quinta-feira, 16 de outubro de 2025

O mais sério adversário de Lula em 2026, por Maria Cristina Fernandes

Valor Econômico

Favoritismo leva o presidente a subir no salto precocemente

O presidente Luiz Inácio Lula da Silva esbaldou-se nesta quarta em evento alusivo ao dia dos professores no Rio. A plateia, de profissionais da educação, lhe era francamente favorável a ponto de quase não deixar o presidente da Câmara falar.

Convidado a acompanhar Lula, o deputado Hugo Motta (Republicanos-PB) esforçou-se para fazer um balanço do que a Câmara havia aprovado em benefício da educação mas teve sua fala atropelada por vaias e pelo grito de guerra “sem anistia”. Para evitar o constrangimento, Lula levantou-se e ficou ao seu lado com o braço sobre seu ombro.

A deferência parou aí. Ao final de seu discurso, embalado pelo apelo para que os presentes reflitam sobre suas escolhas para o Legislativo, o presidente, que, em 33 minutos, soltou o mesmo palavrão da “p.” três vezes, olhou para Motta e disse: “Hugo é presidente desse Congresso e sabe que o Congresso nunca teve a qualidade de baixo nível que tem hoje”. Seu alvo, como diria depois, era a extrema-direita, e o presidente do Congresso é o senador Davi Alcolumbre (União-AP), mas o estrago estava feito. Motta, que até então ria das tiradas presidenciais, fechou a cara. Pudera.

O presidente da Câmara tem sido prestigiado pelo Palácio do Planalto para resistir à turma do Centrão empenhada em impor derrotas ao governo, mas o pacote não abriga uma desfeita do gênero. Motta foi subtraído de sua autoridade ao ser obrigado a ouvir em silêncio o presidente da República esculhambar os integrantes da Casa que o elegeram para comandá-la pela segunda maior votação da história, 444 votos.

O presidente, mais uma vez, mostrou que age melhor na planície e até na descida da ladeira do que sobre o salto alto. Foi Lula quem articulou a engenhosa saída para a derrota na MP que abriu um buraco fiscal de R$ 46,5 bilhões. Ocupantes de cargos indicados por partidos que ordenaram rejeição à MP começaram a ser cortados no dia seguinte. As demissões atingem de diretorias de bancos públicos a superintendências regionais de autarquias e ministérios.

O engenho fica por conta de sua substituição. Os cargos ficarão vagos até que o governo aprove as medidas necessárias para fechar o ano no azul com o caixa que julgar necessário para o ano eleitoral. Quando isso acontecer, os cargos voltarão a ser preenchidos. A depender do comportamento de seus antigos patronos nas votações, os cargos podem ou não lhe ser devolvidos.

O governo quer tapar o buraco recuperando a restrição a compensações tributárias, maior fonte de receita da MP derrotada. Pretende ainda votar, em textos separados, a elevação da taxação das bets e das fintechs. Só agora caiu a ficha de que é apenas pelo envio em separado - e não em um pacote de medidas como na MP 1303 - que é possível expor os parlamentares contrários à pressão da opinião pública.

Não é coincidência que esta atitude tenha sido tomada no mesmo momento em que impera a barata voa na oposição ante o cenário eleitoral de 2026. O governador paulista, Tarcísio de Freitas, resiste a assumir uma candidatura à Presidência, o governador goiano, Ronaldo Caiado, tem sua postulação ignorada por seu próprio partido (União), e o governador paranaense, Ratinho Jr., tem toda a pinta de ser o Rodrigo Pacheco de 2026. O presidente do PSD, Gilberto Kassab, passou toda a pré-campanha de 2022 falando na candidatura presidencial do senador mineiro só para depois liberar os palanques regionais ao apoio que julgassem mais adequado para a montagem de chapas e eleição de bancadas.

Se não se entendem entre si, os governadores tampouco são capazes de manter diálogo sem farpas com o bolsonarismo, cuja candidatura mais competitiva, a da ex-primeira-dama Michelle Bolsonaro, é rejeitada pelos enteados, por seu partido (PL) e até pelo marido.

Some-se a esses desentendimentos no campo adversário o temor que lá impera em relação ao andamento das ações que questionam as emendas parlamentares em mãos do ministro Flávio Dino. A audiência a ser realizada no STF na próxima semana vai avaliar se as medidas recomendadas para dar mais transparência à execução das emendas, como a individualização das contas bancárias, foram efetivadas.

As operações da Polícia Federal sobre a lavagem de dinheiro do crime organizado, que já expuseram fintechs e bets, chegam também às emendas. A exposição de um caso contamina o resto e tudo que os parlamentares querem evitar uma associação a letrinhas malditas do PCC e CV.

É sobre este tablado de condições favoráveis que Lula sapateia sobre a oposição. No evento do Rio, além da pisada de bola com Motta, o presidente também exagerou no otimismo com as perspectivas de seu encontro com o presidente americano. Em clima de mesa de bar, Lula contou a conversa com Donald Trump. “A gente tava de mal mas eu não o conhecia”. Como é oito meses mais velho, propôs conversa sem liturgia: “Não pintou química, pintou uma indústria petroquímica”.

Naquela tarde, o representante comercial dos EUA, Jamieson Greer, e o secretário de Tesouro, Scott Bessent, justificaram a sobretaxa de 40% sobre o Brasil pela afronta ao “estado de direito e aos direitos humanos” e pela “censura” a empresas americanas. Como o dono da voz é Trump, o Itamaraty colocou suas barbas de molho. Nem sequer divulgou oficialmente a hora do encontro desta quinta entre o chanceler Mauro Vieira e o secretário do Departamento de Estado, Marco Rubio. Os punhos são de seda, mas o salto é baixo. Só um desses pode evitar que o favoritismo de Lula derrape.

 

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