposição para negociar. Fora dos autos, é claro.

Em vídeo divulgado por Paulinho, o ex-presidente falou em “momento histórico” e “pacto republicano” — outra expressão maltratada pelo uso abusivo. “De comum acordo com o Supremo Tribunal Federal e com o Executivo”, acrescentou, esfregando as mãos.

A fala fez lembrar o “pacto” sugerido por Romero Jucá para frear a Lava-Jato num “grande acordo nacional”. “Com o Supremo, com tudo”, sugeriu o então senador. Jucá escapou da Justiça, mas não conseguiu renovar o mandato nas urnas. Hoje atua formalmente como lobista nos gabinetes de Brasília.

Anistias e acordões integram a paisagem nativa desde que o Brasil era colônia. Fazem parte de uma tradição de conchavos pela impunidade das elites, que assim se protegem da aplicação da lei. Temer e Aécio têm larga experiência no assunto. A ver se os ministros do Supremo, que condenaram Bolsonaro há apenas dez dias, aceitarão participar dessa jogada.

 

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