O Globo
Encontros de parlamentares, ex-presidente e
ministros do Supremo estão longe de ser um pacto republicano
De tempos em tempos, diante da instabilidade política no país, pais da pátria sacam dos bolsos a ideia de um pacto. Até outro dia, o lugar-comum era citar o Pacto de Moncloa, firmado na transição democrática da Espanha nos anos 1970. Agora, o que se ouve mais por aí é a defesa de um “pacto que pacifique o país”. Nos últimos dias, uma série de reuniões entre meia dúzia de parlamentares, ex-presidente e ministros do Supremo discutiu o PL da Dosimetria, que pretende diminuir as penas dos crimes contra a democracia com o objetivo de beneficiar os condenados pela trama golpista. Os encontros foram vendidos como o início de um pacto republicano. Mas estão longe disso.
Com parlamentares enrolados até o pescoço em
investigações sobre emendas e afins, o medo do Supremo impera e torna a
discussão do PL da Dosimetria mais uma concessão aos desejos do STF que
propriamente uma negociação. Tanto que os ministros até emplacaram o relator da
matéria na Câmara, no momento em que querem se blindar da pressão — até interna
— e das queixas sobre o tamanho das penas aplicadas aos executores dos atos de
8 de Janeiro na comparação com as dos cabeças da tentativa de golpe.
Editar leis é prerrogativa exclusiva dos
parlamentares. Eles são pagos para isso. Se quiserem, podem diminuir ou
aumentar as penas dos crimes contra a democracia. Cabe ao legislador manter os
12 anos, passar para oito ou aumentar para 20 a tentativa de golpe. Não é
matéria que demanda discussão sobre constitucionalidade, como era a “anistia
ampla, geral e irrestrita”. Quando ministros do STF entram em reuniões como
editores de texto, ditando o que deve ou não deve constar da lei, cuja mudança
é competência do outro Poder, há algo de disfuncional no ar. Um Supremo
anabolizado, e uma Câmara desmoralizada.
Outro ponto disfuncional do “pacto” é o
debate nos bastidores sobre a prisão domiciliar de Bolsonaro. Em nome da
“pacificação”, aliados miravam a domiciliar alegando complicações da facada e
usando o precedente Collor — o ex-presidente recebeu o benefício da domiciliar
de Alexandre de Moraes em razão de apneia, Parkinson e transtorno bipolar.
A colunista
Malu Gaspar noticiou que pode ter entrado água nessa parte do pacto e
que agora Bolsonaro corre risco maior de ir para a Papuda depois do anúncio da
Magnitsky — indecente e descabida — aplicada à mulher de Moraes. Uma coisa é
uma coisa, outra coisa é outra coisa. Ou Bolsonaro é doente para ter a
domiciliar, goste-se ou não, ou não é. A decisão deve ser feita com base nos
atestados médicos, e não no alcance da Magnitsky ou num acordo feito nos
bastidores.
O próximo presidente indicará três ministros
para o Supremo. Se o vencedor da eleição de 2026 for conservador, o equilíbrio
de forças mudará no STF. As sementes plantadas hoje permitirão que um Supremo,
diferente do que agora defendeu bravamente a democracia, possa impor sua
vontade a outro Poder — e que isso seja visto como normal.
As ruas perceberam que acordos desse tipo não
são boa coisa para o resto dos mortais. Não à toa, a “República dos Pactos” foi
um dos alvos principais das manifestações do domingo passado.
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