Correio Braziliense
Alcolumbre, ao comunicar o
arquivamento, destacou o rigor regimental e a clareza da decisão: parecer pela
inconstitucionalidade equivale à rejeição definitiva
O arquivamento da chamada PEC da Blindagem
pela Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) do Senado não encerra o conflito
aberto entre o Congresso e o Supremo Tribunal Federal (STF). A decisão unânime
dos senadores, confirmada pelo presidente da Casa, Davi Alcolumbre, sepulta
formalmente a tentativa da Câmara de ampliar as prerrogativas de parlamentares
e dirigentes partidários, blindando-os de processos e prisões.
A decisão é fruto do amplo repúdio da opinião pública e das manifestações contrárias à autoproteção dos deputados, entretanto a disputa institucional prossegue em outro terreno: a anistia e a dosimetria das penas dos envolvidos no 8 de Janeiro, com destaque para a condenação histórica do ex-presidente Jair Bolsonaro.
A tramitação da PEC da Blindagem expôs o
descompasso entre as duas Casas. Enquanto a Câmara aprovou a proposta sob
patrocínio do Centrão e aval do deputado Arthur Lira (PP-AL), no Senado, a
reação foi imediata. A CCJ, sob a presidência do senador Otto Alencar (PSD-BA)
e relatoria de Alessandro Vieira (MDB-SE), classificou o texto como um ataque
direto à legitimidade do Legislativo. A rejeição por unanimidade impediu que a
matéria chegasse ao plenário.
Alcolumbre, ao comunicar o arquivamento,
destacou o rigor regimental e a clareza da decisão: parecer pela
inconstitucionalidade equivale à rejeição definitiva. De certa forma, com a
decisão, o Senado desnudou a crise de legitimidade da Câmara, acusada de
legislar em causa própria e de se descolar da opinião pública. Não à toa, as
manifestações populares do último fim de semana reforçaram a pressão para o
sepultamento da PEC, que era percebida como um “salvo-conduto” para políticos e
dirigentes partidários enrolados com a Justiça.
Apesar da derrota da blindagem, a Câmara
mantém a ofensiva contra o Supremo. O PL da Dosimetria, nova roupagem do PL da
Anistia, pretende reduzir as penas impostas aos condenados pela tentativa de
golpe. Seu objetivo principal não é aliviar os bagrinhos envolvidos no 8 de
Janeiro, a maioria em liberdade, mas atenuar a condenação exemplar de Bolsonaro
e de seus aliados, principalmente os militares de alta patente. É nesse
contexto que ressurgem as críticas ao inquérito das fake news, instaurado de
ofício pelo ministro Dias Toffoli, quando presidente da Corte, e à condução
firme de Alexandre de Moraes na apuração das responsabilidades dos golpistas.
A oposição questiona a legitimidade dos
julgamentos. Para o STF, ao contrário, os instrumentos adotados representam
mecanismos excepcionais, mas necessários, para preservar a democracia diante da
ameaça concreta do golpismo. Essa tensão jurídica, que mistura divergências
constitucionais com disputas políticas, é o núcleo essencial do litígio entre
os Poderes.
Pacto democrático
Do ponto de vista jurídico, a rejeição da PEC
da Blindagem reforçou a autonomia do Senado como instância de contenção de
excessos corporativos. Casa historicamente responsável por protagonizar a chamada
“política de conciliação”, tem legitimidade para apartar a impunidade do que
seria uma pacificação. O argumento central do relator da PEC da Blindagem,
senador Alessandro Vieira, foi que a proposta criaria um “porto seguro para
criminosos”, invertendo a lógica republicana de igualdade perante a lei. Mais
claro do que isso, impossível. A decisão sinaliza que, ao menos no Senado,
prevalece a leitura de que imunidades não podem ser confundidas com impunidade.
Entretanto, o debate sobre a anistia reabre fissuras
constitucionais delicadas. A Câmara insiste em legislar sobre fatos já
julgados, buscando relativizar condenações do Supremo. Isso tensiona o
princípio da separação de Poderes e cria insegurança jurídica: até que ponto o
Legislativo pode modular ou reverter decisões judiciais definitivas?
Constitucionalmente, o Congresso não é um fórum de revisão das decisões do
Supremo.
O que há de novo na democracia brasileira,
nos termos da Constituição de 1988, é que ninguém está acima da lei. Por isso,
a condenação de Bolsonaro a 27 anos e 3 meses de prisão é tão paradigmática. De
fato, inaugurou uma nova era jurídica no Brasil: a responsabilização penal de
um ex-presidente por crimes contra a democracia. Que ninguém se iluda, esse é o
epicentro do embate entre o STF e parte expressiva do Congresso. O PL da
Dosimetria é, na prática, uma tentativa de reduzir a pena de Bolsonaro e de
seus aliados, traduzindo em norma legislativa um gesto de leniência política.
Ao insistir nesse caminho, o Congresso não
apenas desafia o Supremo, mas se coloca diante de uma encruzilhada
institucional: cede à pressão das bases bolsonaristas ou afirma a autoridade
das instituições democráticas? O arquivamento da PEC da Blindagem foi uma
vitória do Senado e uma derrota fragorosa para a Câmara, porém o litígio do Congresso
com o Supremo permanece vivo com a discussão sobre anistia e dosimetria. Nesse
jogo de forças, a linha entre conciliação e impunidade volta a ser testada — e
dela dependerá a solidez do pacto democrático brasileiro.
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