sexta-feira, 31 de março de 2023

Maria Cristina Fernandes - Embate entre Lira e Pacheco desafia sucesso da proposta

Valor Econômico

A reação positiva do presidente do Banco Central, Roberto Campos Neto - “Quero reconhecer o esforço da Fazenda em um projeto que é duro em um governo que tem bastante divisões” -, sinaliza que o arcabouço fiscal se aproxima de um de seus objetivos, que é o de mostrar uma trajetória crível para a sustentabilidade do gasto público e, assim, obter trégua do Comitê de Política Monetária.

O presidente do conselho de administração do Bradesco foi na mesma linha. A nota de Luiz Carlos Trabuco empilha elogios: criativa, flexível e simples. A nota da Febraban, assinada pelo presidente da federação dos bancos, Isaac Sidney, reprisa o tom: “É um avanço na busca da trajetória sustentável da dívida pública”.

Economistas dos bancos reagiram com mais ceticismo. A maioria chama atenção para a dependência excessiva do desempenho da receita e reclama do mecanismo anticíclico que, ao prever um aumento de gasto de pelo menos 0,6%, mesmo sem crescimento da arrecadação, aumentará a dívida.

O comportamento do mercado, porém, esteve mais para Campos Neto, Trabuco e Febraban que para o ceticismo dos economistas, na linha do “pelo menos agora temos uma regra”: dólar e juro caíram. Bolsa subiu. Haddad, pasme, caiu nas graças do mercado.

Na linha inversa do ceticismo dos economistas, um dirigente das finanças pondera que não havia como esperar que um governo do PT radicalizasse na contenção das despesas depois de quatro anos em que o bolsonarismo manteve o gasto social deprimido.

O relato é de quem tirou o chapéu: Haddad virou o jogo e assumiu a narrativa econômica do governo depois de assumir o cargo derrotado na prorrogação da desoneração; ele construiu um modelo que atrela o gasto ao incremento de receita com uma meta de superávit. Ainda lembrou os estudos marxistas do ministro antes de concluir que o arcabouço está de muito bom tamanho.

Era com um entusiasmo mais ou menos neste tom que o presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), vinha se conduzindo em relação à negociação do arcabouço. Reagiu ao seu anúncio, porém, sem qualquer gordura efusiva. Foi direto ao ponto ao dizer que, para o arcabouço depende do que o governo vai mandar para elevar receita sem aumentar imposto, cortando incentivo e isenções e aumentando a base de tributação.

O anúncio do arcabouço coincide com duas más notícias para Lira: a rejeição, pelo Senado, da proposta que aumenta o número de deputados nas comissões mistas por onde tramitam as medidas provisórias e a formação de um bloco na Câmara reunindo PSD, MDB e Republicanos. O bloco, com 142 deputados, é o maior da Câmara e tem viés governista.

O presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), beneficiário dos dois revezes de Lira, foi quem reagiu com incontido entusiasmo “Percebi de todos os líderes, inclusive de oposição, um compromisso com uma pauta que é fundamental para o Brasil, que é a disciplina e o equilíbrio fiscal”, disse. “É uma agenda civilizatória.”

Lira promete tramitação rápida para o arcabouço, mas é precipitado apostar como as regras sairão da Câmara. A flexibilidade do modelo, corretamente saudada por Haddad como sendo o atributo que faltava ao teto de gastos, é também a porta de entrada para intervenções legislativas.

Se o Congresso quiser recuperar o clímax do poder que usufruiu na vigência do teto de gastos, se servirá desta flexibilidade para aumentar o arrocho sobre os gastos do Executivo. Foi assim que os parlamentares se assenhoraram do Orçamento. Mudaram a Constituição sete vezes para abrigar puxadinhos mas o fizeram mediante acertos sobre a divisão do butim. A desabrida adesão de Pacheco ao arcabouço, porém, demonstra que, se a Câmara armar esse jogo, o Senado pode desfazê-lo.

O entusiasmo do setor financeiro, lembravam especialistas em Orçamento no Congresso, não pode ser dissociado da negociação da reforma tributária, em que se desenrola uma guerra surda contra o aumento de tributação. Ouviu-se de tudo na recepção ao arcabouço menos da ameaça que chegou da Flórida. O ex-presidente Jair Bolsonaro, de volta ao Brasil, foi um não assunto. O destinatário das joias sauditas não foi lembrado nem mesmo quando Haddad disse que elevaria a base de tributação investindo contra as fraudes fiscais.

Nenhum comentário: