quinta-feira, 25 de setembro de 2025

Convém evitar o oba-oba. Por Malu Gaspar

O Globo

Em tese, os dois eventos que dominaram o noticiário da semana — o tête-à-tête de 20 segundos entre Donald Trump e Lula e o enterro da PEC da Blindagem no Senado Federal — nada têm a ver um com o outro. E não têm mesmo, exceto pelo injustificável oba-oba que se seguiu a ambos.

Claro que faz diferença para um governo que só vinha encontrando portas fechadas nos Estados Unidos a promessa de Trump de fazer uma reunião para discutir o tarifaço e outras questões que se tornaram um obstáculo à relação com o Brasil. Não é tampouco irrelevante ele ter dito que gostou de Lula e que só faz negócio com quem gosta.

Daí a achar que se abriram as portas da esperança na Casa Branca vai uma longa distância, e Lula sabe disso, tanto que orientou seu time nos bastidores a atuar com cautela — e, se der, a fazer a reunião por telefone ou vídeo. Não só para evitar ser submetido a um vexame internacional, como já aconteceu com outros chefes de Estado, mas também porque, entre eles, há um abismo difícil de superar.

Trump e Lula discordam em quase tudo — das mudanças climáticas à noção de democracia, passando pelo que fazer em relação à Faixa de Gaza e à classificação de multinacionais criminosas do tipo PCC como organizações terroristas.

Até um dos pontos de convergência mencionados pelo próprio Lula, a crença na necessidade de proteger a indústria nacional, é no fundo um problema, já que, se ambos insistirem em se proteger um do outro, será complicado avançar.

É impossível ignorar que Trump conseguiu espremer, nos quase dois minutos que dedicou ao Brasil na ONU, um elogio a Lula – um “cara legal” com quem ele teve “química excelente” — e uma alfinetada:

“O Brasil está indo mal e continuará indo mal. Eles só conseguem se sair bem quando trabalham conosco. Sem nós, eles fracassarão”.

Sem contar a questão ideológica. Só mesmo um lulista inveterado ou iludido poderá imaginar que todo esse trelelê vá mudar a avaliação de Trump e de seu secretário de Estado, Marco Rubio, de que existe uma “ditadura do Judiciário” por aqui perseguindo Jair Bolsonaro. Seja qual for o resultado da reunião, Eduardo Bolsonaro (PL-SP), Paulo Figueiredo e a rede de influência que montaram junto aos trumpistas radicais continuará ativa e criando fatos, alimentando sanções e represálias a juízes e autoridades do governo brasileiro.

É desse tipo de guerra ideológica, afinal, que o trumpismo se alimenta. E, pelo menos por enquanto, não há sinal de que a batalha contra o Supremo e a esquerda latino-americana estejam perdendo impulso.

A melhor opção para Lula seria ignorar o assunto e concentrar a conversa com Trump no lado comercial. Seguir esse rumo, porém, pode gerar problemas com sua base e com o STF e ainda não ser suficiente para derrubar as barreiras tarifárias.

Claro que Trump tem uma série de preocupações econômicas, e é razoável supor que foram elas que o fizeram abrir uma janela ao Brasil. Mas todos esses senões tornam imperioso evitar o oba-oba em torno do que vem por aí.

Da mesma forma, é positivo o enterro da PEC da Blindagem, especialmente como reação às manifestações do último domingo. Depois de todos os atropelos vividos nos últimos anos, é um indicativo de saúde da nossa democracia que ainda haja tanta gente disposta a ir para as ruas por uma causa, e não para defender seu político de estimação. Mas o clima de “o povo unido jamais será vencido” não reflete o que se viu nos bastidores do Senado nos últimos dias.

Nas conversas de coxia, não faltou senador de direita e do Centrão lamentando que o projeto da blindagem tenha sido atrelado ao da anistia aos presos do 8 de Janeiro, contaminando as discussões. Ou ainda que os deputados tenham ido com muita sede ao pote, incluindo presidentes de partido e fazendo manobras flagrantemente ilegais para manter o voto secreto dos parlamentares sobre abrir processo contra si mesmos.

Na tarde de terça, ao jogar a toalha em reunião da oposição, um grupo já planejava tentar um acordo com Davi Alcolumbre (União Brasil-AP) para retomar a tentativa de blindagem mais adiante, com um texto mais suave e num momento “menos tenso”.

Assim como a “química” ajudou Lula a abrir espaço com Trump, a pressão popular foi fundamental para empurrar os senadores a fazer o que tinha de ser feito. Na política da vida real, porém, carisma e bons valores não garantem muita coisa, e nenhuma das duas brigas está ganha.

É compreensível que se busquem razões para comemorar em momento tão desafiador da vida nacional. Mas suspeito que isso diga muito mais sobre nossa carência de boas notícias que sobre o tamanho de nossos avanços.

 

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