Folha de S. Paulo
Grupo que controla o Congresso tenta aprovar
medida desde fevereiro de 2021
Senadores reduziram a pó os 350 votos da
Câmara só após pressão nas redes sociais e nas ruas
Dezoito dias após ser eleito em primeiro
turno e recolocar o centrão no comando da Câmara
dos Deputados, Arthur Lira (PP-AL) fez em 19 de
fevereiro de 2021 um discurso emblemático no plenário.
Naquele dia a Casa aprovaria a manutenção da prisão do deputado bolsonarista Daniel Silveira por ordem do STF (Supremo Tribunal Federal). Lira precedeu a votação com o claro recado de que aquela "intervenção extrema sobre as prerrogativas parlamentares" deveria ser um "ponto fora da curva" a não ser repetido.
Diante disso, anunciou a criação de uma
comissão pluripartidária para elaborar uma "regulação ainda mais clara e
específica" do artigo 53 da Constituição, o que trata das imunidades
parlamentares.
Para os que ali desconheciam o estilo do novo
presidente da Casa, se é que existiam, os dias seguintes seriam didáticos: Lira
tentou aprovar em plenário já na semana seguinte —e sem sinal de vida da tal
comissão pluripartidária— uma proposta que
ampliava a imunidade parlamentar e reduzia as chances de prisão de deputados e
senadores.
O líder do centrão só recuou diante
da resistência dos partidos de oposição e da repercussão negativa da medida.
A proposta à época chamada de "PEC
(proposta de emenda à Constituição) da Imunidade" foi para a gaveta dormir
um sono de mais de quatro anos e, em agosto, despertou novamente, dessa vez sob
o nome "PEC das Prerrogativas" no batismo feito pelos deputados.
O compromisso de votação foi firmado a portas
fechadas. Saiu do gabinete de Lira —que ocupa um amplo espaço bem próximo ao do
atual presidente, Hugo Motta (Republicanos-PB)—
o acordo para que bolsonaristas encerrassem a ocupação da mesa do plenário da
Casa.
O acerto se resumia à votação de dois
projetos. A anistia a condenados por atos golpistas, bandeira dos aliados do
ex-presidente, e a PEC das Prerrogativas", texto do centrão encampado pela
oposição sob o argumento de que era preciso dar um basta aos abusos do STF.
Embora o texto-base da proposta fosse o mesmo
de 2021 —uma PEC apresentada pelo hoje ministro do Turismo, Celso
Sabino (União Brasil-PA)—, dessa vez a PEC da "Imunidade" ou das
"Prerrogativas" era muito mais ambiciosa. Não à toa levou o nome
de PEC
da Blindagem, ou da "impunidade" e da "bandidagem" nas
redes sociais.
A proposta visava retomar regra derrubada
pelo próprio Congresso em 2001 para que deputados e senadores só pudessem ser
processados com aval deles próprios, em votação secreta. Instituía ainda um
foro privilegiado a presidentes de partidos políticos.
No discurso, uma defesa do direito de
parlamentares emitirem opinião e voto sem censura ou perseguição do STF. Nos
bastidores, o desejo de barrar o avanço de investigações sobre suspeita de
corrupção na aplicação das bilionárias emendas parlamentares, entre outras
irregularidades.
A ambição do projeto tinha como base o
cálculo do centrão de que o momento era adequado, já que o grupo teria ao seu
lado a ira do bolsonarismo contra o STF. Ou seja, mais de 400 dos 513 votos na
Câmara, incluindo aí parte da esquerda simpática à proposta.
No final de agosto, a Câmara ensaiou votar a
medida em uma noite/madrugada, mas a defesa de integrantes do PL de que a
proposta incluísse a determinação clara da suspensão até dos processos em
andamento azedou
uma reunião de líderes partidários na casa de Motta.
A votação foi abortada e a já presente má
repercussão nas redes sociais levou até o PL a dizer que não era mais a favor
da medida.
A aparente volta à gaveta, porém, durou
poucos dias. O centrão trocou de lado e buscou apoio do governo Lula e do PT
com a promessa de que, em troca, derrubaria o projeto de anistia ampla
defendida pelo bolsonarismo.
A costura do centrão entre PL e PT
levou à
votação massacrante na semana passada, nos dias 16 e 17, quando 353
deputados votaram a favor da medida (344 em segundo turno).
Uma antiga piada na Câmara diz que o mais
bobo ali não teve menos que um caminhão de votos. A movimentação do centrão e a
aprovação da medida só ocorreu devido a dois pontos.
Primeiro, a certeza de apoio maciço no
bolsonarismo e de simpatia também razoável na esquerda. Deputados do PT, por
exemplo, foram
fundamentais para manter a previsão de voto secreto para a autorização
dos processos.
Segundo, da certeza de amparo também no
Senado. Medidas desse quilate não são desengavetadas dessa forma sem um acerto
muito bem costurado nos bastidores entre líderes das duas Casas.
A ampla repercussão negativa nas redes
sociais e nas ruas, criando o clima de um Congresso só preocupado em ampliar
privilégios e barrar avanços para a população, sacramentou o terceiro fracasso.
Deputados passaram a correr para se explicar
e a manifestar
arrependimento.
O Senado, por sua vez, recebeu de mão beijada
uma chance de posar de bom-moço com o jogo já jogado. Só poupou os deputados de
enterrar a medida não só na Comissão
de Constituição e Justiça, mas também no plenário por alegada falta de
amparo regimental.
Embora haja senadores desde sempre
genuinamente contrários à medida, boa parte apenas pulou do bonde e abandonou o
centrão da Câmara à própria sorte.
O certo é que se a Câmara colocasse novamente
em votação a PEC, a avalanche da semana passada provavelmente se mostraria em
sentido inverso.
"Não
falo mais sobre esse assunto, já era. Morreu, morte matada." As poucas
palavras nesta quarta-feira (24) do relator da PEC na Câmara, Claudio Cajado
(PP-BA), resumem tudo.
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