- O Estado de S. Paulo
Se é para melhorar, por que tanta resistência às reformas?
Antes de mais nada, aumentou a percepção do cidadão comum de que a vida não só está pior do que estava há alguns anos, mas que segue piorando. O trabalhador já se sentia espoliado pelo avanço do Fisco sobre a renda, pela baixa qualidade dos serviços públicos e pela enormidade da roubalheira. Essa paisagem desolada já vinha sendo devastada por outros desastres: recessão, desemprego e endividamento, que reduziram substancialmente a qualidade de vida.
As corporações e os grupos de interesse que começaram a florescer no Brasil no governo de Getúlio Vargas começam a ter suas zonas de conforto questionadas pelas grandes transformações que vêm tomando o mundo.
É, por exemplo, a tecnologia de informação e a globalização que vêm alterando as relações de trabalho e relativizando o conceito de soberania nacional; é o aumento da expectativa de vida da população, que colocou em risco a aposentadoria; e é o ocaso do sonho socialista, que convulsionou as concepções ideológicas do mundo e da sociedade.
As corporações sentem que o chão vem se tornando movediço sob seus pés e, em pânico ou quase pânico, vêm reagindo visceralmente contra os processos de transformação. São elas que estão se aproveitando da sensação generalizada de perda produzida pela recessão para jogar a população contra quaisquer reformas, sejam elas quais forem. É a mesma atitude que os militares tiveram no início dos anos 60 quando se insurgiram contra as propostas de reforma de base das esquerdas.
O governo Temer vem perdendo para as corporações a batalha de comunicação. Não consegue convencer o cidadão comum de que, sob as regras atuais, a aposentadoria futura está ameaçada e, com ela, estão ameaçadas as políticas sociais. Não consegue convencê-lo de que, se esses vícios não forem rapidamente corrigidos, as gerações atuais deixarão um futuro desastroso para as que vêm em seguida.
Se forem aprovados, os atuais projetos de reforma vão na direção certa, mas se limitam a atacar a superfície dos problemas. Não há remédio senão ir mais fundo mais à frente. A reforma trabalhista, por exemplo, não resolve o problema de cerca de 40% dos trabalhadores que estão na informalidade ou em atividades não alcançadas pela proteção da lei. Outros 22 milhões são autônomos e vivem numa espécie de mangue econômico e social, que não é totalmente mar nem totalmente terra. São raros os que, entre essa gente, vêm cuidando do financiamento da aposentadoria futura.
Uma velha história conta que um peixeiro pendurou uma placa no seu estabelecimento que dizia: “Vende-se peixe fresco hoje”. Passou um cara e murmurou: “Para que esse hoje? Esse sujeito abre a loja em dia que não seja hoje?”. O peixeiro apagou a palavra hoje. Passou o segundo e disse: “Peixe fresco? Por acaso alguém venderia peixe podre?”. O peixeiro apagou a palavra fresco. Um terceiro olhou e disse: “Claro que é peixe, qualquer um sente o cheiro a duas quadras de distância”. O peixeiro apagou a palavra peixe. E o quarto viu aquilo: “Afinal, esse cara está vendendo o quê?”. E o peixeiro apagou o vende-se. O projeto de reforma da Previdência, sob fogo das corporações e concessões do governo Temer, está virando a loja do peixeiro.
Nenhum comentário:
Postar um comentário