Folha de S. Paulo
A Nova República nasceu sob o signo do
combate à impunidade
Janio de Freitas argumentou, nesta Folha, em 2016, que a impunidade com relação a malfeitos era responsável pela perpetuação da corrupção no país. Como uma maldição, a falta de punição à corrupção fazia com que ela reaparecesse inclusive com os mesmos personagens. Em 1987, Janio denunciara o conluio de empreiteiras na licitação Norte-Sul, fazendo publicar na Folha em linguagem cifrada o resultado do certame. Fizera o mesmo em relação a obras do metrô, entre outras no Rio de Janeiro: denúncias que entraram para a história como casos exemplares de jornalismo investigativo.
O comentário de Janio mirava a nomeação do
ex-governador Moreira Franco para a Secretaria Especial para a Privatização,
pelo presidente Michel Temer, em meio a denúncias de que negociara com a
principal empreiteira da Norte-Sul a concessão de um aeroporto, quando ocupava
o Ministério da Aviação de Dilma Rousseff. Janio também criticou o procurador
do affair carioca e o então PGR, Sepúlveda Pertence, pela inação nos casos em
que atuaram. O primeiro "enfurnou-o"; o segundo: "Despachou-o em silêncio para o arquivo morto. Foi nomeado
ministro do Supremo Tribunal Federal".
A Nova República nasceu sob o signo do
combate à impunidade. Clamava por mudança. Ulysses Guimarães denunciou-os: "Na ditadura pululam e
ficam impunes os enxundiosos Faruks da corrupção" que estariam em toda
parte: Capemi, Coroa-Brastel, Água Espraiada. O foco na corrupção e abuso de
poder levou Brizola a batizar o PT de "udenistas de macacão". A
Constituinte fortaleceu as instituições de controle. A esperança era que seus
titulares fossem proativos, e não "engavetadores" de processos. E que
magistrados também punissem quem não fosse "preto, pobre e puta"!
Junho de 2013 foi um alerta de que as
promessas da transição democrática não haviam sido cumpridas.
A punição exemplar de malfeitos no mensalão teve também efeitos tocquevilianos:
em vez de aplacar, instigou a revolta. As manifestações refletiram uma
combinação de malaise profunda com o sistema político por parte de cidadãos
comuns e por parte da oposição, à esquerda e à direita. A afirmação de Millôr
de que "acabar com a corrupção é o objetivo supremo de quem ainda não
chegou ao poder" encontra forte respaldo na literatura empírica.
A bandeira da luta contra a corrupção é
empunhada contra quem tem a caneta para contratar, nomear e pagar.
Mas a maldição de Janio volta agora como
uma assombração. Inclusive com os mesmos personagens. Mas é qualitativamente
diferente: não se trata apenas de voltar ao status quo de impunidade pela
anulação de condenações. Aqueles que ousaram mudar o estado de coisas estão
sendo punidos.
*Professor da Universidade Federal de Pernambuco e ex-professor visitante do MIT e da Universidade Yale (EUA).
Um comentário:
Perfeito
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