O Globo
Em tese, os dois eventos que dominaram o
noticiário da semana — o tête-à-tête de 20 segundos entre Donald Trump e Lula e
o enterro da PEC da Blindagem no Senado
Federal — nada têm a ver um com o outro. E não têm mesmo,
exceto pelo injustificável oba-oba que se seguiu a ambos.
Claro que faz diferença para um governo que só vinha encontrando portas fechadas nos Estados Unidos a promessa de Trump de fazer uma reunião para discutir o tarifaço e outras questões que se tornaram um obstáculo à relação com o Brasil. Não é tampouco irrelevante ele ter dito que gostou de Lula e que só faz negócio com quem gosta.
Daí a achar que se abriram as portas da
esperança na Casa Branca vai uma longa distância, e Lula sabe disso, tanto que
orientou seu time nos bastidores a atuar com cautela — e, se der, a fazer a
reunião por telefone ou vídeo. Não só para evitar ser submetido a um vexame
internacional, como já aconteceu com outros chefes de Estado, mas também
porque, entre eles, há um abismo difícil de superar.
Trump e Lula discordam em quase tudo — das
mudanças climáticas à noção de democracia, passando pelo que fazer em relação
à Faixa de Gaza e
à classificação de multinacionais criminosas do tipo PCC como organizações
terroristas.
Até um dos pontos de convergência mencionados
pelo próprio Lula, a crença na necessidade de proteger a indústria nacional, é
no fundo um problema, já que, se ambos insistirem em se proteger um do outro,
será complicado avançar.
É impossível ignorar que Trump conseguiu
espremer, nos quase dois minutos que dedicou ao Brasil na ONU,
um elogio a Lula – um “cara legal” com quem ele teve “química excelente” — e
uma alfinetada:
“O Brasil está indo mal e continuará indo
mal. Eles só conseguem se sair bem quando trabalham conosco. Sem nós, eles
fracassarão”.
Sem contar a questão ideológica. Só mesmo um
lulista inveterado ou iludido poderá imaginar que todo esse trelelê vá mudar a
avaliação de Trump e de seu secretário de Estado, Marco Rubio, de que existe
uma “ditadura do Judiciário” por aqui perseguindo Jair
Bolsonaro. Seja qual for o resultado da reunião, Eduardo
Bolsonaro (PL-SP),
Paulo Figueiredo e a rede de influência que montaram junto aos trumpistas
radicais continuará ativa e criando fatos, alimentando sanções e represálias a
juízes e autoridades do governo brasileiro.
É desse tipo de guerra ideológica, afinal,
que o trumpismo se alimenta. E, pelo menos por enquanto, não há sinal de que a
batalha contra o Supremo e a esquerda latino-americana estejam perdendo
impulso.
A melhor opção para Lula seria ignorar o
assunto e concentrar a conversa com Trump no lado comercial. Seguir esse rumo,
porém, pode gerar problemas com sua base e com o STF e
ainda não ser suficiente para derrubar as barreiras tarifárias.
Claro que Trump tem uma série de preocupações
econômicas, e é razoável supor que foram elas que o fizeram abrir uma janela ao
Brasil. Mas todos esses senões tornam imperioso evitar o oba-oba em torno do
que vem por aí.
Da mesma forma, é positivo o enterro da PEC
da Blindagem, especialmente como reação às manifestações do último domingo.
Depois de todos os atropelos vividos nos últimos anos, é um indicativo de saúde
da nossa democracia que ainda haja tanta gente disposta a ir para as ruas por
uma causa, e não para defender seu político de estimação. Mas o clima de “o
povo unido jamais será vencido” não reflete o que se viu nos bastidores do
Senado nos últimos dias.
Nas conversas de coxia, não faltou senador de
direita e do Centrão lamentando que o projeto da blindagem tenha sido atrelado
ao da anistia aos presos do 8 de Janeiro, contaminando as discussões. Ou ainda
que os deputados tenham ido com muita sede ao pote, incluindo presidentes de
partido e fazendo manobras flagrantemente ilegais para manter o voto secreto
dos parlamentares sobre abrir processo contra si mesmos.
Na tarde de terça, ao jogar a toalha em
reunião da oposição, um grupo já planejava tentar um acordo com Davi
Alcolumbre (União Brasil-AP)
para retomar a tentativa de blindagem mais adiante, com um texto mais suave e
num momento “menos tenso”.
Assim como a “química” ajudou Lula a abrir
espaço com Trump, a pressão popular foi fundamental para empurrar os senadores
a fazer o que tinha de ser feito. Na política da vida real, porém, carisma e
bons valores não garantem muita coisa, e nenhuma das duas brigas está ganha.
É compreensível que se busquem razões para
comemorar em momento tão desafiador da vida nacional. Mas suspeito que isso
diga muito mais sobre nossa carência de boas notícias que sobre o tamanho de
nossos avanços.
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