quinta-feira, 25 de setembro de 2025

Centrão vê 3º fracasso de PEC da Blindagem em 4 anos. Por Ranier Bragon

Folha de S. Paulo

Grupo que controla o Congresso tenta aprovar medida desde fevereiro de 2021

Senadores reduziram a pó os 350 votos da Câmara só após pressão nas redes sociais e nas ruas

Dezoito dias após ser eleito em primeiro turno e recolocar o centrão no comando da Câmara dos DeputadosArthur Lira (PP-AL) fez em 19 de fevereiro de 2021 um discurso emblemático no plenário.

Naquele dia a Casa aprovaria a manutenção da prisão do deputado bolsonarista Daniel Silveira por ordem do STF (Supremo Tribunal Federal). Lira precedeu a votação com o claro recado de que aquela "intervenção extrema sobre as prerrogativas parlamentares" deveria ser um "ponto fora da curva" a não ser repetido.

Diante disso, anunciou a criação de uma comissão pluripartidária para elaborar uma "regulação ainda mais clara e específica" do artigo 53 da Constituição, o que trata das imunidades parlamentares.

Para os que ali desconheciam o estilo do novo presidente da Casa, se é que existiam, os dias seguintes seriam didáticos: Lira tentou aprovar em plenário já na semana seguinte —e sem sinal de vida da tal comissão pluripartidária— uma proposta que ampliava a imunidade parlamentar e reduzia as chances de prisão de deputados e senadores.

O líder do centrão só recuou diante da resistência dos partidos de oposição e da repercussão negativa da medida.

A proposta à época chamada de "PEC (proposta de emenda à Constituição) da Imunidade" foi para a gaveta dormir um sono de mais de quatro anos e, em agosto, despertou novamente, dessa vez sob o nome "PEC das Prerrogativas" no batismo feito pelos deputados.

O compromisso de votação foi firmado a portas fechadas. Saiu do gabinete de Lira —que ocupa um amplo espaço bem próximo ao do atual presidente, Hugo Motta (Republicanos-PB)— o acordo para que bolsonaristas encerrassem a ocupação da mesa do plenário da Casa.

O acerto se resumia à votação de dois projetos. A anistia a condenados por atos golpistas, bandeira dos aliados do ex-presidente, e a PEC das Prerrogativas", texto do centrão encampado pela oposição sob o argumento de que era preciso dar um basta aos abusos do STF.

Embora o texto-base da proposta fosse o mesmo de 2021 —uma PEC apresentada pelo hoje ministro do Turismo, Celso Sabino (União Brasil-PA)—, dessa vez a PEC da "Imunidade" ou das "Prerrogativas" era muito mais ambiciosa. Não à toa levou o nome de PEC da Blindagem, ou da "impunidade" e da "bandidagem" nas redes sociais.

A proposta visava retomar regra derrubada pelo próprio Congresso em 2001 para que deputados e senadores só pudessem ser processados com aval deles próprios, em votação secreta. Instituía ainda um foro privilegiado a presidentes de partidos políticos.

No discurso, uma defesa do direito de parlamentares emitirem opinião e voto sem censura ou perseguição do STF. Nos bastidores, o desejo de barrar o avanço de investigações sobre suspeita de corrupção na aplicação das bilionárias emendas parlamentares, entre outras irregularidades.

A ambição do projeto tinha como base o cálculo do centrão de que o momento era adequado, já que o grupo teria ao seu lado a ira do bolsonarismo contra o STF. Ou seja, mais de 400 dos 513 votos na Câmara, incluindo aí parte da esquerda simpática à proposta.

No final de agosto, a Câmara ensaiou votar a medida em uma noite/madrugada, mas a defesa de integrantes do PL de que a proposta incluísse a determinação clara da suspensão até dos processos em andamento azedou uma reunião de líderes partidários na casa de Motta.

A votação foi abortada e a já presente má repercussão nas redes sociais levou até o PL a dizer que não era mais a favor da medida.

A aparente volta à gaveta, porém, durou poucos dias. O centrão trocou de lado e buscou apoio do governo Lula e do PT com a promessa de que, em troca, derrubaria o projeto de anistia ampla defendida pelo bolsonarismo.

A costura do centrão entre PL e PT levou à votação massacrante na semana passada, nos dias 16 e 17, quando 353 deputados votaram a favor da medida (344 em segundo turno).

Uma antiga piada na Câmara diz que o mais bobo ali não teve menos que um caminhão de votos. A movimentação do centrão e a aprovação da medida só ocorreu devido a dois pontos.

Primeiro, a certeza de apoio maciço no bolsonarismo e de simpatia também razoável na esquerda. Deputados do PT, por exemplo, foram fundamentais para manter a previsão de voto secreto para a autorização dos processos.

Segundo, da certeza de amparo também no Senado. Medidas desse quilate não são desengavetadas dessa forma sem um acerto muito bem costurado nos bastidores entre líderes das duas Casas.

A ampla repercussão negativa nas redes sociais e nas ruas, criando o clima de um Congresso só preocupado em ampliar privilégios e barrar avanços para a população, sacramentou o terceiro fracasso.

Deputados passaram a correr para se explicar e a manifestar arrependimento.

O Senado, por sua vez, recebeu de mão beijada uma chance de posar de bom-moço com o jogo já jogado. Só poupou os deputados de enterrar a medida não só na Comissão de Constituição e Justiça, mas também no plenário por alegada falta de amparo regimental.

Embora haja senadores desde sempre genuinamente contrários à medida, boa parte apenas pulou do bonde e abandonou o centrão da Câmara à própria sorte.

O certo é que se a Câmara colocasse novamente em votação a PEC, a avalanche da semana passada provavelmente se mostraria em sentido inverso.

"Não falo mais sobre esse assunto, já era. Morreu, morte matada." As poucas palavras nesta quarta-feira (24) do relator da PEC na Câmara, Claudio Cajado (PP-BA), resumem tudo.

 

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