terça-feira, 1 de dezembro de 2020

Andrea Jubé - Vai, Rodrigo!, ser “gauche” na vida

- Valor Econômico

PT da Câmara vai se posicionar contra a reeleição na Mesa

A esquerda saiu derrotada das urnas - com ressalva ao desempenho de Guilherme Boulos (PSOL) em São Paulo -, numa disputa em que MDB, PP, PSD, PSDB e DEM elegeram mais de 3 mil prefeitos.

Apesar do revés eleitoral, as bancadas de esquerda retornam ao Congresso nesta semana com os passes valorizados para outra eleição: a sucessão nas Mesas Diretoras da Câmara e do Senado, daqui a 63 dias.

Entusiasta de uma ampla frente “de centro” em 2022 - na qual incluiu Ciro Gomes e o PDT - o presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), terá de fazer a curva à esquerda para conquistar os votos necessários para sua eventual reeleição, ou para fazer um sucessor de seu grupo.

Na Câmara, os 138 deputados dos partidos de esquerda cumprirão o papel de fiel da balança no desfecho da acirrada disputa entre Rodrigo Maia e Arthur Lira (PP-AL). Sabe-se que foram os votos da esquerda que viabilizaram a expressiva vitória de Maia no primeiro turno em 2018, com 334 votos.

Ontem durante uma reunião virtual, a bancada do PT - a maior da esquerda, com 57 deputados - estabeleceu pré-requisitos ao candidato que reivindicar os votos petistas. Dois deles inviabilizam, de saída, o endosso do PT ao próprio Maia, e ao relator da reforma tributária, Aguinaldo Ribeiro (PP-PB).

Luiz Gonzaga Belluzzo* - Fintechs, Banco Centrais e FMI

- Valor Econômico

Na hora do aperto, o abastecimento de liquidez, a seiva dos mercados financeiros, só encontra provimento nos bancos centrais

Gavekal Dragonomics informa: os reguladores chineses estão às voltas com as criaturas da finança digital, as chamadas fintechs. Desde meados dos anos 2000, as fintechs e demais empresas de tecnologia passaram a ocupar um espaço considerável nas transações financeiras do mercado chinês.

O Banco Popular da China e a Comissão Reguladora de Bancos e Seguros da China (CBIRC) buscam uma abordagem regulatória mais abrangente, em vez de simplesmente alinhavar uma regulação específica. A proposta de medidas sobre as microfinanças online publicadas em 3 de novembro está em elaboração desde setembro de 2019. Ela estabelece regras rígidas sobre alavancagem, exigindo que as empresas de microfinanças mantenham sua taxa de alavancagem abaixo de 600%, e retenham pelo menos 30% dos empréstimos por elas originados em seus livros.

Essas normas regulatórias são bastante semelhantes às dos bancos. Em julho deste ano, o CBIRC também emitiu novas regulamentações para o negócio de crédito online dos bancos, enfatizando que os bancos não podem terceirizar suas responsabilidades na gestão de riscos. O efeito combinado é acabar com a expansão não regulamentada das empresas de microfinanças on-line, e garantir que elas mantenham reservas de capital suficientes para arcar com o risco de suas decisões de empréstimo.

Para os reguladores, é simplesmente inaceitável que grandes empresas financeiras - essa é a natureza verdadeira das empresas de tecnologia - operem fora dos marcos da regulação financeira. No final de outubro, diz a Gavekal, a Comissão de Estabilidade Financeira e Desenvolvimento, órgão coordenador de alto nível, reafirmou que “é necessário incentivar a inovação e promover o empreendedorismo, mas também é necessário fortalecer a regulação e trazer atividades financeiras totalmente sob a supervisão da lei para efetivamente prevenir riscos".

Francisco Góes - É o ‘emprego, emprego, emprego’, diz Covas

- Valor Econômico

Incerteza é sobre a capacidade dos municípios de sustentar suas receitas

No discurso da vitória, no domingo à noite, o prefeito reeleito de São Paulo, Bruno Covas, deu ênfase à prioridade que dará, no segundo mandato, ao combate ao desemprego: “Nós temos que fazer da nossa gestão mantra na busca de emprego, emprego, emprego e busca de oportunidades”, afirmou. O foco, avisou, tem que estar sobretudo nos jovens da periferia, que são os que mais sofrem com a crise. Ontem, no dia seguinte à eleição, o tucano reconheceu as limitações que todo prefeito tem no manejo de políticas macroeconômicas, mas prometeu mais ações de inclusão e investimentos na economia criativa para estimular startups, cultura, esporte lazer e turismo.

A taxa de desemprego precisa mesmo ser uma das preocupações dos prefeitos que assumem os cargos a partir de 1º de janeiro, afinal as pessoas moram nas cidades, e costumam atribuir aos gestores municipais parte dos problemas que vivem no dia a dia. No terceiro trimestre, a taxa de desemprego medida pelo IBGE ficou em 14,6%, a mais alta da série histórica desde 2012. Até setembro, o país tinha 14,1 milhões de desempregados. Só no Estado de São Paulo, o mais populoso do Brasil, a taxa de desemprego ficou em 15,1% no terceiro trimestre.

Míriam Leitão - Recomeço ou nova direção

- O Globo

Os prefeitos eleitos terão que começar a trabalhar imediatamente, mesmo antes da posse. Há desafios enormes. A boa notícia é que a situação das contas públicas das cidades está melhor do que se imagina. Houve muita transferências do governo federal neste ano, as cidades são menos endividadas do que os estados e há prefeitura com dinheiro em caixa. O erro será usar isso para aumentar gastos que não sejam os destinados às muitas urgências do momento. Na educação, serão dois anos em um, na saúde há a pressão da pandemia, na arrecadação, o imposto sobre serviços não vai se recuperar facilmente.

Eleição sempre renova as esperanças de que os problemas sejam resolvidos mais facilmente pelo gestor reeleito por causa de uma administração bem avaliada ou pela eleição de um novo gestor que resgate a cidade de erros passados. Aqui na coluna conversamos com alguns economistas que falam sobre a situação municipal. Giovanna Victer é presidente do Fórum Nacional de Secretários Municipais de Fazenda, e ela mesma é secretária de Niterói, onde o prefeito Rodrigo Neves, do PDT, elegeu seu sucessor Axel Grael no primeiro turno.

— Houve um aumento significativo do volume de transferências da União para os municípios. O critério foi o Fundo de Participação dos Municípios (FPM) e sem relação com a pandemia. Então houve cidade que teve mais receita do que gasto com saúde e o contrário também aconteceu — diz.

Normalmente, cidades menores ou de regiões mais pobres têm um repasse relativamente maior pelo critério de distribuição. Houve também outra forma de socorro aos estados e municípios, que em alguns casos cobriu a queda de arrecadação.

Bernardo Mello Franco - O PT diante da derrota

- O Globo

Foi um tombo histórico. Pela primeira vez, o PT não conquistou a prefeitura de nenhuma capital. Um desempenho ainda pior que o de quatro anos atrás, quando só venceu em Rio Branco.

Em 2016, o desastre era inevitável. O partido havia acabado de enfrentar o impeachment de Dilma Rousseff e as prisões espetaculares da Lava-Jato. Agora não há como culpar os outros. O petismo sucumbiu aos próprios erros — e parte da sua cúpula ainda está em negação.

A presidente Gleisi Hoffmann tentou dourar a pílula. Exaltou a vitória em quatro cidades no segundo turno, embora a sigla tenha perdido em nove. Ela classificou o fiasco como uma prova de que a esquerda “sabe lutar”.

José Casado - Acabou a moleza

- O Globo

Com voto facultativo na prática, candidatos terão de se virar para convencer o eleitor a sair de casa

Por lei, o voto continua obrigatório. Na vida real, está mais facultativo a cada eleição. Um em cada três eleitores decidiu não votar no domingo. A abstenção avançou na década e, agora, mais que dobrou em relação às eleições municipais de 2000. Na cidade do Rio, chegou a 35%. Somou 47% em Copacabana, o bairro de maior densidade demográfica.

A recusa voluntária de 1,7 milhão superou a determinação da escolha majoritária nas urnas: Eduardo Paes (DEM) se elegeu com 1,6 milhão de votos, 91 mil abaixo do volume de abstenção. Não ofusca sua vitória acachapante sobre o trêfego pastor-prefeito, desde ontem em súplica por vaga no Ministério de Jair Bolsonaro.

O vírus semeou medo. Foi real o temor da contaminação em Petrópolis. Há 15 dias, a cidade registrava a média de 100 infectados transmitindo para 110 pessoas. Na semana passada, a taxa saltou de 110 para 230. Resultado: abstenção de 35,6%, muito acima do primeiro turno (29,9%).

Carlos Andreazza - O golpe de Alcolumbre

- O Globo

Não tem vírgula para controvérsia de reeleição de presidentes da Câmara e do Senado. Não pode

Está marcado para a próxima sexta, dia 4 de dezembro, o início do julgamento — no plenário virtual do Supremo — de uma ação por meio da qual o PTB questiona a constitucionalidade da reeleição (qualquer uma, mesmo aquela prevista na Constituição) de presidentes da Câmara e do Senado.

Não é banal que a coisa se dê no plenário virtual, em que os ministros somente depositam os votos. Sem enfrentamento de mérito. Sem debate. É o paraíso — a arena dos sonhos — para que se consolide o golpe, golpe contra a Constituição Federal, urdido, sem muita cerimônia, por Davi Alcolumbre.

Golpe que o sujeito costura desde meados de 2019, agora finalmente à custa de um Parlamento paralisado; que — sequestrado por disputas de poder antecipadas para muito além de qualquer padrão de irresponsabilidade da política brasileira — nem sequer consegue cuidar do Orçamento de 2021.

Para que fique claro: o Brasil não está parado, com uma pandemia a corroê-lo, em decorrência das eleições municipais. Isso é desculpa. E é mentira. O país está travado porque tem um governo incompetente, incapaz de propor agendas e formular políticas públicas; e porque o Congresso, até anteontem a engrenagem que fazia algo andar, foi contaminado pela endemia sucessória, agravada pelo vírus da incerteza. Terá ou não sucesso o golpe de Alcolumbre, de resto a mexer num xadrez de expectativas de poder ainda a ecoar longamente no Parlamento?

Merval Pereira - Partidos em excesso

- O Globo

A fragmentação partidária brasileira resultou em que nada menos que 28 partidos dos 32 que concorreram às eleições municipais elegessem pelo menos um prefeito municipal. Mais que isso: quatro partidos não elegeram nenhum prefeito. Se as cláusulas de barreira fossem usadas para as eleições de vereador, quinze partidos não passariam: PROS, PV, Psol, PCdoB, PRTB, PTC, PMN, DC, Rede, Novo, PMB, UP, PSTU, PCB e PCO. Basicamente os mesmos que, na eleição de 2018, quando as cláusulas de barreira começaram a vigorar, não conseguiram ter número de votos mínimo exigido pela nova legislação: Rede, Patriota, PHS, DC, PCdoB, PCB, PCO, PMB, PMN, PPL, PRP, PRTB, PSTU e PTC não conseguiram 2% de votos em todo o país, nem eleger pelo menos 11 deputados em pelo menos 9 Estados.  

Deixaram de ter acesso ao fundo partidário, e direito a tempo de rádio e televisão na propaganda eleitoral. Esta foi também a primeira eleição em que a coligação proporcional foi proibida, o que dificultou ainda mais os partidos mais frágeis.
 Justamente por isso, já existe um movimento de bastidores para a legislação voltar a permitir as coligações proporcionais, o que pode retardar a reorganização partidária, que seria fundamental para dar mais lógica às eleições. Cerca de 15 partidos estariam aptos integralmente a participar das eleições e das atividades congressistas, e não 32 como hoje.

Vera Magalhães - DEM já (bem) dividido entre Doria e Huck

- O Estado de S. Paulo

Já está avançada a divisão interna dos principais caciques do DEM, uma das jóias mais vistosas das eleições de 2020, entre o apoio ao projeto presidencial de Luciano Huck e o de João Doria (PSDB) em 2022. Não são poucos os interesses em jogo no tabuleiro, e cada um dos lados tem apoiadores de peso para o seu projeto, além de argumentos sólidos e que envolvem a geopolítica estadual em sua ponderação.

Neste momento e diante do avanço das duas hipóteses, o namoro com Ciro Gomes (PDT) é a hipótese menos avançada, embora tanto o presidente nacional da sigla, ACM Neto, quanto o presidente da Câmara, Rodrigo Maia, mantenham uma ponte estendida rumo ao pedetista.

Avançou muito nos últimos meses a aproximação de Luciano Huck com o DEM. O partido passou a ser o destino mais provável do apresentador de TV caso ele finalmente deixe a hesitação de lado e decida se lançar num projeto presidencial. Neste caso, ele faria isso como candidato do DEM, e não do Cidadania, como chegou-se a ventilar.

O partido de Roberto Freire, embora tenha em sua órbita os chamados movimentos de renovação, plataforma importante do projeto de Huck, vem perdendo fôlego eleitoral, ao passo que o DEM vem crescendo. Maia, ACM Neto e Eduardo Paes compõem a tríade demista que conversa com Huck, e espera uma resposta sua até março do ano que vem.

Doria vai ter que se nacionalizar para 2022, diz FHC

Em entrevista, ex-presidente comenta eleições de 2020 e futuro do governador do PSDB

Folha de São Paulo | Uol

Em um tom de conselho ao governador de São Paulo, João Doria (PSDB), o ex-presidente tucano Fernando Henrique Cardoso disse que, se Doria quiser disputar as eleições presidenciais de 2022, terá de se nacionalizar.

Por enquanto, diz FHC, "ele é um bom líder paulista". As declarações foram feitas durante entrevista ao colunista do UOL Tales Faria nesta segunda (30). Veja o vídeo abaixo

"O Brasil é muito diverso, não adianta você pensar: 'vamos pegar uma pessoa que é do meu partido e acho que pode ser candidato. O Doria vai ter que se nacionalizar. Ele tem uma vantagem, os pais são da Bahia. Ele vai ter que 'baianizar', 'cariocar', 'gauchar', enfim, se é para expressar um sentimento nacional, você não pode ser de uma parte só, tem que atender essa diversidade do país."

FHC lembrou como se projetou nacionalmente para disputar a Presidência.

"Eu nasci no Rio, sou paulista, minha mãe amazonense, meu pai do Paraná, meus avós de Goiás, eu explorava isso. Não que eu quisesse ganhar politicamente. Queria, mas não é só isso. O Doria tem que usar esses instrumentos que tem para se transformar num líder nacional, por enquanto ele é um bom líder paulista", concluiu.

Para Fernando Henrique, Guilherme Boulos (PSOL) é uma "liderança emergente" da esquerda que lembra o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) no começo de sua carreira política.

"Tenho notado como ele costuma se desempenhar. Primeiro, mostrou uma coisa importante: dedicação às causas populares. Foi morar mais perto dos bairros populares e está muito ligado ao movimento sem-teto. Ele, quando fala, me dá impressão de imitar um pouco o Lula, é o jeitão dele, só que o Lula tinha o sindicalismo por trás dele, que é uma coisa mais ampla que ocupações. O Boulos simboliza a insatisfação de muita gente com a vida na cidade grande. Vai ser uma liderança para aparecer? É possível, provável", afirmou o tucano.

O que a mídia pensa: Opiniões / Editoriais

Um novo e positivo cenário – Opinião | O Estado de S. Paulo

Ao rechaçar extremismos ideológicos e optar por candidaturas de centro, o eleitor deu uma eloquente manifestação de confiança na política

 O resultado das eleições de 2020 sinaliza uma mudança significativa do eleitorado em relação às escolhas feitas em 2018. Ao rechaçar extremismos ideológicos e optar por candidaturas de centro, o eleitor deu uma eloquente manifestação de confiança na política. Naturalmente, é ainda muito cedo para traçar prognósticos para o cenário eleitoral de 2022 ou para listar os principais candidatos da próxima disputa presidencial. A importância do pleito de 2020 não reside em suas eventuais consequências sobre as eleições de 2022. Tanto no primeiro turno como no segundo, o que se destacou – e é extremamente positivo para a democracia – foi a maturidade do eleitor.

O resultado das eleições de 2020 revela, de forma contundente, um eleitor capaz de repensar escolhas políticas feitas em um passado recente, em especial, as propostas do bolsonarismo e as do lulopetismo. O eleitorado mostrou-se inclinado a superar a visão da política como terra arrasada pela corrupção, que, de tão difundida por integrantes da Lava Jato, chegou a ganhar nome correspondente: o lavajatismo.

Aos que anunciaram, depois das eleições de 2018, a morte da chamada política tradicional, o pleito deste ano mostrou que velhos partidos políticos podem ainda ter especial força e representação. Quando são capazes de apresentar candidatos e propostas consistentes, legendas há muito conhecidas continuam tendo apelo entre os eleitores. Basta ver que os cinco maiores partidos, em porcentual do eleitorado governado por seus prefeitos, foram PSDB, MDB, DEM, PSD e Progressistas (ex-PP).

Música | Luciana Mello - Tendência (Jorge Aragão)

 

Poesia | Ferreira Gullar - Digo sim

Poderia dizer 

que a vida é bela, e muito, 

e que a revolução caminha com pés de flor 

nos campos do meu país, 

com pés de borracha 

nas grandes cidades brasileiras 

e que meu coração 

é um sol de esperanças entre pulmões 

e nuvens 

 

Poderia dizer que meu povo 

é uma festa só na voz de 

Clara Nunes 

no rodar 

das cabrochas no carnaval 

da Avenida. 

Mas não. O poeta mente. 

 

A vida nós amassamos em sangue 

e samba 

enquanto gira inteira a noite 

sobre a pátria desigual. A vida 

nós a fazemos nossa 

alegre e triste, cantando 

em meio à fome 

e dizendo sim 

- em meio à violência e a solidão dizendo 

sim - 

pelo espanto de beleza 

pela fama de Tereza 

pelo meu filho perdido 

neste vasto continente 

por Vianinha ferido 

pelo nosso irmão caído 

 

pelo amor e o que ele nega 

pelo que dá e que cega 

pelo que virá enfim, 

não digo que a vida é bela 

tampouco me nego a ela: 

- digo sim 

segunda-feira, 30 de novembro de 2020

Carlos Pereira* - Nova face da polarização

-O Estado de S. Paulo

A não obrigatoriedade da vacina é o novo mote identitário de Bolsonaro

Vínculos identitários para serem duradouros necessitam de novas e constantes narrativas polarizadas que reforcem conexões de lealdade entre seus membros. Funcionam como elos que dão a sensação de aconchego e pertencimento. Também atuam como barreiras de proteção contra informações que contrariem as crenças e preferências do grupo. Como consequência, tendem a desenvolver hostilidades e aversão a valores e crenças de grupos rivais podendo até enxergá-los como inimigos. 

Contrariando suas promessas de campanha, o presidente Jair Bolsonaro se aproximou dos partidos do chamado Centrão em busca de uma coalizão mínima que garantisse sua sobrevivência política. Além do mais, moderou o tom de seu discurso como uma forma de diminuir animosidades com outros poderes que caracterizaram o início do seu mandato. 

Essas mudanças deram fôlego governativo ao presidente, mas paradoxalmente enfraqueceram suas conexões identitárias ao deixar sua base conservadora dispersa e sem referências. Percebendo a derrota iminente que seus candidatos sofreriam nas eleições municipais, Bolsonaro teve de encontrar, mesmo que tardiamente, um novo mote que reconectasse suas identidades polares com a sua base mais fiel.

Eliane Cantanhêde - Frente antibolsonarista toma forma

- O Estado de S. Paulo

Segundo turno confirmou estrondosa derrota dos extremos

O segundo turno confirmou a estrondosa derrota dos extremos, PT e bolsonarismo, e a consequente vitória do centro, com o PSDB em São Paulo, o DEM no Rio e o MDB reunindo o maior número de prefeituras no País. Esse resultado projeta e dá forma a uma frente contra o presidente Jair Bolsonaro e tudo o que ele representa.

No discurso da vitória do DEM no Rio, Eduardo Paes e Rodrigo Maia não apenas deram uma senha, mas praticamente formalizaram o lançamento dessa frente ao cumprimentar o tucano Bruno Covas pela eleição em São Paulo, com apoio de Fernando Henrique a Marta Suplicy. Em política, nem cumprimento é por acaso. O gesto de Paes e Maia diz muito.

 Bolsonaro coleciona derrotas, desde a de Donald Trump, passando por todos os seus candidatos no primeiro e no segundo turno e desembocando no sonoro não das urnas às suas bandeiras, seu negacionismo e sua beligerância árida, abjeta. Venceu o oposto: a rejeição ao ódio, o respeito à política e a disputa consequente que Bruno Covas e Guilherme Boulos, do PSOL, travaram em São Paulo.

Como fecho de ouro, ou de latão, Bolsonaro produziu ontem, justamente no dia D, as piores manifestações de toda a eleição. O presidente do Brasil acusar a eleição norte-americana de fraude, com base nas suas “fontes”? É patético, de uma irresponsabilidade que choca o mundo. E insistir no ataque às urnas eletrônicas, pregando a volta ao passado, à cédula de papel? É igualmente patético e irresponsável, faz mal ao Brasil.

Vera Magalhães - Eleitor rejeita 2º turno de 2018

- O Estado de S.Paulo

Bolsonarismo e lulopetismo são as forças mais derrotadas nas eleições municipais

Dois anos depois, o eleitor do Brasil mostra ter virado a página da polarização que levou ao segundo turno entre Jair Bolsonaro e o PT, em 2018. O mapa que sai das urnas não tem, no comando das capitais, nenhum bolsonarista-raiz e nenhum petista, e isso não é pouca coisa, nem é incidental. Tanto o presidente quanto Lula e o PT acharam que bastava manter o script de dois anos atrás que os resultados se repetiriam. O presidente montou seu circo nas redes sociais, liberou a tropa para plantar fake news, fez pouco caso da necessidade de um partido organizado e escolheu a esmo candidatos para chamar de seus em todo o País, com base quase sempre numa identificação ideológica rasa. Usou e abusou de recursos públicos para bombá-los. Foi fragorosamente derrotado.

Lula e o PT acharam que 2020 seria a forra de 2016 e 2018. Finalmente o eleitorado reconheceria que a Lava Jato foi uma farsa, o impeachment de Dilma Rousseff, um golpe, e a condenação e prisão de Lula uma jogada para dar vitória a Bolsonaro, com a cumplicidade da imprensa. Ficou falando sozinho e foi superado por outras legendas de esquerda, que já saem das urnas avisando: não vai dar para querer cantar de galo hegemônico para 2022. 

Ricardo Noblat - O que o futuro reserva para o presidente Jair Bolsonaro

- Blog do Noblat | Veja

No meio do caminho tem uma pedra – a economia

E o pior para o presidente Jair Bolsonaro ainda está por chegar. Como, sem partido, ele poderia sair-se bem das eleições que terminaram ontem? Nunca antes na história dos últimos 50 anos um presidente da República, mal começou a governar, abandonou o partido pelo qual se elegeu e ficou sem nenhum.

Bolsonaro perdeu feio no primeiro turno, e mesmo tendo apostado em poucos nomes no segundo turno, perdeu feio do mesmo modo. Conseguiu ser amplamente derrotado no seu berço político, o Rio de Janeiro. Só tem a comemorar a eleição do prefeito de Vitória, que é mais conservador do que propriamente bolsonarista.

Os discursos de vitória de Bruno Covas (PSDB), prefeito reeleito de São Paulo, e de Eduardo Paes (DEM) que volta a governar a cidade do Rio, apontaram na direção de uma frente de partidos do centro para tentar derrotar Bolsonaro daqui a dois anos. O PT conseguiu a proeza de eleger menos prefeitos e vereadores do que em 2016.

Celso Rocha de Barros* - Bolsonaro perdeu nas urnas e nas ideias

- Folha de S. Paulo

Quem tentou ganhar cidade grande com discurso bolsonarista morreu pendurado na mamadeira

Foi uma eleição de continuidade administrativa e de um início de virada no debate de ideias. A centro-direita, que era situação em quase toda parte desde 2016, foi a grande vencedora das urnas, e a esquerda foi bem onde já tinha boa reputação de administração competente. Mas a grande notícia é que ninguém ganhou cidade grande com discurso bolsonarista. Quem tentou morreu pendurado na mamadeira.

vitória de Bruno Covas em São Paulo não foi nenhuma surpresa. Foi uma eleição de continuidade e de reeleições, com viés de centro-direita. O perfil de Covas é semelhante ao de Eduardo Paes (DEM), Alexandre Kalil (PSD) ou Bruno Reis (DEM), todos eleitos com votações expressivas, os dois últimos vencedores em primeiro turno. Boa sorte para o novo prefeito.

O que é impressionante é que um sujeito com “Covas” no nome, concorrendo pelo PSDB em São Paulo, chegue aos últimos dias da campanha desesperado para ganhar do candidato do PSOL.

Marcus André Melo* - Equidistância política

- Folha de S. Paulo

Como anticomunistas, muito brandos; como antifascistas, muito severos

Em “O Tempo da Memória: De Senectude e outros escritos autobiográficos”, Norberto Bobbio descreve o ambiente político do pós-Guerra italiano em termos que paradoxalmente remete ao debate atual em nosso país. Bobbio refere-se às críticas que eram feitas a setores da esquerda e de centro, com os quais, então, se identificava, e que se engajaram na resistência ao fascismo, de não manterem equidistância quanto aos extremos políticos.

A acusação era de “termos sido, como anticomunistas, muito brandos e, como antifascistas, muito severos. Em uma única palavra, não sermos equidistantes.” Bobbio reconhece em suas memórias a validade da acusação, mas repudiava algumas de suas extensões, em particular a suposta “simetria entre fascismo e antifascismo”, apontando para a “diferença entre um estado de exceção e um estado de direito”. O antifascismo, argumenta, é um simulacro se a crítica tolera posições autoritárias.

A inteligência europeia do pós-Guerra enfrentou esse debate com grande intensidade na década de 50, quando vieram à tona os crimes de Stálin, o que levou a uma forte ruptura entre os intelectuais que continuaram a apoiar o estalismo e o maoísmo e os que se tornaram críticos.

A França foi o palco privilegiado desse debate, que envolveu Sartre, Aron e Camus, entre outros. Sua recepção na opinião pública qualificada européia e no mundo anglo-saxônico em particular levou à forte desprestígio da intelectualidade francesa, como mostrou Tony Judt em seu magnífico panorama em torno do assunto.

Bruno Carazza* - O mapa da mina

- Valor Econômico

Encerrado o segundo turno, é hora de fazer contas para 2022

Fechadas as urnas em todo o Brasil (com exceção de Macapá, cuja eleição foi adiada por causa do apagão), é hora de contabilizar vencedores e perdedores, tentando extrair sinais que possam iluminar o caminho da política rumo a 2022.

Diversos rankings podem ser traçados. Em termos de número de prefeituras, o 2º turno não trouxe nenhuma novidade em relação ao que já havia sido definido há duas semanas. O MDB manteve a sua histórica liderança, seguido pelos dois principais representantes do Centrão (PP e PSD) - PSDB e DEM completam o “top five”. Nessa métrica, o que conta é a capilaridade, e aqui a centro-direita vai muito melhor que a esquerda, cujos partidos melhor colocados foram o PDT (em 7º lugar), PSB (8º) e PT (na 11ª posição).

Do ponto de vista regional, entre os partidos que mais foram penalizados em 2018, na esteira da Operação Lava-Jato, vemos o PT cada vez mais reduzido ao Nordeste (seus melhores desempenhos relativos foram no Piauí, no Ceará e na Bahia) e ao seu enclave acreano. Já os tucanos do PSDB mantêm seus domínios em São Paulo e no Mato Grosso do Sul - chamando a atenção o fraco desempenho do partido no RS, onde o governador Eduardo Leite só conseguiu garantir 5% das prefeituras.

Embora tenha mantido seu tradicional posto de dono do maior número de municípios no Brasil, o MDB se vê cada vez mais reduzido aos seus clãs, com domínio forte no Pará dos Barbalhos (43% das prefeituras), na Alagoas dos Calheiros (37%), no Rio Grande do Sul de Eliseu Padilha (28%) e do Norte dos Alves (23%), além do Amazonas de Eduardo Braga (22%). Mas nem tudo são flores: com exceção da vitória de Sebastião Melo em Porto Alegre, o MDB perdeu em todas as capitais desses Estados.

Sergio Lamucci - Um país cada vez mais isolado

- Valor Econômico

Com a derrota de Trump nas eleições americanas, o Brasil fica distante de todas as principais potências globais

Novembro foi mais um mês em que o presidente Jair Bolsonaro se esforçou ao máximo para criar incidentes diplomáticos com parceiros comerciais importantes do Brasil, contando ainda com a ajuda de seu filho Eduardo Bolsonaro para a tarefa. Como resultado desse empenho, o país está cada vez mais isolado no cenário externo, especialmente por causa da política ambiental. Para Matias Spektor, professor da Escola de Relações Internacionais da Fundação Getulio Vargas (FGV), é o momento em que as relações exteriores do Brasil “estão mais deterioradas” desde a transição para a democracia.

Há pouco menos de 20 dias, Bolsonaro ironizou Joe Biden, o vencedor das eleições nos EUA. Ao comentar declarações do americano sobre eventuais sanções ao Brasil por causa do desmatamento da Amazônia, o brasileiro lançou uma bravata, dizendo que “apenas pela diplomacia não dá” e que “depois que acabar a saliva, tem que ter pólvora - não precisa nem usar a pólvora, tem que saber que tem”. Na semana seguinte, ameaçou divulgar o nome de países que comprariam madeira ilegal do Brasil. Ele voltou atrás, mas já havia causado outro mal estar com países europeus.

Cacá Diegues - Gracias a la pelota

- O Globo

Maradona foi um permanente inquisidor da alma humana. Quase diria que se sacrificou por nós, latino-americanos

Às vezes, temos necessidade de um choque radical para compreender melhor o que já estava diante de nossos olhos. Como o papel civilizatório de Diego Armando Maradona. Além do craque de bola que ele foi, a base moral de seu comportamento no mundo, Maradona foi um permanente inquisidor da alma humana. Quase diria que se sacrificou por nós, latino-americanos, devedores de tantos poderosos que sempre admiramos pelo mundo afora.

Não é que Maradona não desejasse ser conquistado, como o foi tantas vezes, como todos nós. Mas ele queria entender o mundo à sua volta e, para isso, precisava saber por que os homens poderosos amavam e eram amados pelo povo que cultivava Maradona. Nosso herói não era de esquerda, de centro ou de direita; mas se interessava pelas pessoas que professavam tais ideias. Não pelas ideias, mas pelo povo que elas conquistavam, do qual se aproximavam.

Se procurarmos na vasta coleção audiovisual em que o registramos, vamos encontrar cenas em que Maradona se declara a Fidel, de quem tinha uma tatuagem na perna esquerda, justamente a perna genial. Ou confissões de amor a dirigentes políticos como Carlos Menem, um neoliberal populista e popular, a quem ajudou a se eleger presidente da Argentina. E ainda oferecendo ao general Videla, comandante da ditadura mais sangrenta na história de seu país, o título mundial conquistado em Tóquio pela seleção juvenil.

Bernardo Mello Franco - Fiasco de Crivella freia projeto da Igreja Universal

- O Globo

Ao despejar Marcelo Crivella, o eleitor carioca impôs um freio ao plano de poder da Igreja Universal. Nos últimos quatro anos, o Rio virou laboratório de um projeto que mistura fé e política. Ontem essa fórmula foi rechaçada nas urnas.

Crivella se elegeu em 2016 com o discurso de que governaria para todos. Foi uma das muitas promessas que ele não cumpriu. O dublê de bispo e prefeito favoreceu abertamente seu grupo religioso. Transformou a administração municipal em guichê da Universal.

O caso do “Fale com a Márcia” resumiu essa apropriação indevida. Crivella escalou uma assessora para ajudar pastores e fiéis a furarem fila nos hospitais. O escândalo deu origem a CPI e pedido de impeachment. Como estamos no Rio, também virou marchinha de carnaval.

Nem a maior festa da cidade escapou da guerra santa do bispo. Ele suspendeu o apoio às escolas de samba e passou quatro anos sem pisar na Sapucaí durante os desfiles. Num ato de pura birra, também se recusou a entregar as chaves da cidade ao Rei Momo.

Demétrio Magnoli - A cidade de Crivella

- O Globo

Não há como fugir à constatação de que prefeito venceu no primeiro turno em territórios controlados por uma milícia específica

No primeiro turno das eleições municipais de São Paulo, Bruno Covas (PSDB) obteve 33% dos votos, e Guilherme Boulos (PSOL), seu rival no segundo turno, 20%. A ampla diferença, de 13 pontos percentuais, refletiu-se no triunfo de Covas em todos os distritos da capital paulista. No primeiro turno do Rio de Janeiro, Eduardo Paes (DEM) conseguiu 37% dos votos, contra 22% de Marcelo Crivella (Republicanos). Mas a diferença, de 15 pontos percentuais, não se traduziu por vitórias de Paes em todos os distritos. O atual prefeito venceu em cinco zonas eleitorais, quatro delas situadas na Zona Oeste. O mapa eleitoral conta uma história sobre o Rio.

Há uma regra sociológica geral, violada pelo mapa do primeiro turno no Rio. No caso de eleições decididas por margens apertadas, é normal que se verifiquem vencedores distintos em diferentes regiões. Contudo, em pleitos muito assimétricos, o primeiro colocado triunfa em todas as grandes regiões. As exceções merecem análise específica, pois decorrem de cisões sociais marcantes. O mapa de Crivella inscreve-se nessa categoria.

A cisão de renda não explica o fenômeno. Certamente, o atual prefeito obteve suas escassas vitórias em áreas pobres da cidade — mas não em todas, nem na maioria delas. O cenário Leblon versus Campo Grande, tão atraente para analistas apressados, distorce radicalmente a realidade eleitoral do primeiro turno. Prova disso está nos triunfos de Paes em diversos bairros ainda mais pobres da própria Zona Oeste.

Fernando Gabeira - A tempestade passa

- O Globo

Se superarmos a barreira mental de Bolsonaro, a vacina pode representar o fim da pandemia

Coragem, o fim da tempestade está próximo. Tenho vontade de escrever isso, sem hesitações. Mas temo parecer muito otimista. No passado, velhos como eu muito otimistas me davam uma ligeira aflição.

Mas vamos aos fatos. Historicamente, costuma haver uma espécie de renascimento depois das grandes epidemias. A vacina está no horizonte. Podemos esperar alguma euforia e otimismo, caso seja eficaz e distribuída adequadamente.

O principal obstáculo é o governo negacionista, que minimiza a Covid-19 e duvida de vacinas. Tradicionalmente, o Brasil tem capacidade de produzir vacinas e realizar grandes campanhas de imunização.

O governo federal falhou nos testes, deixando 6,8 milhões deles esquecidos num galpão em São Paulo. O general Pazuello é considerado um especialista em logística. Fez um bom trabalho em Roraima, na Operação Acolhida, que recebeu os venezuelanos.

Ele vem sofrendo alguns desgastes. Contraiu Covid-19 e foi obrigado a se curvar diante de Bolsonaro. Não sei se o corpo mole é resultado da influência do próprio Bolsonaro, que, aliás, duvida de vacinas e acha melhor encontrar um remédio para o coronavírus.

George Gurgel de Oliveira* - Friedrich Engels, o marxismo e a sociedade contemporânea

Estamos comemorando o bicentenário de nascimento de Friedrich Engels, um dos maiores pensadores do século XIX, junto com seu amigo e irmão siamês Karl Marx.

Engels nasceu em Barmen, na Alemanha, em 28 de novembro de 1820. Teve uma formação cosmopolita. Fez o serviço militar em Berlim, em 1841, quando passou a conhecer as ideias de Hegel, e integrou-se ao grupo dos Jovens Hegelianos, sob a liderança de Bruno Bauer. Após o serviço militar, retornou a Barmen e, por imposição paterna, foi para a Inglaterra, em 1842, para a cidade de Manchester, berço da Revolução Industrial.

A paixão revolucionária tomou conta dele, desde jovem.  Quando chegou à Inglaterra, sob a influência de Moses Hess, que conheceu em Berlin, suas ideias já eram socialistas. Em Manchester, foi trabalhar na indústria têxtil, em uma fábrica que o pai tinha em sociedade com ingleses. Sua permanência em território britânico, o contato permanente com trabalhadores industriais, com o próprio movimento Owenista e Cartista e os seus próprios estudos sobre a situação dos operários naquele país, levaram à análise e à publicação, em 1845, do seu primeiro livro: A Condição da Classe Trabalhadora na Inglaterra, quando tinha 24 anos incompletos. Trata-se de um clássico sobre a situação precária das atividades laborais nas fábricas inglesas, no século XIX, envolvendo também o trabalho infantil, da mulher e das desumanas jornadas laborais.

Foi quando conheceu a operária irlandesa Mary Burns, que se tornou sua companheira e muito lhe ajudou no conhecimento da realidade dos trabalhadores ingleses, irlandeses e do movimento operário na Inglaterra. Assim, além da atividade fabril, viveu plenamente o mundo dos trabalhadores, o que foi fundamental para seu trabalho intelectual e revolucionário. 

Então, Engels chegou à conclusão que a classe operária, surgida com a Revolução Industrial, era o ator decisivo para a construção da Sociedade Futura, a Sociedade Comunista.

Depois de Manchester, viveu na Bélgica e na França, onde teve o primeiro efetivo encontro com Karl Marx, no outono de 1944, no Café La Regence, em Paris. Desde então, iniciou uma parceria intelectual e uma amizade que se estenderam por toda a vida, tendo participado ativamente do processo político-revolucionário de construção dos fundamentos, na maioria das vezes em parceria com o próprio Marx, do que, a partir da morte deste e dele próprio, passou a ser conhecido como Marxismo.

A Sagrada Família foi o primeiro livro escrito junto por eles e publicado ainda em 1845. Nesse período, afastaram-se do materialismo de Feuerbach e dos Jovens Hegelianos, construindo uma original concepção materialista, dialética, da história. Na Ideologia Alemã, trabalho realizado no período 1845-1847, eles fazem uma síntese desta concepção.  Ainda desse período são os trabalhos de Engels sobre economia política e a relação entre a Revolução Industrial e o desenvolvimento de uma consciência dos trabalhadores como classe na Inglaterra, contribuição que foi muito valorizada por Marx.

Desafiados pela internacionalização do movimento dos trabalhadores, os dois começaram a participar da Liga dos Justos, na seção alemã posteriormente Liga dos Comunistas. No ano em que lançaram O Manifesto Comunista, ocorreu a Revolução de 1848, na França, que se estendeu por uma boa parte da Europa.  Eles retornaram à Alemanha, onde participaram do movimento revolucionário até à vitória da contrarrevolução. Trabalharam no jornal Nova Gazeta Renana, período em que Engels começou a se interessar pela questão militar, objeto de pesquisa dele por toda a vida. Suas impressões sobre a revolução e a contra-revolução na Alemanha estão registradas em artigos para o New York Daily Tribune (1851-1852), assinados por Marx.

O que a mídia pensa: Opiniões / Editoriais

Os múltiplos desafios do prefeito – Opinião | O Estado de S. Paulo

Num país até recentemente marcado pela disputa extremista de esquerda e direita, reeleição de Covas é indicativo de que tempo das aventuras passou

A reeleição do prefeito Bruno Covas em São Paulo significa que os paulistanos estão razoavelmente satisfeitos com sua administração, ainda mais considerando as circunstâncias excepcionais criadas pela pandemia de covid-19. Confirmado pelas urnas, Bruno Covas terá pela frente o imenso desafio de não somente lidar com a possibilidade de uma nova onda de contaminações, mas principalmente de proporcionar as condições para que a cidade se recupere desse imenso baque.

O Estado mostrou, em sua edição de ontem, uma lista com os dez principais problemas com os quais o prefeito Bruno Covas terá que lidar. Chama a atenção o fato de que vários deles são recorrentes há muitos anos – ou seja, já está mais do que na hora de superá-los.

Não há uma hierarquia dos temas, mas é inevitável colocar entre os mais importantes o sistema de saúde no Município, que está sob forte tensão em razão da pandemia. Há falta de médicos e de outros profissionais de saúde para trabalhar com um sistema cada vez mais demandado, o que provoca filas crônicas para exames, consultas e cirurgias.

Também por causa da pandemia, a educação deve ser prioridade da próxima administração, sobretudo porque a crise sanitária escancarou a desigualdade nesse setor. A nota do Município no Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (Ideb) é apenas a 10.ª melhor entre as capitais, o que não condiz com a riqueza da metrópole paulistana. Urge uma ação decisiva para que as escolas nos bairros mais pobres ofereçam melhores condições para reduzir o fosso socioeconômico na cidade.

A desigualdade econômico-social, contudo, é muito mais ampla e tem de receber atenção redobrada do poder público, como mostra, aliás, a boa votação recebida pelo candidato Guilherme Boulos (PSOL), cuja campanha foi centrada nesse tema. O Mapa da Desigualdade mostra, por exemplo, que somente 18,1% da população paulistana mora num raio de até 1 km de alguma estação de trem ou metrô, e a maior parte desses afortunados vive no centro.

Música | Julinho Marassi e Gutemberg - Aos meus heróis

 

Poesia | João Cabral de Melo Neto - Autobiografia de um só dia

No engenho Poço não nasci: 
minha mãe, na véspera de mim, 
veio de lá para a Jaqueira, 
que era onde, queiram ou não queiram, 
os netos tinham de nascer, 
no quarto-avós, frente à maré. 

Ou porque chegássemos tarde 
(não porque quisesse apressar-me, 
e se soubesse o que teria 
de tédio à frente, abortaria) 
ou porque o doutor deu-me quandos, 
minha mãe no quarto-dos-santos, 
misto de santuário e capela, 
lá dormiria, até que para ela, 
fizessem cedo no outro dia 
o quarto onde os netos nasciam. 

Porém em pleno céu de gessos, 
naquela madrugada mesmo, 
nascemos eu e minha morte, 
contra o ritual daquela corte 
que nada de um homem sabia: 
que ao nascer esperneia, grita. 

Parido no quarto-dos-santos, 
sem querer, nasci blasfemando, 
pois são blasfêmias sangue e grito 
em meio à freirice de lírios, 
mesmo se explodem (gritos, sangue), 
de chácaras entre marés, mangues.