Não
tem vírgula para controvérsia de reeleição de presidentes da Câmara e do
Senado. Não pode
Está
marcado para a próxima sexta, dia 4 de dezembro, o início do julgamento — no
plenário virtual do Supremo — de uma ação por meio da qual o PTB questiona a
constitucionalidade da reeleição (qualquer uma, mesmo aquela prevista na
Constituição) de presidentes da Câmara e do Senado.
Não
é banal que a coisa se dê no plenário virtual, em que os ministros somente
depositam os votos. Sem enfrentamento de mérito. Sem debate. É o paraíso — a
arena dos sonhos — para que se consolide o golpe, golpe contra a Constituição
Federal, urdido, sem muita cerimônia, por Davi Alcolumbre.
Golpe
que o sujeito costura desde meados de 2019, agora finalmente à custa de um
Parlamento paralisado; que — sequestrado por disputas de poder antecipadas para
muito além de qualquer padrão de irresponsabilidade da política brasileira —
nem sequer consegue cuidar do Orçamento de 2021.
Para que fique claro: o Brasil não está parado, com uma pandemia a corroê-lo, em decorrência das eleições municipais. Isso é desculpa. E é mentira. O país está travado porque tem um governo incompetente, incapaz de propor agendas e formular políticas públicas; e porque o Congresso, até anteontem a engrenagem que fazia algo andar, foi contaminado pela endemia sucessória, agravada pelo vírus da incerteza. Terá ou não sucesso o golpe de Alcolumbre, de resto a mexer num xadrez de expectativas de poder ainda a ecoar longamente no Parlamento?
Obra
do golpe de Alcolumbre. Golpe pelo direito de se reeleger à presidência do
Senado numa mesma legislatura; contra o quê, sem margem para interpretação
rebolativa, é expressa a Carta que se tenta violar. Está lá, no parágrafo 4º do
artigo 57. Não pode. Não tem vírgula para controvérsia. Golpe.
Daí
por que seja tão importante — para o êxito golpista — escapar da discussão de
mérito. Porque isso equivaleria a escapar do que versa a Constituição. Porque
bastaria que um ministro a abrisse, passando-lhe os olhos, para que tivéssemos
um destaque e o caso, deixando a imobilidade muda do plenário virtual, fosse
para a deliberação do colegiado. Ou seja: para que a tara de Alcolumbre fosse
contida.
Mas
não. O STF integra o jogo político; e isso significa atalhar a Lei Maior. Nesse
caso, para fugir da apreciação do mérito. Não poderia ser diferente num
tribunal cheio de agentes políticos. Que fazem cálculos típicos de um operador
político. Logo, se os togados avaliam que o arranjo com Alcolumbre e Maia (que
surfaria a onda para ser também beneficiado) serve bem ao equilíbrio da
República, ambos se concertando — segundo consideram os supremos — para frear
os ímpetos autocráticos de Jair Bolsonaro, por que não encontrar uma solução
casuística, por que não erguer um puxadinho oportunista e fulanizado, que lhes
permita continuar à frente das casas legislativas?
Contra
o temor de um hipotético grande golpe bolsonarista, um golpe de verdade, um
golpinho virtuoso, impingido via Senado e chancelado pela corte constitucional.
Que tal? E como não projetar que o STF, deixando-se penetrar pelo que supõe
jeitinho pontual e por boa causa, estará forjando as condições para o
arrombamento de reeleições infinitas no Parlamento?
A
estratégia golpista é engenhosa; e terá como fundamento — tudo assim indica — o
Supremo liberando ao Congresso, como se matéria interna corporis, o condão de
decidir sobre as eleições de suas mesas diretoras.
O
STF lava as mãos, pautado pelos interesses da política. Adotará — ministros já
vazaram a tática — a postura cínica, covarde, de alegar que a ação do PTB
consistiria numa espécie de consulta prévia; a respeito, pois, de algo ainda
não ocorrido, um caso hipotético, sendo impossível, por falta de concretude,
tratar do mérito. Balela! Mas também puro adiamento; sendo questão de tempo até
que se tenha de deparar com uma chuva de reclamações, quando o golpe já estiver
aplicado, e o tribunal for obrigado a se lembrar da Constituição.
O
STF lavará as mãos. Se entender — já entendeu, todos entendidos — que o assunto
é de alçada do Parlamento, dirá que o desejo de Alcolumbre poderá prosperar
driblando a única maneira republicana de postular o direito à reeleição numa
mesma legislatura: uma emenda constitucional — para a qual seriam necessários
três quintos do Congresso. Se decidir, portanto, que Alcolumbre pode chegar lá
sem uma PEC, por meio de um golpe mesmo, dirá que lhe bastaria providenciar uma
revisão do regimento interno do Senado; para o que precisaria de maioria
simples entre os pares.
Ah, os pares... Alcolumbre os trata como bocós. Os senadores, contudo, não protestam. Talvez até gostem do balé desse golpe sui generis; dado que endossam a agenda personalista de um presidente do Senado que, para conseguir a prerrogativa de se reeleger, sumiu do Congresso, tirando o pé de qualquer bola dividida e abandonando a Casa ao apagão. Um presidente do Senado que, para não desagradar ao Supremo de que tanto depende, escondeu-se de ser presidente do Senado. Um presidente do Senado que abandonou a presidência que formalmente exerce para lutar, ao custo do Parlamento de hoje, por uma presidência futura.
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