terça-feira, 24 de outubro de 2023

Eliane Cantanhêde - Entre os males, o menor

O Estado de S. Paulo

Entre o certo e o incerto, o ruim e o pior, o Brasil ficou com o certo e o ruim na Argentina

Todas as vezes que a política falha aparece um outsider como salvador da pátria, cavalgando ideias extravagantes, falso moralismo, patriotismo tosco e populismo barato, tudo assim, recheado de adjetivos. É o caso de Javier Milei, o “fenômeno” – ou seria “mito”? – na Argentina. A surpresa no Brasil foi a dianteira de Sergio Massa no primeiro turno, mas a eleição ainda vai dar o que falar – e o que escrever.

O mais estratégico parceiro brasileiro está entre o certo e o incerto, o ruim e o pior, um “anarcocapitalista” defensor não de um Estado mínimo, mas de zero Estado, e um ministro da Fazenda especialista em bater recordes, com cerca de 140% de inflação ao ano e mil pesos por um dólar. É fantástico. As pessoas devem andar nas ruas não com carteiras, mas com sacolas. O resto está em dólar mesmo, debaixo do colchão.

Lá, como cá e alhures, há crise do sistema representativo e vácuo de lideranças, como o que elegeu Hugo Chávez na Venezuela. E, assim, segundo turno na Argentina será uma guerra de rejeições, como no Brasil em 2018, 2022 e, vamos combinar?, nos EUA de Donald Trump e Joe Biden (apesar das peculiaridades do método eleitoral).

Milei é de um partido tipo o PRN de Fernando Collor, só fala absurdos e ilustrou seu último comício com palavrão, fuzil e imagens da bomba atômica. Massa, que trafegou entre o peronismo e o antiperonismo, entre o presidente Alberto Fernández, que nem sequer conseguiu disputar a reeleição, e a vice e ex-presidente Cristina Kirchner, enrolada com a Justiça, tem o que para mostrar? Com essa economia?

O governo Lula trabalhou intensamente por Massa, considerado, entre os males, o menor. Fernando Haddad, da Economia, assumiu o “voto”, marqueteiros do PT puseram-se à disposição e Massa não se fez de rogado. Congelou até as tarifas de transporte público. Agora, é saber que milagre ele pretende fazer para evitar o colapso do país.

O ridículo brasileiro ficou por conta de Eduardo Bolsonaro, “desligado” da TV em Buenos Aires ao fazer propaganda de armas. Um apresentador resumiu: “É por isso que os brasileiros removeram o pai dele do poder, felizmente”. E pensar que ele foi o deputado federal mais votado do Brasil em 2018 e cogitado por papai presidente para ser… embaixador em Washington!

O governo e setores empresariais brasileiros vão dobrar a aposta em Massa. Além de não ameaçar Lula, o Mercosul nem o combalido acordo do bloco com a União Europeia, ele tem mais uma vantagem: se vencer, será devedor de Lula. A eleição passa e a crise Argentina fica. Mas, com Milei, pode, ou poderia, ficar pior ainda.

 

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