O Globo
As relações pessoais entre presidentes do
Brasil e dos Estados Unidos raramente tiveram tanta importância quanto durante
a atual crise
As relações pessoais entre presidentes do
Brasil e dos Estados Unidos têm tido seu papel no diálogo entre os dois países,
mas raramente tiveram tanta importância quanto durante a atual crise. O
presidente Trump nunca se disse amigo do ex-presidente Bolsonaro, mas tem uma
história pessoal a ligá-los, de maneira equivocada, mas influente. Trump também
tentou impedir a vitória do democrata Joe Biden, assim como Bolsonaro tentou
até um golpe de Estado para impedir seu adversário Lula de assumir a
Presidência da República. Além do mais, ambos são políticos reacionários,
conservadores, autoritários.
Por isso a surpresa geral quando o próprio Trump revelou, em improviso no seu pronunciamento da ONU, que tivera “boa química” com Lula, em plena vigência de sanções duríssimas contra o Brasil e depois de ter recebido críticas certeiras do brasileiro na abertura da Assembleia Geral da ONU e de ter feito discurso também agressivo. No entanto, nos bastidores, rolou um clima entre os dois. Lula, embora satisfeito com a aparente vitória inicial, mantém-se na defensiva, esperando os próximos passos e lembrando que, química mesmo, ele teve com o ex-presidente americano George W. Bush.
Os governantes brasileiros sempre preferiram
que candidatos republicanos ganhassem a eleição americana, pois eram mais
abertos ao comércio internacional que os democratas (isso já não representa a
realidade). O que uniu mesmo Lula e Bush filho foi o sentimento de ambos serem
rejeitados pela elite intelectual. Bush sentia-se discriminado em Harvard, e
Lula sentia-se rejeitado pela origem humilde. Tanto que, no primeiro encontro,
Lula tomou a palavra e disse:
— Nós dois somos subestimados.
Em dezembro de 2002, antes mesmo de tomar
posse no Planalto pela primeira vez, o petista visitou Bush na Casa Branca.
Durante a campanha eleitoral, José Dirceu também desembarcou em Washington,
carregando uma cópia da “Carta ao Povo Brasileiro” — idealizada para acalmar o
mercado financeiro — traduzida para o inglês. Três anos depois, em 2005, após
derrotar o plano dos Estados Unidos para pôr de pé a Área de Livre Comércio das
Américas (Alca), Lula recebeu Bush e sua mulher, Laura, para um churrasco na
Granja do Torto.
O sucessor de Bush, o democrata Barack Obama,
pareceu enfeitiçado pelo carisma de Lula, a ponto de designá-lo como “o cara”
numa reunião de mandatários internacionais. Mas Obama, depois do escândalo do
mensalão, se arrependeu. No último ano de seu segundo mandato, o Brasil tentou
intermediar um acordo nuclear entre Irã e Estados Unidos, coadjuvado pela Turquia,
mas rejeitado pelos americanos. O ex-presidente Fernando Henrique Cardoso tem
relação de amizade duradoura com o ex-presidente Bill Clinton, e ela serviu até
mesmo para liberação de um empréstimo do FMI durante as muitas crises
internacionais que teve de enfrentar.
A relação mais traumática foi a que tirou do
Brasil a vaga de membro permanente do Conselho de Segurança da recém-fundada
ONU, depois da Segunda Guerra Mundial. O diplomata Eugênio Vargas Garcia conta
a história no livro “O sexto membro permanente”, com base em documentos, alguns
inéditos, pesquisados tanto em arquivos nos Estados Unidos como no Brasil. O
então presidente Franklin Roosevelt instruiu sua delegação em Dumbarton Oaks a
sugerir que o Brasil fosse considerado o sexto membro permanente (França e
China seriam os outros), mas sua morte, pouco antes da Conferência de São
Francisco, eliminou em definitivo a possibilidade. Quando a Conferência de
Yalta teve lugar, a conjuntura já havia mudado, a guerra se aproximava do fim,
o perigo maior havia passado, e havia sido esquecida a importância estratégica
que o Brasil teve na luta contra o Eixo (bases aéreas no Nordeste) ou na
contenção da Argentina “antiamericana”.
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