quinta-feira, 25 de setembro de 2025

Senado arquiva a PEC da Blindagem, mas impasse com o STF persiste. Por Luiz Carlos Azedo

Correio Braziliense

Alcolumbre, ao comunicar o arquivamento, destacou o rigor regimental e a clareza da decisão: parecer pela inconstitucionalidade equivale à rejeição definitiva

O arquivamento da chamada PEC da Blindagem pela Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) do Senado não encerra o conflito aberto entre o Congresso e o Supremo Tribunal Federal (STF). A decisão unânime dos senadores, confirmada pelo presidente da Casa, Davi Alcolumbre, sepulta formalmente a tentativa da Câmara de ampliar as prerrogativas de parlamentares e dirigentes partidários, blindando-os de processos e prisões.

A decisão é fruto do amplo repúdio da opinião pública e das manifestações contrárias à autoproteção dos deputados, entretanto a disputa institucional prossegue em outro terreno: a anistia e a dosimetria das penas dos envolvidos no 8 de Janeiro, com destaque para a condenação histórica do ex-presidente Jair Bolsonaro.

A tramitação da PEC da Blindagem expôs o descompasso entre as duas Casas. Enquanto a Câmara aprovou a proposta sob patrocínio do Centrão e aval do deputado Arthur Lira (PP-AL), no Senado, a reação foi imediata. A CCJ, sob a presidência do senador Otto Alencar (PSD-BA) e relatoria de Alessandro Vieira (MDB-SE), classificou o texto como um ataque direto à legitimidade do Legislativo. A rejeição por unanimidade impediu que a matéria chegasse ao plenário.

Alcolumbre, ao comunicar o arquivamento, destacou o rigor regimental e a clareza da decisão: parecer pela inconstitucionalidade equivale à rejeição definitiva. De certa forma, com a decisão, o Senado desnudou a crise de legitimidade da Câmara, acusada de legislar em causa própria e de se descolar da opinião pública. Não à toa, as manifestações populares do último fim de semana reforçaram a pressão para o sepultamento da PEC, que era percebida como um “salvo-conduto” para políticos e dirigentes partidários enrolados com a Justiça.

Apesar da derrota da blindagem, a Câmara mantém a ofensiva contra o Supremo. O PL da Dosimetria, nova roupagem do PL da Anistia, pretende reduzir as penas impostas aos condenados pela tentativa de golpe. Seu objetivo principal não é aliviar os bagrinhos envolvidos no 8 de Janeiro, a maioria em liberdade, mas atenuar a condenação exemplar de Bolsonaro e de seus aliados, principalmente os militares de alta patente. É nesse contexto que ressurgem as críticas ao inquérito das fake news, instaurado de ofício pelo ministro Dias Toffoli, quando presidente da Corte, e à condução firme de Alexandre de Moraes na apuração das responsabilidades dos golpistas.

A oposição questiona a legitimidade dos julgamentos. Para o STF, ao contrário, os instrumentos adotados representam mecanismos excepcionais, mas necessários, para preservar a democracia diante da ameaça concreta do golpismo. Essa tensão jurídica, que mistura divergências constitucionais com disputas políticas, é o núcleo essencial do litígio entre os Poderes.

Pacto democrático

Do ponto de vista jurídico, a rejeição da PEC da Blindagem reforçou a autonomia do Senado como instância de contenção de excessos corporativos. Casa historicamente responsável por protagonizar a chamada “política de conciliação”, tem legitimidade para apartar a impunidade do que seria uma pacificação. O argumento central do relator da PEC da Blindagem, senador Alessandro Vieira, foi que a proposta criaria um “porto seguro para criminosos”, invertendo a lógica republicana de igualdade perante a lei. Mais claro do que isso, impossível. A decisão sinaliza que, ao menos no Senado, prevalece a leitura de que imunidades não podem ser confundidas com impunidade.

Entretanto, o debate sobre a anistia reabre fissuras constitucionais delicadas. A Câmara insiste em legislar sobre fatos já julgados, buscando relativizar condenações do Supremo. Isso tensiona o princípio da separação de Poderes e cria insegurança jurídica: até que ponto o Legislativo pode modular ou reverter decisões judiciais definitivas? Constitucionalmente, o Congresso não é um fórum de revisão das decisões do Supremo.

O que há de novo na democracia brasileira, nos termos da Constituição de 1988, é que ninguém está acima da lei. Por isso, a condenação de Bolsonaro a 27 anos e 3 meses de prisão é tão paradigmática. De fato, inaugurou uma nova era jurídica no Brasil: a responsabilização penal de um ex-presidente por crimes contra a democracia. Que ninguém se iluda, esse é o epicentro do embate entre o STF e parte expressiva do Congresso. O PL da Dosimetria é, na prática, uma tentativa de reduzir a pena de Bolsonaro e de seus aliados, traduzindo em norma legislativa um gesto de leniência política.

Ao insistir nesse caminho, o Congresso não apenas desafia o Supremo, mas se coloca diante de uma encruzilhada institucional: cede à pressão das bases bolsonaristas ou afirma a autoridade das instituições democráticas? O arquivamento da PEC da Blindagem foi uma vitória do Senado e uma derrota fragorosa para a Câmara, porém o litígio do Congresso com o Supremo permanece vivo com a discussão sobre anistia e dosimetria. Nesse jogo de forças, a linha entre conciliação e impunidade volta a ser testada — e dela dependerá a solidez do pacto democrático brasileiro.

 

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