Democracias não prestam vênia a ditaduras
O Estado de S. Paulo.
Ausência de celebração militar do aniversário do golpe de 64 é retorno à normalidade institucional. Homenagens oficiais do governo Bolsonaro à ditadura eram insubmissão à Constituição
Durante os quatro anos do governo de Jair
Bolsonaro, as Forças Armadas comemoraram o golpe de 31 de março de 1964. A
orientação para os quartéis celebrarem a data foi um pedido do presidente
Bolsonaro, cuja carreira política sempre se valeu do discurso de saudosismo da
ditadura militar. Agora, com o governo de Lula da Silva, retorna-se à
normalidade institucional. Não haverá nenhuma homenagem oficial à instauração
do regime militar.
O tema é importante e merece ser bem
compreendido. Não cabe, num Estado Democrático de Direito, realizar homenagens
oficiais a períodos ditatoriais, nos quais, entre outros abusos, liberdades
fundamentais e direitos políticos foram negados. Nenhuma instituição pública –
cuja razão de existir remete, em última análise, ao princípio democrático – tem
legitimidade para celebrar golpe militar.
Por isso, foi um passo importante quando,
no governo de Fernando Henrique Cardoso, pôs-se fim, nos quartéis, à Ordem do
Dia referente à celebração do golpe de 1964. A medida não tinha nenhuma dimensão
de vingança ou mesmo de humilhação dos militares. A existência das Forças
Armadas está prevista na Constituição, tendo, portanto, o seu lugar no Estado
Democrático de Direito. O que não tem cabimento no regime democrático é o
envolvimento dos militares em questões políticas. As Forças Armadas estão
plenamente submetidas ao poder civil.
A abstenção do Estado de toda e qualquer
homenagem ao golpe militar não tem a pretensão de reescrever a história nem de
moldar a compreensão da população sobre os fatos passados. A história não
pertence ao poder estatal. No ambiente de liberdade próprio de um regime
democrático, cada um tem o direito de realizar sua avaliação sobre os fatos
políticos pretéritos, o que não significa, por óbvio, afirmar que todas as opiniões
têm o mesmo peso. Não dá para negar, por exemplo, que houve censura e tortura
durante o regime militar. É tarefa da sociedade, de modo muito concreto dos
historiadores, debruçar-se sobre as fontes históricas, de forma a propiciar,
com o tempo, um conhecimento cada vez mais acurado sobre o período, o que
inclui reconhecer matizes, sombras e também dúvidas.
É preciso advertir, no entanto, que a celebração do golpe militar de 1964 no governo Bolsonaro foi mais do que uma disputa sobre um tema histórico, o que, como se disse acima, é, por si só, um grave equívoco. Não cabe ao Estado escrever a história. Não cabe ao governante de plantão aproveitar-se do aparato estatal para difundir suas versões sobre a história. Na determinação de Jair Bolsonaro para que as Forças Armadas celebrassem o 31 de março, o grande tema em questão não era o que ocorreu em 1964, e sim a rejeição das escolhas feitas pela sociedade brasileira em 1988, com a promulgação da Constituição. Mais do que negacionismo a respeito da história nacional, havia uma insubmissão à ordem jurídica vigente.
Eis o grande problema das celebrações do
golpe militar durante o governo Bolsonaro: elas eram uma declaração de afronta
ao Estado Democrático de Direito. Ao louvar a ditadura e ao homenagear
torturador, Jair Bolsonaro estava, na realidade, desprezando a Constituição de
1988; em concreto, fustigava o livre funcionamento do Congresso e do
Judiciário. E ainda transmitia a mensagem subliminar de que, a depender das
circunstâncias, as Forças Armadas poderiam ser convocadas para tutelar o poder
civil. Ora, tudo isso é rigorosamente inconstitucional.
Mesmo que, por hipótese, tudo isso ficasse
“apenas” no plano simbólico, já seria gravíssimo. Constitui evidente abuso de
poder valer-se de uma data do calendário nacional para instigar as Forças
Armadas contra o regime constitucional. Mas, como se verificou nos ataques ao
sistema eleitoral e nos atos do 8 de Janeiro, essa afronta à Constituição não
ficou no plano das ideias. Produziu danos concretos.
A não celebração do 31 de março de 1964 é,
portanto, um modo de defender e promover o efetivo respeito à Constituição de
1988. Democracias não prestam vênia, nem por um dia, a ditaduras.
Com Bolsonaro vem a bagunça
O Estado de S. Paulo.
A volta do ex-presidente restabelece o caos
na política. Bolsonaristas e lulopetistas prosperam nessa confusão, com que o
País perde. Espera-se que a oposição civilizada se apresente
O ex-presidente Jair Bolsonaro desembarcou
ontem em Brasília trazendo na bagagem o caos. É espantoso que um político tão
desqualificado como ele seja tido por seu partido como grande líder. Sem
estatura intelectual e moral para nenhum cargo público nem para nenhum debate
sério sobre os rumos do País, Bolsonaro pretende ser o catalisador da oposição
ao petista Lula da Silva. Para Lula, por sua vez, a volta de Bolsonaro à
ribalta é um presente valioso, porque coloca em segundo plano os muitos
problemas de seu governo e ressuscita o cenário de confronto que o petista
soube tão bem capitalizar na campanha eleitoral do ano passado. Ou seja, é uma
situação de ganha-ganha para Bolsonaro e para Lula. Só o País perde.
Sendo agente do caos, Bolsonaro não tem
nenhuma pretensão de oferecer uma visão alternativa à de Lula. Seu objetivo é
apenas atrapalhar o máximo que puder, disseminando desinformação e promovendo o
que há de pior na política nacional. Os pequenos bolsonaros eleitos para o
Congresso não estão ali para propor nada nem para negociar nada: à imagem e
semelhança de seu guru, pretendem testar os limites da decência e, com isso,
amealhar ainda mais votos de eleitores desencantados com a democracia.
Eis por que cabe à direita democrática
desvincular-se de Bolsonaro e oferecer ao País uma alternativa competente e
moralmente correta de oposição ao governo petista. É preciso impedir não apenas
que Lula da Silva cumpra suas ameaças de arruinar as bases da estabilidade
econômica do País, como também que, na esteira desse provável desastre,
Bolsonaro (ou alguém tão desqualificado quanto ele) se apresente como
alternativa eleitoralmente viável.
O fato é que a volta de Bolsonaro tende a
drenar as energias do País para temas tão divisionistas quanto irrelevantes
para os destinos nacionais, como questões identitárias e culturais. A índole
destrutiva de Bolsonaro, marca maior de seu tormentoso mandato, decerto seguirá
produzindo efeitos nocivos para além de seus dias no poder, ainda que o
ex-presidente venha a ser declarado inelegível pelo Tribunal Superior Eleitoral
– cenário que se descortina como altamente provável.
Para o bem do Brasil, este jornal espera
que nem Lula nem os representantes dessa direita civilizada, que começaram a se
reorganizar concluída a eleição, se deixem pautar pelas diatribes de Bolsonaro e,
menos ainda, que lhe deem a brasa e o combustível para que ele incendeie o
País. É tudo o que Bolsonaro quer para se manter relevante na política
nacional. Tido e havido como “mau militar”, Bolsonaro se forjou como político
em meio à confusão. A normalidade institucional do País não lhe faz bem.
Em relação a Lula, há pouca esperança para
um comportamento magnânimo diante da oposição irracional que Bolsonaro
representa. Petistas e bolsonaristas são representantes de forças políticas que
se retroalimentam do medo e do ódio que nutrem uma pela outra. Lula sabe que o
adversário ideal dele e do PT é e será a extrema direita. Se hoje o presidente
encontra tempo para bater boca em público com um senador, é improvável que
ignore olimpicamente seu adversário na eleição passada e faça o que tem de
fazer pelo Brasil.
Bolsonaro, por sua vez, sabe que seu grande
triunfo na política decorreu da exploração do antipetismo que anima grande
parte do eleitorado. A ascensão de uma direita conservadora, não reacionária,
democrática e republicana que possa antagonizar com o PT o levaria de volta a
um lugar que ele conhece muito bem: a obscuridade. Justamente por isso,
Bolsonaro volta agora ao País contando com uma parcela da sociedade eletrizada
e dispersa para, a um só tempo, manter viva a guerra particular que trava
contra Lula e impedir a ascensão de novas lideranças políticas à direita
capazes de reduzi-lo a um mero acidente da história.
A esperança de um país menos tumultuado e
mais concentrado em uma agenda de reconstrução e pacificação nacional recai
sobre os ombros dos genuínos democratas, tanto à direita como à esquerda.
O custo da leniência inflacionária
O Estado de S. Paulo.
Criticado pelo governo, BC reafirma que, no
longo prazo, inflação alta tem efeitos mais severos que juros altos
O Banco Central (BC) admitiu que as chances
de a inflação romper a meta neste ano subiram de 57% para 83%. As projeções da
edição mais recente do Relatório Trimestral de Inflação (RTI) apontam que o
IPCA deve encerrar o ano em 5,8%, acima do objetivo central, de 3,25%, e do
limite superior do intervalo de tolerância, de 4,75%. A informação não é
exatamente uma novidade, haja vista que a inflação, embora tenha desacelerado,
permanece em um patamar elevado, enquanto os núcleos da inflação, que excluem
itens mais voláteis e indicam uma tendência mais precisa sobre o comportamento
dos preços, continuam a aumentar.
Se no curto prazo o BC tem tido
dificuldades para trazer a inflação ao centro da meta, no médio prazo a
situação não é tão diferente. Para os próximos dois anos, a meta é de 3%, mas a
projeção da autoridade monetária para a inflação de 2024 é de 3,6%; e para
2025, de 3,2%. No boletim Focus, as previsões do mercado para o IPCA são ainda
mais pessimistas – de 5,93% em 2023, de 4,13% em 2024 e de 4% em 2025. O
cenário, portanto, não abre espaço para a redução da Selic neste momento, a
despeito de toda a pressão pública que o governo de Lula da Silva tem feito
nesse sentido.
Tal como uma profecia autorrealizável, um
dos aspectos que mais elevam o custo da desinflação é a desancoragem das
expectativas. Para influenciar o mercado a reduzir essas estimativas, há
algumas alternativas às quais as autoridades podem recorrer. Do governo, por
exemplo, espera-se que demonstre seu comprometimento com a responsabilidade
fiscal, não levante dúvidas sobre a credibilidade do sistema de metas de
inflação e não questione a autonomia formal do Banco Central.
Ao BC, resta reafirmar seu firme
compromisso com as metas, algo que a instituição tem feito em todas as
comunicações oficiais. Foi o que a instituição fez na ata da última reunião do
Comitê de Política Monetária (Copom), na qual manteve a taxa básica de juros em
13,75%, e no Relatório de Inflação divulgado nesta semana, em que adotou o
mesmo tom de cautela.
Alvo de ataques contínuos liderados por
Lula da Silva, o presidente do BC, Roberto Campos Neto, aproveitou a entrevista
concedida após a divulgação do RTI para reforçar algumas mensagens caras à
instituição e que não têm sido muito bem compreendidas. Ele reiterou que as decisões
da autoridade monetária não têm um componente político, mas técnico. Esclareceu
que a meta não é um objetivo que o BC persegue cegamente – do contrário, a
Selic teria de estar em 26,5% ao ano. Reconheceu, no entanto, que o controle da
inflação, objetivo fundamental da autoridade monetária, impõe um alto preço à
sociedade como um todo.
“Eu diria aos brasileiros que o custo de combater a inflação é realmente muito alto, e parte deste custo é sentido no curto prazo. Mas o custo de não combater é muito mais alto, e é sentido no longo prazo de uma forma mais severa”, disse Campos Neto. O que o presidente do BC não disse, mas ficou implícito, é que, quando o governo joga contra esses objetivos, o custo para a sociedade é ainda maior.
O Globo
Proposta da Fazenda é pior que teto de
gastos e desperta dúvidas, mas representa passo na direção certa
Depois de meses de incerteza, o presidente
Luiz Inácio Lula da Silva deu enfim aval às novas regras fiscais propostas pelo
ministro da Fazenda, Fernando Haddad. A proposta não chegou oficialmente ao
Congresso, portanto será preciso esperar para analisá-la em detalhes. Desde já,
porém, é possível levantar dúvidas.
A primeira conclusão é positiva. O governo
— e Lula pessoalmente — se compromete a zerar o déficit primário já em 2024 e a
obter superávits ao redor de 0,5% do PIB em 2025 e de 1% em 2026. Para um país
que em 2022, depois de oito anos no vermelho, só fechou as contas no azul em
razão de manobras contábeis e que tem estourado todos os limites a gastos, a
meta é bem-vinda. Também é uma meta agressiva, correspondente a um ajuste
fiscal de 2 a 3 pontos percentuais do PIB. Levando em conta o que Lula tem dito
sobre economia nos últimos tempos, seu compromisso em fechar o governo com as
contas no azul merece aplauso.
E justamente aí começam as dúvidas. O método proposto por Haddad para alcançar a meta não está suficientemente claro, mas dá margem a ceticismo. O governo propõe um crescimento real das despesas (acima da inflação) entre 0,6% e 2,5% ao ano, limitado a 70% da variação da receita primária do ano anterior. Será possível gastar mais se houver mais arrecadação — e os investimentos públicos serão privilegiados —, do contrário será preciso cortar.
Caso os cortes sejam insuficientes para
cumprir a meta (com tolerância de 0,25 ponto percentual), a penalidade será
aumentar a despesa só até 50% da arrecadação no ano seguinte. Pela simulação do
governo, as novas regras estabilizariam a dívida pública em torno de 75% do PIB
ao final de 2026 — patamar alto na comparação com países similares ao Brasil.
Atrelar o gasto à receita cria uma situação
indesejada. Depois de anos bons, com a arrecadação em alta, se gastará mais;
depois de anos ruins, quando as demandas sociais são maiores, se gastará menos
— situação que os economistas chamam de “pró-cíclica”. Mesmo defensores
contumazes do aumento de gastos públicos defendem o contrário: aproveitar a
bonança para reduzir o endividamento, de modo a poder contrair nova dívida
quando necessário. Apesar de o governo dizer que a proposta contém um
componente “anticíclico”, ela sempre aumenta o gasto quando PIB e arrecadação
aumentam, ainda que ele suba menos. E o gasto sempre cresce — no mínimo 0,6% ao
ano. Cortes só são impostos respeitando esse crescimento mínimo, mesmo assim
apenas se a queda na arrecadação comprometer a meta de resultado primário —
justamente nos momentos em que mais gastos sociais poderiam ser necessários.
Haddad afirmou que não está no horizonte do
governo aumentar a carga tributária, mas parece evidente que a regra embute um
incentivo implícito ao aumento da arrecadação como forma de ampliar o espaço
para novos gastos. Pressões políticas não desaparecerão, apenas mudarão de
natureza.
A proposta do governo é pior que o teto de
gastos, que limita o crescimento das despesas à inflação do ano anterior. Claro
que é melhor que o Congresso continuar a votar exceções ao teto para gastar de modo
desenfreado. Se houver consenso político, há chance de o país retomar a
responsabilidade fiscal e o crescimento sustentado. Para isso, o compromisso de
Lula e o empenho do Parlamento são fundamentais.
Governo comete erro ao desistir de
privatizar Aeroporto Santos Dumont
O Globo
Em vez de prosseguir com licitação
prevista, ministro fala em reunir aeroporto de Resende ao Galeão
Não tem cabimento o governo desistir da
concessão do Aeroporto Santos Dumont, no Centro do Rio. “O Santos Dumont é um
aeroporto superavitário. Não acho que seja uma grande ideia privatizar o
aeroporto”, disse o ministro dos Portos e Aeroportos, Márcio França. Ele
afirmou que o terminal permanecerá sob administração da Infraero.
Será um retrocesso. No governo Jair
Bolsonaro, o Santos Dumont fazia parte da sétima e última rodada de leilões de
aeroportos, no mesmo bloco em que estavam o de Jacarepaguá e outros, de Minas
Gerais. Só foi retirado do certame porque a Changi, operadora do Aeroporto
Internacional Tom Jobim/Galeão, anunciou que devolveria a concessão, e o
governo decidiu com sensatez licitar os dois aeroportos do Rio ao mesmo tempo.
Na época, a decisão aplacou as críticas à
forma como a licitação era conduzida, sem ouvir lideranças locais. A ideia da
União era turbinar o Santos Dumont para torná-lo mais atraente aos
interessados. Mas o edital não levava em conta a vocação do terminal doméstico,
as peculiaridades de um aeroporto no centro da cidade e seu caráter
complementar ao Galeão.
A intenção de aumentar o número de voos e
permitir até rotas internacionais no Santos Dumont era um equívoco, com
potencial para agravar o desequilíbrio entre os dois principais aeroportos do
Rio. É de conhecimento público que nos últimos anos o Galeão vem passando por
profundo esvaziamento, enquanto o Santos Dumont tem atraído movimento
exagerado. A desproporção traz prejuízos à economia do estado e da capital
fluminense.
A licitação conjunta dos dois terminais era
vista como uma oportunidade para corrigir tais erros, que não encontram
paralelo em outros terminais do exterior ou do próprio país. Mas o atual
governo despreza a chance. Embora a Changi tenha recuado da desistência e
manifestado intenção de permanecer no Galeão, seria perfeitamente possível —
além de desejável — licitar o Santos Dumont com base em regras que respeitassem
a complementariedade.
Em vez disso, França sugeriu relicitar o
Galeão com o deficitário Aeroporto de Resende (hoje sob administração da
Prefeitura). É uma ideia cercada de incertezas, já que pela lei a
concessionária que desiste do negócio não pode participar da nova licitação.
Haveria questionamento jurídico.
Volta-se à estaca zero. Não se resolve o
problema do Galeão e ainda se perde a chance de implantar melhorias no Santos
Dumont. É absurdo usar a lucratividade do aeroporto como argumento contra a
privatização. Com a concessão, ele receberia investimentos de R$ 1,3 bilhão
para adequá-lo a padrões internacionais, em benefício do turismo e do ambiente
ao redor.
É fundamental, por isso, dar prosseguimento à concessão. Manter o Santos Dumont sob administração da Infraero pode ser bom para o governo petista. Mas é péssimo para os passageiros, que, ao contrário do que ocorre noutras grandes cidades, ficarão impedidos de usufruir um aeroporto mais moderno, confortável e eficiente.
Bolsonaro de volta
Folha de S. Paulo
Ex-presidente tem recepção fria, mas mantém
potencial de líder da oposição
Não foi o
retorno apoteótico que Jair Bolsonaro sem dúvida almejava. No
aeroporto de Brasília, onde o ex-presidente desembarcou, um esquema de
segurança da Polícia Federal desmobilizou a maioria de seus apoiadores; na sede
de seu partido, o PL, a concentração de pessoas não passou de irrisória.
Há bons motivos para a frieza na recepção.
A viagem aos Estados Unidos, realizada antes de o mandato acabar e com o
propósito mesquinho de evitar a passagem da faixa presidencial, soou mal entre
seus eleitores moderados.
Os ataques tresloucados de 8 de janeiro
ampliaram a fadiga com o radicalismo, enquanto os 89 dias que Bolsonaro passou
em solo americano arrefeceram os ânimos de seus correligionários fervorosos.
Se existe algum simbolismo nessa chegada
melancólica, ele diz pouco sobre o futuro de Bolsonaro. Dono de capital
eleitoral imenso, ele ainda se apresenta como o principal nome da direita
nacional.
Daí por que merecem ser tomadas com um grão
de sal as suas declarações sobre a liderança da oposição. O ex-presidente até
pode tergiversar quanto a isso e fingir que esse papel não lhe compete, mas seu
plano de viajar pelo país indica a intenção inequívoca de galvanizar
bolsonaristas Brasil afora.
Será uma situação inédita, porque
ex-moradores do Palácio do Planalto sempre se mantiveram a uma distância
respeitosa e protocolar do dia a dia oposicionista.
Quebrar protocolos é uma das marcas do
bolsonarismo. Mesmo na Presidência da República, Bolsonaro fez questão de
ignorar regras e desrespeitar liturgias, apenas para lapidar sua identidade de
personagem antissistema.
Por baixo desse verniz, contudo, Bolsonaro
não se diferencia de tantos outros políticos: desfruta vantagens de
ex-deputado, receberá R$ 39.293 para assumir a presidência de honra do PL
e acumula
problemas em série na Justiça.
Contam-se, só no Supremo Tribunal Federal,
seis inquéritos que podem resultar em ações criminais. No Tribunal Superior
Eleitoral, há 16 processos em curso, os quais podem tornar Bolsonaro
inelegível. De quebra, mais de uma dezena de investigações sobre o
ex-presidente tramitam na primeira instância judicial —e nesses números nem se
considera o valioso
mistério das joias da Arábia Saudita.
Vêm daí, e não da recepção esvaziada ou das
declarações de Bolsonaro, as incertezas quanto a seu futuro. Incertezas essas
que, aliás, não se estendem ao bolsonarismo, corrente que parece capaz de se
manter forte por muito tempo.
Opondo-se ao petismo, o bolsonarismo pode
dar vigor à política brasileira —desde que abandone a violência, a atitude
antidemocrática e a polarização irracional.
Novo rito
Folha de S. Paulo
Após 73 anos, lei de impeachment recebe
atualização necessária em projeto de lei
Tramita no Senado um projeto de
lei que altera as regras do impeachment. Não há muita dúvida de que
mudanças são necessárias. Afinal, o dispositivo é regulado pela lei 1.079, de
1950, elaborada à luz da 5ª Carta brasileira (1946), e nós já estamos na 7ª
Carta (1988).
De todo modo, o Supremo Tribunal Federal
entendeu que a lei é compatível com a Constituição vigente e, assim, o país já
afastou dois presidentes —Fernando Collor de Mello e Dilma Rousseff (PT).
Mas, nos últimos 70 anos, houve mudanças
consideráveis nas práticas políticas, na técnica legislativa e na percepção
popular. Uma adequação do diploma aos novos tempos é, portanto, bem-vinda.
O projeto não é mau, ainda que enfatize
demais a dimensão jurídica em detrimento do aspecto político. O impeachment é
um instituto híbrido, e a porção política tende a predominar no processo.
A comissão encarregada da atualização pelo
presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), teve êxito em reescrever os
crimes de responsabilidade, tornando a tipificação mais precisa. Aqueles
ridiculamente vagos, como atentar contra a "dignidade, honra e decoro do
cargo", desapareceram.
Há marcas da gestão de Jair Bolsonaro (PL)
na proposta, já que alguns de seus desmandos, como se omitir no
combate à pandemia, foram convertidos em crimes de responsabilidade:
"deixar de adotar as medidas necessárias para proteger a vida e a saúde da
população em situações de calamidade pública".
Em outro sinal dos tempos, a comissão
incluiu os comandantes das Forças Armadas entre as autoridades sujeitas a
impeachment. No papel até faz sentido, mas não tanto na prática, dado que
comandantes, assim como ministros de Estado, são demissíveis a qualquer tempo
pelo presidente da República.
Um dos maiores méritos do projeto é
solucionar o problema da abertura do processo.
Atualmente, pedidos de impeachment podem
ficar eternamente na gaveta do presidente da Câmara, o que equivale a dar-lhe
poder absoluto para decidir se o processo será ou não iniciado —uma distorção
de princípios democráticos.
Se a lei for aprovada, o chefe da Casa terá um prazo de 30 dias para decidir se dá andamento ou se arquiva o processo. Optando-se pelo arquivamento, a manifestação de um terço dos deputados poderá reverter a decisão. Não faz sentido que um órgão colegiado fique refém de um único deputado.
Novo regime fiscal cria piso de gastos e
investimentos
Valor Econômico
Se a meta for cumprida, o Brasil voltará ao
azul nas contas públicas em um par de anos
O novo regime fiscal subordina a evolução
dos gastos públicos ao comportamento das receitas líquidas, algo bem mais
incerto e volátil do que fixar limites claros para as despesas. O governo se
comprometeu a reduzir o déficit primário a 0,75% do PIB este ano - ante 2,3% do
PIB previsto e 1% prometido -, zerá-lo em 2024 e transformá-lo em superávit de
0,5% do PIB em 2025 e de 1% no ano seguinte. As ações subiram, e o dólar e os
juros caíram, por várias razões: há agora regras para o comportamento fiscal do
governo e, apesar de a dívida bruta continuar crescendo, sua trajetória não
será explosiva, como se previa. Se a meta for cumprida, o Brasil voltará ao
azul nas contas públicas em um par de anos.
O viés do governo por mais gastos
encontrará algum limite na regra de que as despesas totais não poderão exceder,
em geral, 70% das receitas líquidas. Nos dois mandatos anteriores de Lula, de
2003 a 2010, com os números da apresentação das novas regras fiscais pelo
ministro Fernando Haddad ontem, sob outro regime, nota-se que a evolução das
despesas foram maiores que as receitas líquidas. Enquanto a arrecadação líquida
passou de 17,4% para 20,2% do PIB, os gastos avançaram de 15,1% para 18,2% do
PIB.
A meta fiscal terá bandas de 0,25% para
cima ou para baixo. Se o esforço do governo ficar abaixo da banda, o
crescimento das despesas não poderá exceder em 50% a variação das receitas no
exercício seguinte. A variação dos gastos será fixada para o orçamento do ano
subsequente com base no comportamento de receita líquida e despesa total nos
doze meses encerrados em junho do exercício anterior.
De várias formas, porém, o governo se
desobriga de cortar gastos - o novo regime lhe concede a faculdade de apenas
reduzir sua velocidade de expansão. Quando a arrecadação crescer, as despesas
irão junto e, se ultrapassarem o teto de variação, o excesso poderá ser
utilizado em investimentos. Mas o inverso não é verdadeiro. Se as receitas
tiverem variação negativa, entrará em cena o mecanismo anticíclico, ou seja, os
gastos crescerão assim mesmo. Foi criado um piso para o crescimento real
(descontada a inflação) de gastos de 0,6% e um teto de expansão real de 2,5%.
Com aumento ou não de arrecadação, o fato é
que as despesas estão garantidas. O novo regime, além disso, cria um piso para
os investimentos, que a partir deste ano, de valor estimado entre R$ 70 bilhões
e R$ 75 bilhões, será corrigido pela inflação. Esse poderá ser mais um nó
difícil de desatar no orçamento. No teto de gastos, com despesas corrigidas
pela inflação, 94% das despesas eram obrigatórias e, das que não eram, restavam
custeio e investimentos - esmagados a níveis mínimos. Ao se criar um piso de
investimentos, eles passam a ter o status informal de despesa obrigatória, e
expulsará outras do orçamento - a menos que a arrecadação cresça o bastante
para acolher com folga todas elas.
O novo regime fiscal parece estar
engessando mais o orçamento, que pode torná-lo inexequível diante das
prioridades do governo. Saúde e educação, sem o teto de gastos, voltam a seus
mínimos constitucionais - a recomposição é estimada em R$ 40 bilhões, ao menos.
A principal despesa da União, a previdenciária, é impossível de compressão e
tem expansão de 2% ao ano. A segunda maior despesa, a folha de salários, será
reajustada em 9%. O Bolsa Família teve seus gastos elevados de 0,5% do PIB para
1,6% do PIB.
Ou a arrecadação líquida sobe ou o governo
possivelmente terá que reduzir a variação dos gastos a 50% da variação das
receitas já no primeiro ano de vigência do novo regime. Os R$ 230 bilhões de
déficit do orçamento terão de ser reduzidos para algo em torno de R$ 75
bilhões. Não foi por acaso que o Haddad anunciou que na próxima semana terá um
pacote de medidas para elevar a arrecadação entre R$ 100 bilhões e R$ 150
bilhões. No pacote anterior, em que transformava o déficit em superávit, grande
parte da tarefa também recaía sobre o aumento de receitas.
Não seria uma missão tão difícil caso a
economia estivesse crescendo bem, o que não é o caso. Em 2022, as receitas
líquidas subiram 9% em termos reais, para 19% do PIB. Seu recorde foi 20,65% do
PIB, em 2021. Há a resistência do Congresso em aumentar impostos ou cortar
parte dos 3,5% do PIB em renúncias fiscais.
Apesar dos defeitos, uma execução virtuosa
das regras fiscais que conduza as contas públicas ao superávit é possível e
necessário. Com isso, ao longo do tempo os juros poderão cair e a economia
ganhar um fôlego maior do que o tímido que demonstra.
Um comentário:
Olha o globo aí gente... Os marinhos tem a cara de pau de escreverem em seu editorial que a proposta do Haddad é pior que o contigenciamento de gastos que levou entre outras coisas, como no ano passado, a não se ter papel para emitir passaporte. Que fase amiguinhos. Esses abiltres adoradores do guedismo tinham que desaparecer da face da terra, é muita desfaçatez.
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