Valor Econômico
Informais de aplicativos são minoria; a maior
parte são pessoas espalhados pelo país, aos milhões, nas mais diversas
ocupações, desde pequenos prestadores de serviços, que se viram recebendo Pix
aqui e ali, até profissionais com formação superior
A geração de emprego e renda é o grande
objetivo de qualquer política econômica séria, seja qual for o país. Olhando
por esse aspecto, o Brasil não vai mal neste início de governo. A quantidade de
trabalhadores com carteira assinada aumenta desde o início do ano, mantendo
tendência de 2022. Em agosto, havia 37,2 milhões de pessoas com vínculo na CLT,
422 mil a mais do que três meses antes.
Esse número (37,2 milhões) é o maior desde
fevereiro de 2015, indicando que o país se recupera da grande crise econômica
iniciada oito anos atrás e ampliada durante a pandemia.
Aqui vale abrir um parêntese. Tirando a questão do déficit zero previsto pelo governo para 2024 e contestado pelos economistas de mercado, o país está em boa situação econômico-financeira. Mesmo em um ambiente global com duas guerras e com o cenário mais fraco no terceiro trimestre, a previsão de crescimento econômico deste ano foi elevada para 3,1%, índice modesto, mas em linha com a expansão média mundial projetada pela OCDE. Com juros básicos em queda, embora ainda em 7% reais, a inflação segue controlada e deve fechar o ano abaixo de 5%. O superávit da balança comercial atingirá US$ 90 bilhões, um dos maiores do mundo. O déficit previsto para as transações correntes caiu para US$ 35 bilhões e será facilmente compensado pelo investimento estrangeiro direto da ordem de US$ 65 bilhões. Com isso, as reservas cambiais do país podem ficar acima dos US$ 350 bilhões.
Fechando o parêntese, voltemos à questão do
emprego. Os números citados nos parágrafos iniciais são oficiais, do IBGE.
Apesar da tendência positiva, há um ponto extremamente preocupante na pesquisa,
o que indica o número de informais, de 38,8 milhões em agosto, incluindo
trabalhadores por conta própria e sem carteira assinada. Essa multidão encheria
600 Maracanãs.
Há grande apreensão com o crescimento desses
trabalhadores, parte deles vista nas ruas diariamente, “voando” em motos,
pedalando bicicletas com pesados baús ou dirigindo carros. Mas esses informais
“de aplicativos” são minoria. A maior parte deles é composta por pessoas
espalhados pelo país, aos milhões, nas mais diversas ocupações, desde pequenos
prestadores de serviços, que se viram recebendo Pix aqui e ali, até
profissionais com formação superior.
Grande parte desse contingente é de pessoas
excluídas do sistema de proteção aos trabalhadores, sem carteira assinada, sem
remuneração mínima, sem limite de jornada de trabalho, sem representação
sindical, sem plano de saúde, sem Fundo de Garantia, sem previsão de
aposentadoria e outros benefícios legais. Não existe, entre eles, consciência
sobre o problema que enfrentarão mais à frente. Nem há aglutinação
profissional, até porque as características do trabalho informal são exatamente
competição e dispersão.
Hoje majoritariamente jovens, os informais
conseguem uma remuneração um pouco maior que a dos celetistas, com menos
impostos e jornadas diárias longas, de até 12 horas ou mais.
É impossível prever qual será o futuro do
trabalho, décadas à frente. Seja como for, se os informais não atentarem agora
para sua situação, estarão de mãos vazias e provavelmente terão como única
remuneração o Benefício de Prestação Continuada (BPC), um irrisório salário
mínimo a idosos que não contribuíram com a Previdência.
Os dados do Pnad indicam que já há 4,1
milhões de trabalhadores informais (sem carteira assinada) com mais de 60 anos,
número 37% maior que os 3 milhões existentes no início da pandemia, no segundo
trimestre de 2020.
A discussão pública desse imbróglio põe foco
nos problemas que a Previdência terá no futuro para remunerar essa legião de
excluídos. Ou seja, a preocupação dominante é mais com as dificuldades fiscais
dos governos futuros do que com a situação dos seres humanos expostos a um
provável infortúnio na velhice. É um conceito “pragmático” descrito pelo sociólogo
José de Souza Martins com a seguinte frase: “Velho é quem se aposenta e
prejudica o sistema previdenciário”.
Hoje com bons indicadores
econômico-financeiros, o país pode fazer um esforço de formalização desses
milhões de trabalhadores - além de beneficiá-los, haveria impacto positivo na
receita da Previdência. Isso, obviamente, exigirá um óbvio programa de
reindustrialização, para criar empregos. Como mostrou Sergio Lamucci, no Valor de
sexta-feira, o país está perigosa e crescentemente dependente de produtos
primários: 64,5% das exportações são de commodities.
O registro em carteira não é demanda
majoritária entre os trabalhadores de aplicativos, por exemplo. Eles não
demonstram interesse em brigar pela formalização, não apenas no Brasil.
A alternativa à formalização, em todas as profissões, é fazer o chamado pé de meia para o futuro. Poupar uma parte da renda, porém, está longe dos planos da maioria dos informais brasileiros, pelo simples fato de que têm orçamento apertado e mal conseguem dar conta dos gastos do dia a dia. Mas, de qualquer forma, é necessário estimulá-los a pensar que o futuro um dia vai chegar, quando o ideal será estar fora das multidões dos Maracanãs
Nenhum comentário:
Postar um comentário