terça-feira, 24 de outubro de 2023

Pedro Cafardo - Multidão de informais encheria 600 Maracanãs

Valor Econômico

Informais de aplicativos são minoria; a maior parte são pessoas espalhados pelo país, aos milhões, nas mais diversas ocupações, desde pequenos prestadores de serviços, que se viram recebendo Pix aqui e ali, até profissionais com formação superior

A geração de emprego e renda é o grande objetivo de qualquer política econômica séria, seja qual for o país. Olhando por esse aspecto, o Brasil não vai mal neste início de governo. A quantidade de trabalhadores com carteira assinada aumenta desde o início do ano, mantendo tendência de 2022. Em agosto, havia 37,2 milhões de pessoas com vínculo na CLT, 422 mil a mais do que três meses antes.

Esse número (37,2 milhões) é o maior desde fevereiro de 2015, indicando que o país se recupera da grande crise econômica iniciada oito anos atrás e ampliada durante a pandemia.

Aqui vale abrir um parêntese. Tirando a questão do déficit zero previsto pelo governo para 2024 e contestado pelos economistas de mercado, o país está em boa situação econômico-financeira. Mesmo em um ambiente global com duas guerras e com o cenário mais fraco no terceiro trimestre, a previsão de crescimento econômico deste ano foi elevada para 3,1%, índice modesto, mas em linha com a expansão média mundial projetada pela OCDE. Com juros básicos em queda, embora ainda em 7% reais, a inflação segue controlada e deve fechar o ano abaixo de 5%. O superávit da balança comercial atingirá US$ 90 bilhões, um dos maiores do mundo. O déficit previsto para as transações correntes caiu para US$ 35 bilhões e será facilmente compensado pelo investimento estrangeiro direto da ordem de US$ 65 bilhões. Com isso, as reservas cambiais do país podem ficar acima dos US$ 350 bilhões.

Fechando o parêntese, voltemos à questão do emprego. Os números citados nos parágrafos iniciais são oficiais, do IBGE. Apesar da tendência positiva, há um ponto extremamente preocupante na pesquisa, o que indica o número de informais, de 38,8 milhões em agosto, incluindo trabalhadores por conta própria e sem carteira assinada. Essa multidão encheria 600 Maracanãs.

Há grande apreensão com o crescimento desses trabalhadores, parte deles vista nas ruas diariamente, “voando” em motos, pedalando bicicletas com pesados baús ou dirigindo carros. Mas esses informais “de aplicativos” são minoria. A maior parte deles é composta por pessoas espalhados pelo país, aos milhões, nas mais diversas ocupações, desde pequenos prestadores de serviços, que se viram recebendo Pix aqui e ali, até profissionais com formação superior.

Grande parte desse contingente é de pessoas excluídas do sistema de proteção aos trabalhadores, sem carteira assinada, sem remuneração mínima, sem limite de jornada de trabalho, sem representação sindical, sem plano de saúde, sem Fundo de Garantia, sem previsão de aposentadoria e outros benefícios legais. Não existe, entre eles, consciência sobre o problema que enfrentarão mais à frente. Nem há aglutinação profissional, até porque as características do trabalho informal são exatamente competição e dispersão.

Hoje majoritariamente jovens, os informais conseguem uma remuneração um pouco maior que a dos celetistas, com menos impostos e jornadas diárias longas, de até 12 horas ou mais.

É impossível prever qual será o futuro do trabalho, décadas à frente. Seja como for, se os informais não atentarem agora para sua situação, estarão de mãos vazias e provavelmente terão como única remuneração o Benefício de Prestação Continuada (BPC), um irrisório salário mínimo a idosos que não contribuíram com a Previdência.

Os dados do Pnad indicam que já há 4,1 milhões de trabalhadores informais (sem carteira assinada) com mais de 60 anos, número 37% maior que os 3 milhões existentes no início da pandemia, no segundo trimestre de 2020.

A discussão pública desse imbróglio põe foco nos problemas que a Previdência terá no futuro para remunerar essa legião de excluídos. Ou seja, a preocupação dominante é mais com as dificuldades fiscais dos governos futuros do que com a situação dos seres humanos expostos a um provável infortúnio na velhice. É um conceito “pragmático” descrito pelo sociólogo José de Souza Martins com a seguinte frase: “Velho é quem se aposenta e prejudica o sistema previdenciário”.

Hoje com bons indicadores econômico-financeiros, o país pode fazer um esforço de formalização desses milhões de trabalhadores - além de beneficiá-los, haveria impacto positivo na receita da Previdência. Isso, obviamente, exigirá um óbvio programa de reindustrialização, para criar empregos. Como mostrou Sergio Lamucci, no Valor de sexta-feira, o país está perigosa e crescentemente dependente de produtos primários: 64,5% das exportações são de commodities.

O registro em carteira não é demanda majoritária entre os trabalhadores de aplicativos, por exemplo. Eles não demonstram interesse em brigar pela formalização, não apenas no Brasil.

A alternativa à formalização, em todas as profissões, é fazer o chamado pé de meia para o futuro. Poupar uma parte da renda, porém, está longe dos planos da maioria dos informais brasileiros, pelo simples fato de que têm orçamento apertado e mal conseguem dar conta dos gastos do dia a dia. Mas, de qualquer forma, é necessário estimulá-los a pensar que o futuro um dia vai chegar, quando o ideal será estar fora das multidões dos Maracanãs

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