sexta-feira, 28 de abril de 2017

O custo de mudar a meta de inflação | Claudia Safatle

- Valor Econômico

Aumento do salário real deve estimular o consumo

Há bons argumentos para o Conselho Monetário Nacional (CMN) manter em 4,5% a meta para a inflação de 2018. Talvez o mais forte seja que para reduzir a meta estabelecida há dois anos o Comitê de Política Monetária (Copom) teria que rever de imediato a sua política de flexibilização monetária.

As decisões de agora já afetam a inflação do próximo ano e, muito provavelmente, para perseguir uma inflação menor no ano que vem - como chegou a ser cogitado pelo governo -, o Copom não estaria considerando intensificar o ritmo de cortes da taxa básica de juros (Selic). Ou seja, nesse caso ele poderia estar pensando em baixar menos, em parar o ciclo de afrouxamento monetário ou, até mesmo, em recomeçar mais adiante uma política de aperto, com elevação dos juros.

Assim, quando se reunir em junho para definir a meta de inflação de 2019, o CMN vai confirmar 4,5% para o próximo exercício, mesmo com a perspectiva de uma variação efetiva do IPCA neste e no ano que vem abaixo da meta. As expectativas do Focus apontam para uma inflação de 4,04% em 2017 e de 4,32% em 2018.

Embora o regime de metas seja flexível, não é visto como uma boa prática mudar o termômetro porque a inflação efetiva vai ficar abaixo ou acima da meta. Melhor, segundo os especialistas, é o Banco Central avaliar qual é a política monetária mais adequada para levar a inflação em direção à meta.

No ano passado, quando Ilan Goldfajn assumiu o comando do BC, chegou-se a discutir no governo se não seria mais prudente adotar uma meta ajustada para 2017 e fazer a convergência para 4,5% em dois anos. A inflação estava muito alta e seria custoso conduzi-la para o intervalo da meta, principalmente tendo em vista que era preciso começar a cortar os juros para tirar o país de uma recessão profunda e prolongada. Olhando para trás, foi acertada a decisão de manter a meta em 4,5%, com intervalo de 2 pontos percentuais para cima ou para baixo (teto de 6,5% e piso de 2,5%). A inflação que começou o ano em 10,71% cedeu para 6,29% no fim do exercício e isso foi importante para a convergência das expectativas.

O Conselho Monetário deve, na reunião de junho, sancionar a redução da meta para 2019, que será submetida antes à apreciação do presidente da República. Se isso se confirmar, o governo estará finalmente retomando o processo de desinflação, que está estacionado em 4,5% desde 2005. Essa é uma decisão que não compromete a queda da Selic para cerca de 8,5% ao ano neste exercício, conforme os prognósticos do mercado, porque 2019 ainda não está ao alcance da política monetária - cujos "lags'' são de 18 a 24 meses. Além do mais, ao reduzir a meta de inflação, as expectativas também caem.

Um segundo argumento, também importante, é que não se deve projetar a inflação dos próximos anos com base na atual ociosidade da economia. Parte da queda da inflação, que saiu de dois dígitos no primeiro bimestre de 2016 para 4,57% em março, é estrutural, mas uma outra parte decorre da imensa ociosidade da economia após dois anos de recessão. As pressões inflacionárias de hoje, portanto, não serão as mesmas de quando a atividade estiver recuperada.

Outro ponto que não pode ser esquecido é o do choque positivo dos alimentos, cuja contribuição é de 0,3 a 0,4 ponto percentual a menos no IPCA deste ano. Isso significa que a inflação, sem a queda dos preços dos alimentos, estaria na meta e não nos 4,04% estimados pelo mercado, o mesmo ocorrendo com o próximo ano.

O Banco Central menciona quatro blocos de riscos e incertezas que orientam o debate interno sobre a aceleração do ritmo de corte da taxa Selic. São eles o avanço dos ajustes e reformas; a recuperação da atividade econômica; os riscos externos; e o choque de alimentos.

Apesar dos bons ventos vindos da recuperação das economias desenvolvidas, há muitas incertezas que podem mudar o cenário externo, com impacto sobre a taxa de juros. As preocupações do BC vão desde o tamanho do corte de impostos que o governo Trump pretende propor ao Congresso americano, ao crescimento do protecionismo, a imigração e as tensões geopolíticas.

No tocante às reformas - e todas as atenções se concentram na PEC da previdência social - a autoridade monetária não se envolve nas negociações de varejo. Para ela o relevante é se assegurar de que as reformas serão suficientes para garantir a desinflação e vão contribuir para a redução da taxa de juros neutra da economia.

Quanto à performance do PIB, o que se pode dizer neste momento é que há sinais de estabilização no primeiro trimestre e que o ano vai experimentar uma recuperação gradativa da atividade econômica. Os juros reais, que nos anos 90 eram de 20% ao ano, caíram para a casa dos 10% na década seguinte e hoje estão por volta de 4,7%. Ainda altos, mas próximos das mínimas dos últimos anos, e com as expectativas de inflação ancoradas até 2021.

Na visão do BC, detalhada no Relatório de Inflação de março, o mercado de trabalho será o último a reagir no processo de retomada da atividade, assim como foi o último a sofrer as dores da recessão. Economistas do setor privado estimam que o desemprego pode cair mais antes de a oferta de emprego começar a melhorar.

Há, porém, duas fontes de impulso ao consumo que não devem ser desconsideradas: o aumento do salário real por causa da queda acentuada e rápida da inflação; e a dissipação do temor do desemprego por parte dos trabalhadores que permaneceram empregados mas contiveram os gastos.

Há, também, indicações de que o mercado de crédito esteja reagindo depois de longo período de retração. Segundo dados divulgados pelo Banco Central, houve em março um pequeno crescimento, de 0,2%, do volume de operações frente a fevereiro. juntamente com queda dos juros e dos spreads bancários. Tudo ainda incipiente, é verdade, mas são as primeiras colheitas da queda de 300 pontos básicos da taxa de juros e da redução do patamar de endividamento das famílias. Do lado das empresas, o alto endividamento não é um problema superado. "A cobra ainda vai ter que digerir o mamute", como ilustrou uma autoridade do governo.

Nenhum comentário: