Lula deve adotar tom sereno em discurso na ONU
Por O Globo
Provocações a Trump não resultarão em
benefícios. Ele deveria manter a tônica nos valores caros ao Brasil
O presidente Luiz Inácio Lula da Silva abrirá a 80ª Assembleia Geral da ONU nesta terça-feira em conjuntura sui generis. Os recém-completados oito meses do segundo mandato de Donald Trump transformaram a diplomacia, abalaram o comércio global e levaram as relações entre Brasil e Estados Unidos ao nível mais baixo da História. Na tentativa de influenciar o julgamento de Jair Bolsonaro e seus apoiadores por golpe de Estado, Trump pôs o Brasil no nível mais alto do tarifaço aos exportadores e impôs sanções a autoridades. Seria ainda mais injusto se novas medidas estiverem a caminho. Como a motivação dele é política, o impasse está dado. Tal situação, porém, não exime Lula da necessidade de adotar um tom sereno e responsável. Ele deve evitar declarações inflamatórias ou desafiadoras, apenas para agradar a seu eleitorado e tentar posar de líder global, quando o Brasil não tem musculatura nem pretensão a isso. Provocações não resultarão em benefícios.
O momento é extremamente delicado, em
especial para a América Latina. A concentração de tropas e embarcações
americanas no Caribe aumentou o temor de conflito com a Venezuela de Nicolás
Maduro. Desde o início do mês, barcos que Trump diz ser de traficantes venezuelanos
foram abatidos. Imediatamente depois da posse, ele assinou decreto designando
cartéis do tráfico como organizações terroristas. Com isso, abriu a
possibilidade de violar a soberania de outros países. De lá para cá, não abriu
mão de coerção para alcançar seus objetivos, que incluem acabar com a imigração
ilegal, ajudar amigos como Bolsonaro e diminuir a influência chinesa na região.
Na área comercial, o Brasil mostrou ter
condição de atenuar o impacto do tarifaço. Apenas 12% das vendas externas
brasileiras iam para os Estados Unidos, situação muito diferente do México, que
destina 80% das exportações ao vizinho. O aumento das tarifas em 50% afetou
empresas de vários setores, mas os efeitos na economia como um todo foram até
agora contidos.
Mesmo tendo a China como maior parceiro
comercial, seria ilusão o Brasil acreditar que a aproximação maior entre Lula e
Xi Jinping seria uma resposta adequada ao afastamento dos Estados Unidos. Os
próprios chineses estão em negociação com os americanos e não hesitarão em
rifar os interesses brasileiros caso julguem necessário.
Outro risco sempre presente quando se trata
de Lula é seu vezo ideológico, manifestado recentemente quando o Brasil sediou
a reunião do Brics. O Brasil ganha prestígio quando dá ao mundo exemplo de
democracia, mas perde quando se aproxima demais de países cujos ideais nada têm
a ver com isso, como a própria China, Rússia, Venezuela ou Irã. Em Nova York,
Lula faria bem se evitasse rompantes demagógicos em nome do “Sul Global” e se
concentrasse na defesa dos valores caros ao Brasil. Em vez de ataques
explícitos ou críticas veladas a Trump, deveria buscar pontos de confluência.
A tribuna na ONU é o local adequado para uma
mensagem à comunidade internacional. Faltando pouco tempo para a COP30, a
conferência do clima em Belém, o chamamento ao comparecimento e pelo combate às
mudanças climáticas deveria ser a tônica de seu discurso. O evento na capital
paraense é a principal aposta da política externa brasileira numa agenda em que
o Brasil tem peso global. Garantir a presença e a relevância do evento é
fundamental.
Abundância de combustível adulterado reflete
poderio do crime organizado
Por O Globo
Análise de mais de 2 mil amostras recolhidas
em 13 estados revelou que 34% da gasolina estava fora do padrão
De janeiro a agosto, o programa Cliente
Misterioso, do Instituto Combustível Legal, recolheu 2.229 amostras de
combustível em 13 estados. O resultado da análise, revelou reportagem do Jornal
Nacional, foi assombroso: 34% da gasolina estava fora do padrão, assim como 15%
do diesel e do etanol. Sem contar a adulteração de bombas para cobrar mais que
o combustível colocado no tanque. As duas fraudes podem ocorrer ao mesmo tempo:
vende-se combustível adulterado e cobra-se a mais. O cliente paga por algo que
não recebe e ainda é forçado a gastar mais na manutenção do veículo que roda
com o combustível adulterado.
A Agência Nacional do Petróleo (ANP) minimiza
o problema. Argumenta que “apenas” 3% dos combustíveis estão fora de “conformidade”.
Pode ser. Mesmo assim, 3% não é pouco. Ainda mais se as adulterações estiverem
concentradas em algumas regiões. O Instituto Combustível Legal verificou mais
problemas nos estados de São Paulo, Rio, Minas, Paraná, Mato Grosso e Bahia.
A dificuldade não se resume à competição
desleal com os donos de postos ou redes que seguem a lei. É crescente e
preocupante, sobretudo, o envolvimento do crime organizado no setor. O Primeiro
Comando da Capital (PCC) escolheu o ramo de combustíveis para lavar dinheiro do
tráfico e aumentar seus lucros, em boa medida atraído pela facilidade para
praticar fraudes.
A dimensão de como a atividade está tomada
pela facção criminosa ficou evidente com a operação contra o PCC deflagrada no
mês passado em vários estados. A rede de postos comandada pelos criminosos foi
estimada em mais de mil estabelecimentos, tendo movimentado pouco mais de R$ 50
bilhões entre 2020 e 2024. Na região de Ribeirão Preto (SP), um dos maiores
polos nacionais de produção de álcool e açúcar, seis usinas foram vinculadas a
integrantes do PCC. Com isso, a facção criminosa passou a atuar em toda a
cadeia do etanol, do campo ao posto.
Não faltam evidências de que a maior parte
das fraudes está associada ao crime organizado. Em junho, fiscais da ANP
surpreenderam um caminhão despejando metanol num tanque de etanol de um posto
em São Paulo. Para enganar a fiscalização, um tubo na boca do tanque era usado
para fornecer amostras falsas. O posto já era investigado como parte da rede de
abastecimento do PCC.
As amostras adulteradas desmascaradas pelo Instituto Combustível Legal expõem a inépcia do Estado para enfrentar o crime organizado com eficácia, de forma preventiva. O próprio Estado perde em arrecadação de impostos. E o cidadão é punido de diversas formas. Paga mais caro por um produto de baixa qualidade, que prejudica os veículos e polui mais, além de ajudar a financiar a maior facção criminosa do país.
COP terá de enfrentar situação climática cada
vez mais hostil
Por Valor Econômico
A presidência brasileira tem feito um
trabalho eficiente e convocado os países a um mutirão pela salvação do planeta.
Ainda que tardio, ele precisa ser ouvido
Enquanto o debate global continua estacionado
na questão do financiamento para a transição climática justa - uma questão para
a qual se espera um impulso importante na COP30, em Belém -, o planeta dá
sinais de que o aquecimento global já parece ter deixado para trás o limite de
aumento de 1,5°C, primeira linha de resistência do Acordo de Paris. Além disso,
estudos recentes apontam que os sumidouros de carbono da Terra, florestas e
oceanos, podem ter esgotado sua capacidade de absorver o carbono antropogênico
(emitido pela atividade humana), como resultado do contínuo aumento das
emissões, desmatamento e ondas de calor, entre outros fatores, que interagem em
um círculo vicioso.
Em 2023, pela primeira vez, os ecossistemas
terrestres - que absorvem cerca de um terço do CO2 emitido pela atividade
humana - praticamente não absorveram carbono em termos líquidos. Também os
oceanos absorveram menos carbono, principalmente por conta das altas
temperaturas da superfície, segundo artigo publicado na revista Nature Climate
Change neste mês.
Medições do Observatório Mauna Loa, no Havaí,
mostraram que em 2023 a taxa de crescimento de carbono atmosférico aumentou 86%
em comparação com o ano anterior, marcando um recorde desde o início do
monitoramento, em 1958. Isso sugere um enfraquecimento sem precedentes da
absorção terrestre e oceânica.
Estudos mostram que 30% desse declínio foi
impulsionado pelo calor extremo de 2023, que alimentou enormes incêndios
florestais que devastaram grandes áreas da floresta canadense e desencadearam
secas severas em partes da Amazônia - um dos sumidouros de carbono mais
importantes do mundo. Só esses dois eventos liberaram aproximadamente a mesma
quantidade de carbono na atmosfera que as emissões totais de combustíveis
fósseis da América do Norte.
Esses incêndios e secas levaram a uma perda
substancial de vegetação, enfraquecendo a capacidade do ecossistema terrestre
de absorver carbono. Pesquisadores temem que os sinais de declínio na
capacidade dos ecossistemas da Terra de retirar carbono da atmosfera ser uma
indicação de que as fontes naturais de absorção estão se aproximando
perigosamente de seus limites.
A Amazônia, por exemplo, já mostra sinais
disso, com algumas regiões deixando de absorver carbono e se tornando fontes
líquidas de emissões. Dados do último levantamento do MapBiomas (Valor, 15/09) mostram que a
Amazônia perdeu 52 milhões de hectares entre 1985 e 2024 de áreas de vegetação
nativa. Essa perda corresponde a 13% e se aproxima da faixa de 20% a 25% de
eliminação da cobertura florestal que colocaria o bioma em um ponto de não
retorno. Os mapas de cobertura e uso da terra mostram que a Amazônia está mais seca.
O ano de 2023 foi marcado por temperaturas
mais altas e condições mais secas em algumas partes do mundo causadas por um El
Niño particularmente forte - que tende a reduzir a capacidade de absorção de
carbono nos trópicos. Mas o enfraquecimento do El Niño em 2024 não permitiu a
recuperação da biosfera, com as emissões globais de carbono provenientes de
combustíveis fósseis atingindo um recorde em 2024 - sem “nenhum sinal” de que o
mundo tenha atingido um pico, segundo o Projeto Carbono Global. O ano passado
foi ainda mais quente que 2023, tornando-se o primeiro ano com mais de 1,5°C
acima dos níveis pré-industriais.
Condições quentes sustentadas continuam este
ano. Agosto de 2025, por exemplo, foi o terceiro mês de agosto mais quente
registrado desde 1850, atrás apenas de 2024 e 2023.
A cada ano a atividade humana libera mais
carbono na atmosfera do que os processos naturais conseguem remover, causando
um aumento na quantidade de carbono na atmosfera. A média global de carbono
atingiu um novo recorde em 2024, de 422,7 partes por milhão (ppm). O aumento em
relação a 2023 foi de 3,75 ppm - o maior já registrado em um ano. O estoque de
CO2 na atmosfera está agora 50% maior do que antes da Revolução Industrial,
segundo análise anual do Laboratório de Monitoramento Global da NOAA
(Administração Nacional Oceânica e Atmosférica dos EUA), com base nos dados
coletados em Mauna Loa.
As providências para deter o aquecimento
global, e os recursos para isso, têm sido insuficientes, após 29 anos de
conferências do clima. A geopolítica conspira agora contra o clima, com os EUA
se retirando do Acordo de Paris e Donald Trump eliminando toda a legislação
ambiental americana. O próprio comprometimento dos países está em dúvida, uma
vez que o prazo para entrega de metas nacionalmente determinadas foi adiado de
fevereiro para setembro e até agora só 38 de 193 países o fizeram (Valor, 19-9). Pelas metas
anteriores, o mundo chegaria a 2100 com temperatura elevada em 2,6°C,
suficiente para desastres em série e vastas porções do planeta inabitáveis.
A presidência brasileira tem feito um trabalho eficiente e convocado os países a um mutirão pela salvação do planeta. Ainda que tardio, ele precisa ser ouvido.
Congresso abandona a agenda que importa ao
Brasil
Por Folha de S. Paulo
Parlamentares estão mais interessados em
emendas, na PEC da Blindagem e em anistiar golpistas
Grandes temas perdem lugar para a tentativa de tornar o Legislativo um antro de apropriação de dinheiro público sem responsabilidade
Facções criminosas dominam partes das cidades
e controlam o fornecimento de serviços. Na Amazônia, associam o tráfico à
mineração e ao desmatamento ilegais. Saqueiam instituições de pagamento,
fraudam a venda de combustíveis, se infiltram no sistema financeiro. Seus
comandos assassinam integrantes do sistema de Justiça.
Há décadas, parece prioritário reorganizar o
Estado de modo a conter a ameaça crescente do crime, que se institucionaliza.
Em abril, o governo enviou ao Congresso
Nacional a PEC da Segurança Pública. Com defeitos, lacunas e
qualidades, poderia de qualquer modo ser aperfeiçoada pelos parlamentares, que
não se comoveram com o assunto.
As audiências públicas de discussão da PEC
começaram apenas na semana passada, a mesma em que o Congresso se dedicou com
rapidez a degradar a Justiça.
A Câmara
aprovou a emenda da impunidade, a dita PEC da Blindagem, que protege
parlamentares de processos no Supremo Tribunal Federal (STF) por meio
de voto secreto, covardia que é mais um sinal dos maus propósitos desse
despautério constitucional.
Nos mesmos dias, o Congresso mergulhava
na discussão da
anistia para golpistas condenados, projeto que mereceu urgência na
opinião de 60% dos deputados. Na mesma semana, enfim, foi
assassinado o ex-delegado-geral de São Paulo, Ruy Ferraz Fontes, que
combateu o PCC.
O Orçamento de 2025 foi aprovado no final de
março deste ano. A regulamentação final da reforma tributária depende de voto
no Senado e
ainda voltará à Câmara. O começo de sua implementação está marcado para 2026.
O projeto de lei sobre devedores contumazes
foi acelerado depois apenas da grande operação contra as finanças do PCC, no
início de setembro. Trata-se de lei que prevê com mais precisão punições a
empresas que deixam de pagar impostos sistematicamente, fraudando o Fisco.
Reforma administrativa, isenção do Imposto de
Renda, supersalários, Previdência dos militares ou regulamentação da
inteligência artificial são temas que, para a maioria dos deputados, têm menos
prioridade que anistias para si e seus aliados, agora ou no futuro.
O Congresso passou boa parte do ano travado
pela insatisfação da massa parlamentar com o pagamento de emendas, pelo temor
de operações que investigam fraudes diversas, por causa de lideranças fracas e
pela desarticulação política do governo.
O problema maior, porém, é a falta de
diretrizes e espírito público no Parlamento, a ausência de um programa de
prioridades.
Nessa pequenez intelectual, política e moral,
grandes temas perdem cada vez mais o lugar para lobbies suspeitos, para a
cupidez e para a tentativa de tornar o Legislativo um antro de apropriação de
dinheiro público sem responsabilidade —uma corporação que carimba verbas para
si e que se julga acima das leis e da cidadania, um ajuntamento de lordes de
impunidade.
Tripé corrosivo ameaça governo Macron
Por Folha de S. Paulo
Protestos contra cortes no Orçamento,
fragmentação política e crise fiscal debilitam presidente francês
Não há alternativa ao governo senão o diálogo
com a centro-direita a centro-esquerda sobre um plano de austeridade
socialmente palatável
Crise política em um cenário de contas
públicas em frangalhos e de descontentamento popular formam um tripé corrosivo
para qualquer governo. Emmanuel
Macron, presidente da França,
depara-se com essa situação temerária que ameaça não só a estabilidade
econômica e social do país, mas sua permanência no poder até o fim de seu
mandato, em 2027.
Convocadas pelas centrais sindicais, a greve
e as manifestações de quinta (18) em Paris e nas principais
cidades do país expuseram o furor popular contra projeto do governo para o
Orçamento de 2026, que prevê o corte de 40 bilhões de euros nos gastos sociais.
Mais de 500 mil franceses clamaram nas ruas
pela retomada dos impostos sobre a população mais rica e as grandes corporações
da França —uma alternativa fiscal rechaçada por Macron há oito anos. Agregaram
ainda pressões pela revisão da reforma previdenciária de 2023, que semeou
contrariedade ao aumentar a idade mínima para aposentadoria de 62 anos para 64
anos.
Em apenas um ano, a austeridade
orçamentária ceifou três primeiros-ministros, maculados pelo voto de
desconfiança da Assembleia Nacional. Tal sucessão expôs a fragilidade do governo,
desprovido de base majoritária em um Parlamento no qual as forças de centro,
direita e esquerda mantêm-se em permanente estado de colisão —em benefício das
alas extremistas.
Neste momento, não há outra alternativa senão
o difícil diálogo com a centro-direita e a centro-esquerda em torno de um
orçamento razoavelmente austero e socialmente palatável.
Tal fórmula, porém, dificilmente responderá
aos desafios de um país com dívida soberana de 114% do PIB e cujo déficit
público deve alcançar 5,4% do produto neste ano —bem acima dos 3% recomendados
pela União
Europeia.
A missão cabe agora ao quinto
primeiro-ministro de Macron desde 2017. Em
apenas 11 dias no cargo, entretanto, o centrista Sébastian Lecornu
enfrentou dois massivos protestos.
Não bastasse, a agência de rating Fitch
rebaixou a nota de crédito soberano da país por considerar improvável sua
consolidação fiscal em um ambiente de fragmentação política.
A França está em apuros. O cenário, porém, pode agravar-se se não houver um pacto em favor da superação do tripé que a devora. Ouvir os apelos das lideranças radicais da direita e da esquerda por eleições para a Assembleia Nacional e pela renúncia de Macron será útil. Sobretudo para forjar um consenso que impeça tais soluções populistas.
A máfia brasileira quer impor sua lei
Por O Estado de S. Paulo
Execução de um ex-delegado é apenas um recado
dos mafiosos sobre sua pretensão de consolidar seu regime criminoso no País.
Para impedi-los, o Estado deve atacá-los onde mais dói: no bolso
A execução do ex-delegado-geral da Polícia
Civil de São Paulo Ruy Ferraz Fontes, numa emboscada na Baixada Santista, é
mais do que um crime bárbaro. É um símbolo. Sua ousadia – planejada para
intimidar – expõe a presença de organizações que já não operam só como facções
prisionais, mas como verdadeiras máfias. O Estado está sendo desafiado às
claras, e sua autoridade, testada nos termos da lei do crime.
Nas últimas décadas, o Primeiro Comando da
Capital (PCC) e outras facções acumularam poderio bélico e financeiro sem
precedentes. Estima-se que apenas um esquema de lavagem de dinheiro desbaratado
pela recente Operação Carbono Oculto tenha movimentado R$ 52 bilhões entre 2020
e 2024, infiltrando-se em fundos de investimento e no mercado formal de
combustíveis. As fintechs, turbinadas pela popularização do Pix, abriram
brechas para lavar dinheiro ilícito em larga escala. O transporte coletivo de
São Paulo, avaliado em bilhões de reais anuais, foi em parte cooptado por
empresas ligadas à facção, como revelado pela Operação Fim da Linha. O crime
organizado já não apenas lucra: ele diversifica, captura contratos e compra
poder.
Esse é o traço distintivo da organização
mafiosa: a fusão entre o poder criminal e a economia legal, a corrupção de
agentes públicos e a intimidação de opositores. Ao ameaçar candidatos,
financiar campanhas e até ensaiar candidaturas próprias, o PCC sinaliza uma
escalada que transcende o narcotráfico. O risco já não é apenas para a
segurança pública, mas para o Estado Democrático de Direito. O Brasil pode até
estar longe de se tornar um narcoestado, mas está mais perto do que há 20 anos
e, em diversos enclaves dominados pelas facções, já é.
A experiência internacional ensina que o
enfrentamento desse fenômeno exige mais do que repressão ostensiva. A Itália só
conseguiu conter a Cosa Nostra com uma legislação antimáfia que combinou
investigação financeira, confisco e reutilização social de bens, isolamento
carcerário de líderes e, sobretudo, uma estrutura nacional de coordenação
blindada contra a cooptação. Os EUA, com o Rico Act, minaram a base econômica das famílias
mafiosas. Já no Brasil, a iniciativa de criar uma agência nacional contra o
crime organizado foi retirada de um projeto de lei antimáfia por pressões
corporativas. Cedeu-se a disputas de poder entre instituições, e o resultado
foi um retrocesso grave.
É urgente resgatar a espinha dorsal dessa
proposta. O País precisa de uma legislação moderna que inclua compliance
antimáfia para entes públicos e privados, capaz de detectar, punir e desfazer
contratos contaminados pelo crime. É preciso dar aos órgãos de controle a
capacidade de bloquear ativos de forma preventiva, proteger colaboradores da
Justiça e isolar líderes em presídios de segurança máxima sob regime realmente
diferenciado. Tudo isso complementado por investimentos em inteligência,
cooperação internacional e maior integração informacional e operacional entre
União, Estados e municípios.
Operações de inteligência e cooperação, como
a Carbono Oculto, ou a captura de Tuta, um dos principais líderes do PCC, na
Bolívia, abalaram de fato o poder econômico da facção. Já iniciativas
populistas e violentas, como a Operação Escudo na Baixada Santista,
multiplicaram mortes sem atingir o núcleo financeiro das organizações, apenas
reforçando a lógica da vingança. O bom combate não é medido em cadáveres, mas
em ativos bloqueados, redes desmanteladas e territórios reconquistados pelo
Estado.
Lincoln Gakiya, um dos promotores mais
respeitados no enfrentamento ao PCC, tem alertado: se o Brasil não cortar o mal
pela raiz, o crime organizado avançará até se tornar parte estrutural do
Estado. A advertência é sombria, mas realista. O País já perdeu tempo demais. A
cada prevaricação, as máfias agradecem.
A execução do delegado Fontes deixa claro que
já não estamos diante de facções periféricas, mas de conglomerados criminosos
aptos a desafiar de frente as instituições da República. Ou o Brasil se dota de
instrumentos à altura desse desafio, ou sua democracia e seu desenvolvimento se
tornarão reféns da lei das máfias.
O tamanho do abismo da educação
Por O Estado de S. Paulo
A radiografia da OCDE expõe um Brasil que
gasta muito e mal, e por isso colhe pouco: educação básica frágil, ensino
técnico defasado, universidades caras e pouco produtivas e evasão em massa
O recente Panorama da Educação da OCDE (um fórum de
democracias desenvolvidas), particularmente focado no ensino superior, expõe
com desconfortável clareza o abismo que separa o Brasil não só dos países
ricos, mas de economias emergentes mais bem-sucedidas. Não basta investir uma
fatia elevada do PIB em educação – 4,3%, acima da média da OCDE de 3,6% – se o
sistema distribui mal os recursos e gasta pior ainda.
A deficiência começa na distorção perversa
nos níveis de ensino. Na educação básica – a principal alavanca de mobilidade
social –, o País investe só um terço da média internacional. Ao mesmo tempo,
mantém universidades públicas de alto custo – comparáveis em despesa por aluno
à média da OCDE –, mas que formam relativamente poucos diplomados. É uma
transferência de renda às avessas: a massa de pobres, presos a escolas
precárias, financia a gratuidade acadêmica para poucos jovens das classes
altas.
O retrato do ensino superior é desanimador.
Apenas 24% dos brasileiros de 25 a 34 anos possuem diploma, ante 49% na média
da OCDE. E metade dos que ingressam na graduação não conclui o curso. Muitos
diplomas concentram-se em áreas de baixo impacto inovador, e apenas 16% em
ciência, tecnologia, engenharia e matemática – indispensáveis para competir na
economia digital –, em contraste com a média de 23% dos países avançados.
Cerca de 24% dos brasileiros de 18 a 24 anos
não estuda nem trabalha, ante 14% na média da OCDE. É desperdício de capital
humano e uma bomba-relógio social. Ao mesmo tempo, a desigualdade de renda
entre diplomados e não diplomados é desproporcional: no Brasil, os primeiros
ganham 148% a mais do que os segundos; na OCDE, a diferença é só de 54%. O
diploma aqui é ao mesmo tempo escasso e sobrevalorizado – refletindo a baixa
qualificação geral da força de trabalho.
As causas são conhecidas. O sistema
universitário público segue elitista e caro, sustentado pela indissociabilidade
rígida entre ensino, pesquisa e extensão, com baixa produtividade e currículos
engessados. Paralelamente, floresceu um setor privado massificado, dominado
pelo ensino a distância de qualidade desigual, que absorve estudantes mais
pobres, mas registra taxas elevadas de abandono. A combinação de elitismo no
topo e massificação precária na base produziu um sistema desigual e pouco
efetivo.
O caminho da correção é claro. Primeiro,
reequilibrar prioridades: fortalecer a educação básica, hoje subfinanciada, e a
técnica, estigmatizada, sem abandonar a excelência necessária no ensino
superior. O ensino técnico poderia reduzir a evasão e o contingente dos
“nem-nem”, aproximando escola e trabalho, dando ao País a mão de obra que a
indústria da inovação demanda e impulsionando a mobilidade social. Mas só 13%
dos estudantes do ensino médio estão nessa modalidade de formação, ante 40% na
OCDE. No mesmo sentido, é preciso diversificar o modelo acadêmico:
universidades voltadas à pesquisa de excelência devem coexistir com
instituições voltadas à formação regional, técnica e profissionalizante.
Além disso, é preciso modernizar a lógica do
financiamento: não faz sentido sustentar universidades pela mera folha de
salários. É preciso atrelar recursos a resultados verificáveis – taxas de
conclusão, empregabilidade dos egressos, relevância da pesquisa. Autonomia de
gestão deve vir acompanhada de metas claras, e a regulação do setor privado
precisa ser mais inteligente, garantindo informação transparente sobre
qualidade e empregabilidade sem sufocar sua capacidade de ampliar acesso.
O Brasil conquistou avanços quantitativos –
mais vagas, mais matrículas, mais diplomas. Mas permanece atolado na
mediocridade qualitativa, gastando muito para resultados modestos. O desafio
não é apenas expandir o acesso, e sim transformá-lo em permanência, aprendizado
e inserção produtiva. O futuro não se constrói com títulos de papel, mas com
instituições capazes de formar capital humano, reduzir desigualdades e inovar.
Sem isso, o Brasil continuará preso ao paradoxo de investir muito e colher
pouco – um país de diplomas caros, mas de conhecimento barato.
A legalização da esperteza
Por O Estado de S. Paulo
TCU se inspira nos penduricalhos do
Judiciário e do MP para pedir mais benesses
Enquanto o Congresso ensaia a discussão de
uma reforma administrativa, o presidente do Tribunal de Contas da União (TCU),
ministro Vital do Rêgo, articula a distribuição de um novo penduricalho aos
seus funcionários. Rêgo enviou recentemente ao presidente da Câmara dos
Deputados, Hugo Motta (Republicanos-PB), um projeto de lei para instituir um bônus
a servidores que ocupam cargos de confiança. Seu pleito tem tudo para ser
bem-sucedido, pois há poucos dias os deputados aprovaram o regime de urgência
da proposta, o que evidencia a disposição em acelerar a sua tramitação na Casa.
A ideia é criar a Indenização por Regime
Especial de Dedicação Gerencial (IREDG). Trata-se de um adicional de até 25%
sobre a renda bruta, incluindo salário-base e gratificações, o que pode elevar
os ganhos mensais a mais de R$ 70 mil. É de questionar como o rendimento de um servidor
do TCU será turbinado sem que seja acionado o abate-teto, que é o instrumento
constitucional que impede o pagamento de salários de servidores acima do
subsídio de um ministro do Supremo Tribunal Federal (STF), hoje em R$ 46,3 mil
mensais. E a nomenclatura do benefício esconde a catimba jurídica: indenizações
ficam fora do teto e sobre elas não incidem o Imposto de Renda (IR) nem a
Previdência.
Esse movimento bastante comum no Judiciário e
no Ministério Público (MP) tem se alastrado por carreiras da elite do
funcionalismo de outros Poderes. A exposição de motivos do Projeto de Lei (PL)
2.829, de 2025, do TCU, é a prova cabal dessa contaminação, pois, segundo o
tribunal, o novo benefício “encontra respaldo em precedentes já consolidados na
administração pública”, citando os penduricalhos criados por resoluções do
Conselho Nacional de Justiça (CNJ) e do Conselho Nacional do Ministério Público
(CNMP). Sem constrangimento, o TCU afirmou que “essas experiências demonstram a
coerência e legitimidade da criação de instrumentos indenizatórios para
reconhecer a dedicação extraordinária de servidores em funções sensíveis,
sobretudo quando não há a possibilidade de remuneração adicional pelas vias
ordinárias”.
Essa justificação do PL 2.829 mostra que, em
vez de atacar, como órgão de fiscalização e controle, essa profusão de
benesses, o TCU reconheceu ter se inspirado no apetite da magistratura e do MP
por supersalários, além de ter admitido como válida a subversão da natureza
jurídica das indenizações e da remuneração. É uma confusão intencional que, na
prática, acarreta somente em “remuneração adicional”. Pior: o TCU considerou
haver “coerência e legitimidade” nas iniciativas do CNJ e do CNMP de se
autoconcederem benefícios pela via administrativa e ao arrepio do processo
legislativo, driblando a elaboração, a discussão e a votação do Orçamento
público.
Mas, como não detém o poder normativo dos quais gozam esses órgãos citados como modelos a serem seguidos, e não inibidos, o TCU precisará do aval do Congresso, com a aprovação do PL 2.829 para engordar os contracheques de seus funcionários. Se a proposta for aprovada e sancionada, será a legalização da esperteza.
O trânsito não pode mais ser sinônimo de
insegurança
Por Correio Braziliense
A segurança viária no país depende de uma
mobilização que estabeleça diretrizes e coloque a questão como prioridade
A violência do trânsito no Brasil há décadas
se transformou em um problema de saúde pública. Ano após ano, o país acompanha
tragédias — nas estradas ou em vias urbanas — que se transformam em
estatísticas cada vez mais preocupantes.
Segundo números da Polícia Rodoviária Federal
(PRF), acidentes em rodovias monitoradas pelo órgão mataram 6.160 pessoas, com
84.526 feridos em 73.156 sinistros entre janeiro e dezembro de 2024. Dados mais
recentes do Ministério da Saúde, que monitora as internações e as mortes no
tráfego, mostram que, em 2022, 34 mil pessoas foram a óbito. Ainda foram
contabilizadas 212 mil hospitalizações, gerando um custo total de R$ 350
milhões para o setor.
Este ano, a Semana Nacional de Trânsito
(SNT), com o tema "Desacelere — seu bem maior é a vida", busca a
conscientização sobre a gravidade do cenário. Nesse sentido, desde a última
quinta-feira, a PRF desenvolve ações para promover maior responsabilidade ao
volante.
A questão é complexa e exige uma discussão
profunda por parte dos agentes públicos que seja capaz, ao mesmo tempo, de
engajar a população e propagar informações, abordando a amplitude que o desafio
apresenta em diversas esferas. A segurança viária, um dos pontos fundamentais
nesse debate, precisa ganhar força.
Programas que visem promover o comportamento
adequado de motoristas não podem sair do foco enquanto as ocorrências se
mantiverem alarmantes. Além de estabelecer as regras sobre os direitos e
deveres no trânsito, fazendo com que as leis sejam respeitadas, é indispensável
a garantia de vias e veículos seguros. O conjunto de iniciativas, unindo
cidadãos e instituições, cria uma condição favorável para que os acidentes
comecem a recuar. Na esfera governamental, o processo deve partir da criação de
políticas controladoras, avançando para a fiscalização e a aplicação das
devidas sanções em caso de descumprimento.
O financiamento para a garantia da segurança
viária também precisa ser destaque em projetos de governos e da iniciativa
privada. À medida que as vias urbanas e as estradas apresentam perigo, é
fundamental estabelecer uma integração em busca do compromisso principal de
salvar vidas. Investimentos constantes e campanhas permanentes fazem parte do
caminho a ser percorrido até a conquista de um trânsito menos agressivo.
A dor de ter um ente querido morto ou ferido
gravemente em uma ocorrência de trânsito atinge diariamente inúmeras famílias
pelo país. Reduzir os riscos que levam a esse sofrimento é uma obrigação do
poder público. A sociedade, por sua vez, precisa adotar comportamentos
adequados. A imprudência, partindo de qualquer um dos atores envolvidos, não
pode mais ser naturalizada.
Assegurar um trânsito menos violento é uma meta a ser perseguida. A segurança viária no país depende de uma mobilização que estabeleça diretrizes e coloque a questão como prioridade. Por mais que às vezes pareça distante, esse ideal precisa estar no horizonte para que, no futuro, a SNT no Brasil seja motivo de celebração de conquistas e não um período para chamar a atenção dos riscos de tragédias.
Lula e Trump na ONU
Por O Povo (CE)
Como é tradição, o presidente do Brasil abre
a Assembleia-Geral da ONU. Já em solo norte-americano, Luiz Inácio Lula da
Silva discursa nesta terça-feira (23) em atmosfera de tensão global na esteira
da guerra entre Rússia e Ucrânia e em meio à deterioração das relações
comerciais e diplomáticas com o presidente Donald Trump, que fala em seguida.
Os desafios são muitos e os riscos, diversos,
cabendo ao mandatário brasileiro contornar as arestas com os Estados Unidos,
atuando para reduzir dissensos e contendo o ímpeto de converter a tribuna da
ONU em palanque. Por outro lado, Lula deve firmar posição inequívoca em defesa
da soberania nacional, da democracia e do multilateralismo.
Mesmo que não troquem sequer uma palavra, e
não surpreenderá a ninguém se isso acontecer, este será o primeiro encontro
entre Lula e Trump em ambiente comum desde que o magnata chegou novamente à
Casa Branca. O clima entre os dois não é dos melhores, como se sabe, em grande
medida por responsabilidade do chefe dos EUA, que aplicou sobretaxa de 50% às
exportações do Brasil por razões indisfarçavelmente políticas.
Não bastasse, o governo estrangeiro vem
tentando embaraçar a autonomia das instituições nacionais, notadamente do
Supremo Tribunal Federal, exercendo pressão desarrazoada sobre membros da
corte, a exemplo de Alexandre de Moraes, alvo da lei Magnitsky.
Há no ar ainda a ameaça de novas medidas,
agora em resposta à condenação do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL), um aliado
de primeira hora do trumpismo. Se isso ocorrer durante a passagem de Lula pela
ONU, as consequências podem ser imprevistas, sobretudo para a delegação
brasileira presente à agenda, que ficaria submetida a uma situação de total
constrangimento.
Mas não se duvide de que Trump seja capaz de
anunciar represálias em seu pronunciamento. Dias antes de seu embarque,
ministros da gestão petista não haviam tido seus vistos liberados, como se deu
com Alexandre Padilha, da Saúde, que acabou desistindo da viagem após
vexatórias restrições de circulação em Nova York.
Daí que o discurso de Lula tenha assumido
papel mais importante do que em anos anteriores. A depender do seu tom, pode
desanuviar ou agravar o momento, que se segue a um julgamento no qual uma
tentativa de golpe de Estado foi exposta e rechaçada por um Judiciário independente.
Fora do âmbito local, chame-se a atenção para
o protagonismo brasileiro na rearticulação de países do cone Sul, driblando as
imposições de uma administração que vai costeando o alambrado da autocracia,
perseguindo adversários e sufocando as liberdades de pesquisa e produção
intelectual naquilo que antes era a maior democracia do mundo.
Logo, quer pelo viés nacional ou pelo internacional, a participação do Brasil na assembleia da ONU está cercada de expectativas. Que o país saiba aproveitar a oportunidade para, sem provocações nem proselitismo, reafirmar sua independência.
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