O Globo
O PL da devastação e a exploração de petróleo
na Amazônia não combinam com o projeto sustentável do país
O Brasil vive um momento de contradições. A preparação da COP tem trazido avanços, mas a proposta de eliminação de combustíveis fósseis está em retrocesso. No mundo e aqui. A Petrobras espera ter em breve a licença para explorar petróleo na Amazônia. O combate ao desmatamento é a maior parte da nossa contribuição, porém o país vive sob a ameaça do PL da devastação. Tudo o que se conseguiu foi adiar a derrubada dos vetos do presidente Lula a esta lei nefasta. A solução do adiamento foi um alívio no ambientalismo, ainda assim fere a lógica. A questão não é deixar essa derrota para depois que “as visitas forem embora”, ou seja, após a conferência de Belém. É encarar os lobbies empresariais e do agronegócio.
A COP28 de Dubai foi feita no coração do
petróleo, como tem dito a ministra Marina Silva, e a surpresa foi que, apesar
disso, houve um avanço importante. Pela primeira vez foi escrito nos documentos
que era preciso iniciar o trabalho para a eliminação do uso dos combustíveis
fósseis. Agora, na pré-COP em Brasília, a Arábia Saudita defendeu, ao lado de
outros países produtores de petróleo e gás, que a descarbonização ocorra por
meio do aumento das fontes renováveis.
Ora, claro que este é um dos caminhos e tem
sido tentado. No entanto, a decisão já tomada em Dubai foi de programar o fim
deste uso. O ideal seria ter um mapa do caminho para o objetivo.
A nossa cúpula do clima está sendo tragada
por vários problemas, que vão da sabotagem da maior economia do mundo às
dificuldades de hospedagem e logística. Mesmo assim, o presidente da COP,
embaixador André Corrêa do Lago, tem usado todo o conhecimento da diplomacia
brasileira para superar os obstáculos. O empenho não pode ser só da liderança
da conferência, mas de todo o governo, inclusive a Presidência da República.
Lula e todo o seu entorno precisam mostrar que entenderam a dimensão do que
está acontecendo no Brasil. O país-sede das duas grandes convenções globais,
sobre o clima e sobre biodiversidade, volta a ser o centro, 33 anos depois, de
uma reunião mundial sobre clima em um cenário de emergência climática. O
ex-presidente Fernando Collor, com todos os seus defeitos que o levaram ao
impeachment e à desimportância política, sentou-se à mesa da Rio 92 negociando
diretamente, e não apenas no momento dos chefes de Estado. No Brasil, há
barreiras no entorno do presidente aos argumentos dos negociadores.
O PL do Licenciamento Ambiental é chamado por
bons motivos de PL da devastação. Como se sabe, o presidente Lula vetou os 63
piores pontos, e o Congresso quer derrubá-los. Estava marcada para quinta-feira
a sessão que analisaria o assunto e o senador Davi Alcolumbre adiou. Há no
projeto retrocessos bizarros no arcabouço legal e institucional de proteção do
meio ambiente. A bancada ruralista e os defensores de obras de infraestrutura
uniram seus lobbies e ameaçam derrubar todos os vetos. Repito, foi apenas
adiado. Se caírem, o agronegócio terá que responder por que tenta melhorar sua
imagem, e convencer o mundo de que é sustentável, enquanto seus representantes
no Congresso são sistematicamente a favor de absurdos medievais quando o tema é
meio ambiente. O agro quer que o cálculo das suas emissões de gases de efeito
estufa seja reduzido, ao mesmo tempo adere a um texto demolidor como deste PL.
Enquanto isso, a Petrobras pressiona o Ibama
por uma resposta favorável sobre a exploração de petróleo na Margem Equatorial,
e tem muitos políticos de todas as tendências ao lado da empresa. Se o mundo
vai caminhar para a redução e futura eliminação do uso do petróleo, e a COP
pode fazer o tema andar, como o Brasil quer aprovar essa ação? Levará dez anos
para maturação, no mínimo, e se começará a produzir em área sensível quando
estivermos reduzindo o uso do petróleo. Este governo trabalha em dois trilhos,
duas paralelas que nunca se encontram, quando o tema é o meio ambiente.
Em qualquer administração, há alas defendendo
interesses antagônicos, mas o papel de arbitrar não pode ser delegado a um
ministro, por mais importante que ele seja. O governo, o mundo empresarial e o
agronegócio brasileiros precisam fazer uma escolha coletiva de caminho. Hoje, o
país vive em batalhas e escaramuças diárias entre a insensatez ambiental e a
busca de um projeto realmente sustentável.
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