segunda-feira, 19 de junho de 2023

Joseph E. Stiglitz* - Nossa dívida com as futuras gerações

Valor Econômico

Dívida ambiental é um ônus que não pode ser eliminado com a canetada de um juiz de falências 

Os conservadores dão muitas vezes uma grande demonstração de preocupação com o ônus de endividamento que estamos repassando para os nossos filhos. Esse argumento moral se fez sentir, de maneira destacada, na recusa dos republicanos do Congresso dos EUA em apoiar um aumento de rotina do teto da dívida dos EUA. O Partido Republicano está, supostamente, tão comprometido com a redução dos gastos a ponto de se revelar disposto a manter a economia global como refém e correr o risco de prejudicar permanentemente a reputação dos EUA.

Ninguém argumenta que não deveríamos pensar nas gerações futuras. A verdadeira questão é quais são as atuais políticas e compromissos fiscais que melhor atenderão aos interesses dos nossos filhos e netos. Encarando-se o problema desse ponto de vista, fica claro que são os republicanos que estão exibindo uma desconsideração negligente com relação às consequências dos seus atos.

Qualquer pessoa com credenciais econômicas sabe que sempre se tem de olhar para os dois lados do balanço. O que realmente importa é a diferença entre ativo e passivo. Se a dívida aumentar, mas os ativos crescerem ainda mais, o país estará em melhor situação - e assim, também, estarão as gerações futuras. Isso se confirmará se se investir em infraestrutura, educação, pesquisa ou tecnologia. Mas o que é ainda mais importante é o capital natural: o valor do nosso meio ambiente, da nossa água, do nosso ar e do nosso solo. Se nosso ar e nossa água estiverem poluídos e o nosso solo estiver contaminado, estaremos repassando um ônus maior para os nossos filhos.

A dívida financeira é apenas coisa que devemos uns aos outros. É uma questão de pedaços de papel que podem ser rearranjados para acomodar direitos a bens e serviços. Se dermos um calote sobre a nossa dívida, nossa reputação ficará manchada, mas nosso capital físico, humano e natural continuará intato. Os detentores de bônus ficarão mais pobres do que esperavam, e alguns contribuintes poderão acabar mais ricos do que ficariam se a dívida fosse quitada, mas nossa “riqueza” total não terá mudado.

“Dívida ambiental” é diferente. É um ônus que não pode ser eliminado através da canetada de um juiz de falências. Os danos desfechados hoje podem levar décadas para serem consertados e exigem o gasto de um dinheiro que poderia ter sido usado para enriquecer o país. No mesmo sentido, o gasto inteligente, destinado a proteger e a reabilitar o meio ambiente - como investir na redução de emissões de gases-estufa - deixará as gerações futuras em melhor situação, mesmo se financiados por títulos de dívida.

Suponhamos que pudéssemos estimar os benefícios diretos desses investimentos - por exemplo, os ganhos de produção (ou a redução dos custos de reparação dos danos causados por incêndios espontâneos, furacões e outros eventos climáticos extremos), e o valor da melhoria da saúde e da longevidade decorrentes da redução da poluição do ar - em termos monetários. Qual é a taxa de retorno que deveríamos exigir? O governo dos EUA tenta atualmente responder a essa pergunta, e independentemente da resposta que vier a sugerir, ela terá consequências de longo alcance. Se exigirmos uma elevada taxa de retorno (como fez o governo Trump quando fixou esse parâmetro em nada menos que 7% ao ano), haverá pouco investimento em mitigação da mudança climática, e as gerações futuras vão estorricar em um mundo em que as temperaturas aumentaram em 3° Celsius ou mais.

Ante as consequências inevitáveis da inação, os investimentos em mitigação climática deveriam ser vistos como um tipo de seguro. Os benefícios serão os mais elevados quando os efeitos da mudança climática forem os mais adversos, e quando o valor do dinheiro for especialmente alto. Os retornos devidos sobre os “investimentos em seguros” deverão ser mais baixos do que a taxa de juros real (corrigida pela inflação) segura. Essa taxa tem, na verdade, sido negativa nos últimos anos; mas, mesmo se adotarmos uma perspectiva de muito mais longo prazo, tem sido de cerca de 1%, mais ou menos 0,5%. A “taxa de desconto” adequada, portanto, deverá ser marcadamente inferior a 7%, inferior até à taxa de 2,5%-5% usada pelo governo Obama, e possivelmente até mesmo negativa.

A fim de examinar a questão a partir de outro ângulo, podemos perguntar qual é a taxa de desconto necessária para alcançar a meta, internacionalmente pactuada, de limitar o aquecimento global a 1,5-2°C. Permitir que as temperaturas subam permanentemente para além desse limite representa riscos inaceitáveis. Os incêndios, furacões, alagamentos, secas, geadas e outras catástrofes que temos suportado são apenas um prenúncio do que esse futuro trará. Cálculos que consideram descontos elevados - mesmo os descontos usados pelo governo Obama - não nos possibilitarão cumprir a meta de 1,5°C.

Também poderíamos encarar a questão do ponto de vista das “gerações futuras”. Que damos aos nossos filhos? Quais são seus direitos? Se lhes dermos o mesmo valor que damos a nós mesmos (e não há qualquer motivo ético para não fazer isso), temos de considerar em que medida os danos causados ao meio ambiente hoje afetarão o bem-estar deles. Uma vez que vivemos, obviamente, para além dos limites planetários, temos a obrigação moral urgente de reduzir todas as formas de poluição.

No mundo inteiro, crianças e adultos jovens estão exigindo que os líderes atuais sancionem as políticas públicas necessárias para preservar o futuro deles. Afirmam que esse é um direito básico, e, em algumas jurisdições - entre as quais os Estados Unidos, onde um juiz federal de Oregon autorizou a tramitação de uma ação climática constitucional movida por 21 jovens americanos e onde uma ação semelhante contra o Estado de Montana já está em tramitação- as crianças estão recorrendo à Justiça para lutar por seus interesses. Será que seus pais e avós não deveriam estar fazendo o mesmo? (Tradução de Rachel Warszawski)

*Joseph E. Stiglitz, ganhador do prêmio Nobel de Economia de 2001, é professor da Universidade de Columbia e membro da Comissão Independente pela Reforma da Taxação Corporativa Internacional.

 

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