Por Cristiane Agostine | Valor Econômico
SÃO PAULO - Centrais sindicais e movimentos populares, apoiados por pelo menos 92 categorias profissionais, prometem fazer hoje a maior greve dos últimos 20 anos no país, contra as propostas de reforma trabalhista e da Previdência articuladas pelo presidente Michel Temer. A votação da reforma trabalhista na Câmara, finalizada na madrugada de ontem, deve intensificar as críticas ao governo federal nos protestos previstos em 24 Estados e no Distrito Federal.
O apoio à greve vai além do sindicalismo, das entidades populares e dos parlamentares da oposição a Temer. Ontem, o Ministério Público do Trabalho afirmou que o motivo dos protestos é " justo e legítimo" e criticou as reformas trabalhista e previdenciária. A posição reforça a defesa da paralisação já feita por juízes do trabalho.
A flexibilização das leis trabalhistas aprovada pelos deputados, com a previsão de retirada de direitos, acirrou os ânimos dos sindicalistas para a greve, segundo os dirigentes das maiores centrais sindicais.
Para o presidente nacional da CUT, Vagner Freitas, Temer e o relator da proposta na Câmara, deputado Rogério Marinho (PSDB-RN), "são os maiores militantes da greve". "Eles estão me auxiliando a fazer a maior greve geral da história. O que eles aprovaram na Câmara vai potencializar os protestos. Eles acharam que iriam intimidar a greve, mas a retirada de direitos e o sucateamento dos sindicatos fará com que o empenho dos sindicalistas aumente", disse. "E a população começa a perceber que os direitos dos trabalhadores serão retirados".
Aliado de Temer, o presidente da Força Sindical, deputado federal Paulo Pereira da Silva (SD-SP), afirmou que o governo "apagou fogo com gasolina". "É imponderável o que foi aprovado. Até agora não conseguimos dialogar nem negociar", disse. "Vamos fazer a maior paralisação da história".
Sindicatos e movimentos populares marcaram protestos em diversas cidades do país e deve haver o bloqueio de rodovias. Em São Paulo, por exemplo, haverá manifestações na avenida Paulista, em frente à prefeitura e uma marcha do Largo da Batata até a casa do presidente Temer na zona oeste. No Rio, um dos maiores atos será na Cinelândia. Em Curitiba, em frente à Justiça Federal.
A greve deve afetar principalmente o transporte. Em São Paulo, metrô, trem e ônibus não devem circular, apesar de os governos estadual e municipal terem obtido liminares na Justiça para garantir os serviços. No Rio, a maioria dos serviços de transportes deve parar e terá a participação dos motoristas e cobradores de ônibus, funcionários das barcas, metrô e VLT.
Professores da rede pública e particular, incluindo universidades, vão aderir à greve, assim como bancários, funcionários do Judiciário, policiais civis, petroleiros e trabalhadores do setor de energia. No Rio, o sindicato dos médicos aderiu ao protesto, mas deixou a cargo dos profissionais a decisão e a forma de paralisação para que não prejudique o atendimento.
Os aeroportos devem registrar problemas, com a greve da maioria dos aeroviários, responsáveis por serviços como check in, embarque e desembarque de passageiros. Aeroviários e militantes do MTST planejam fechar o acesso aos aeroportos de Congonhas e Guarulhos, em São Paulo, mas a Secretaria de Segurança Pública do Estado afirmou que não permitirá o bloqueio. Com a possibilidade de confusão, a Gol, Latam e Avianca decidiram não cobrar pela remarcação da passagem dos voos previstos para hoje. Pilotos, copilotos e comissários que ameaçavam aderir à greve recuaram depois que tiveram pedidos atendidos pelo relator da reforma trabalhista.
A paralisação afetará também os portos, como o de Santos. No Rio, os petroleiros aprovaram greve em 19 plataformas da Bacia de Campos. A indústria e o comércio também serão atingidos, principalmente pela dificuldade de os trabalhadores se deslocarem.
A última greve geral do país foi em 1996, durante o governo Fernando Henrique Cardoso, quando o país vivia uma crise econômica. CUT, CGT e Força Sindical organizaram o protesto contra a flexibilização dos direitos trabalhistas, o desemprego e a privatização. Presidente da CUT naquela época, o deputado federal Vicentinho (PT-SP) comparou os dois momentos e avaliou que agora os trabalhadores correm mais riscos. "A situação atual é muito mais grave. O golpe contra os trabalhadores é mais violento e profundo. Estão fazendo o que nem a ditadura teve coragem de fazer com os direitos trabalhistas", disse Vicentinho. "A maioria das propostas aprovadas pelos deputados na reforma trabalhista foi feita por empresários. Estão fazendo o jogo das entidades empresariais", afirmou Vicentinho, um dos coordenadores da greve de 1996. Outra diferença apontada pelo deputado é o apoio de bispos e padres e de movimentos sociais à greve de hoje.
A maior greve geral foi em 1989, contra o congelamento dos preços e salários e contra a inflação elevada, que chegou a 1.700% no acumulado de 12 meses. Coordenadora de Pesquisas e Tecnologia do Dieese, Patrícia Pelatieri apontou que a paralisação de hoje pode ser comparada com a de 1996 na defesa contra a perda de direitos dos trabalhadores, mas também com a de 1989, em "intensidade e volume" previstos.
Os sindicalistas apostam que a pressão popular facilitará a mudança da reforma trabalhista no Senado e da Previdenciária na Câmara.
Na véspera da greve, políticos evitaram usar as redes sociais ou fazer declarações contra a iniciativa. Uma das exceções foi o prefeito de São Paulo, João Doria (PSDB), que começa a ser cotado como um possível presidenciável em 2018. O tucano classificou a paralisação como "injusta" e disse que os protestos não deveriam acontecer durante a semana. O tucano defendeu as reformas propostas por Temer e afirmou que "só quem pensa pequeno" não apoia essas alterações. "Sou contra essa greve. Entendo que é legítimo o direito das pessoas de protestarem, mas não durante a semana", disse. "A população não merece o sofrimento imposto por uma greve injusta, inadequada e inoportuna".
A prefeitura paulistana, assim como a de Porto Alegre e de Salvador, tentam "furar" a greve e anunciaram ontem parcerias com aplicativos de taxi para transportar os servidores públicos municipais. Segundo essas prefeituras, a conta ficará a cargo de empresas como o Uber e 99. Entre os governos apoiadores da paralisação está o de Minas Gerais. O governador do Estado, Fernando Pimentel (PT), anunciou que não vai cortar o ponto dos servidores que aderirem à greve. (Colaboraram Cristian Klein e Alessandra Saraiva, do Rio, e Marcos de Moura e Souza, de Belo Horizonte)
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