Ao
rechaçar extremismos ideológicos e optar por candidaturas de centro, o eleitor
deu uma eloquente manifestação de confiança na política
O
resultado das eleições de 2020 revela, de forma contundente, um eleitor capaz
de repensar escolhas políticas feitas em um passado recente, em especial, as
propostas do bolsonarismo e as do lulopetismo. O eleitorado mostrou-se
inclinado a superar a visão da política como terra arrasada pela corrupção,
que, de tão difundida por integrantes da Lava Jato, chegou a ganhar nome
correspondente: o lavajatismo.
Aos que anunciaram, depois das eleições de 2018, a morte da chamada política tradicional, o pleito deste ano mostrou que velhos partidos políticos podem ainda ter especial força e representação. Quando são capazes de apresentar candidatos e propostas consistentes, legendas há muito conhecidas continuam tendo apelo entre os eleitores. Basta ver que os cinco maiores partidos, em porcentual do eleitorado governado por seus prefeitos, foram PSDB, MDB, DEM, PSD e Progressistas (ex-PP).
O
PSDB elegeu 533 prefeitos, que governarão cerca de 17% do eleitorado a partir
de 2021. Em seguida está o MDB, cujos prefeitos eleitos governarão cerca de 13%
da população. Além de ser campeã em número de prefeituras conquistadas (803 ao
todo), a legenda conquistou neste ano cinco capitais: Porto Alegre, Goiânia,
Teresina, Boa Vista e Cuiabá.
Outro
destaque das eleições de 2020 foi o DEM, partido com maior crescimento em
número de prefeitos eleitos. Em 2016, conquistou 277 prefeituras. Agora, foram
476, a representar cerca de 12% do eleitorado. A principal vitória do antigo
PFL ocorreu na cidade do Rio de Janeiro. No segundo turno, o ex-prefeito
Eduardo Paes ganhou do prefeito Marcelo Crivella, que tentava a reeleição com o
apoio do presidente Jair Bolsonaro. O DEM ganhou ainda as prefeituras de
Salvador, Curitiba e Florianópolis.
O
PSD e Progressistas também cresceram nas eleições deste ano. Junto ao DEM, os
três partidos devem governar quase um terço do eleitorado (32%). Em 2016, as
prefeituras conquistadas pelas três legendas representavam cerca de 17% do
eleitorado.
Esses
resultados contrastam com os números do bolsonarismo e do lulopetismo. Ao longo
da campanha eleitoral, o presidente Bolsonaro pediu voto para 16 candidatos a
prefeito. Apenas quatro se elegeram – Tião Bocalom em Rio Branco (AC), Roberto
Naves em Anápolis (GO), Gustavo Nunes em Ipatinga (MG) e Mão Santa em Parnaíba
(PI). O PSL elegeu 92 prefeitos (1,3% do eleitorado).
Além
da rejeição ao bolsonarismo, houve também o inédito sumiço do PT na gestão das
capitais. A partir do ano que vem, nenhuma das 27 capitais do País será governada
por um prefeito petista, fato que nunca tinha ocorrido desde a
redemocratização. Nos próximos quatro anos, os prefeitos eleitos do PT deverão
governar cerca de 3% do eleitorado. Trata-se de uma situação muito diferente da
que se viu anos atrás. Nas eleições de 2012, por exemplo, o partido de Lula foi
o campeão no ranking de prefeitos por porcentual de eleitorado, com mais de
19%.
As
eleições de 2020 confirmam, assim, que para superar um extremismo ideológico
não é preciso inventar outro extremo. Não é necessário o bolsonarismo para
vencer o lulopetismo ou vice-versa. A política pode e deve oferecer outras
soluções, mais viáveis e mais responsáveis. E, como se viu nos resultados dos
dois turnos, o eleitor está atento a essas outras opções. Há amplo espaço para
a política.
Setor externo e risco Bolsonaro – Opinião | O Estado de S. Paulo
Contas
externas estão firmes, no meio da crise, mas presidente é um perigo constante
Conhecido como covarde, o capital tem buscado zonas mais seguras, no meio da crise, mas o Brasil ainda recebeu US$ 31,91 bilhões de investimento direto líquido – diferença entre ingressos e saídas – entre janeiro e outubro deste ano. Esse valor é 44,61% menor que o contabilizado nos dez meses correspondentes de 2019. A timidez do investidor também aparece claramente em outras comparações. Nos 12 meses até outubro entraram US$ 43,47 bilhões. No período encerrado um ano antes haviam entrado US$ 74,99 bilhões, 72,51% mais que no período recém-terminado.
Apesar
disso, esse dinheiro cobriu com folga, como tem ocorrido há anos, o buraco nas
transações correntes, conjunto formado pela balança comercial de mercadorias,
pela conta de serviços e pela movimentação de rendas. O déficit ficou em US$
15,35 bilhões em 12 meses e US$ 7,59 bilhões no ano, valor correspondente a
apenas 17,67% do registrado de janeiro a outubro de 2019.
Em
outubro houve superávit de US$ 1,47 bilhão. Pela terceira vez consecutiva, e
pela sexta no ano, o saldo foi positivo. Não houve buraco para ser coberto pelo
investimento direto de US$ 1,79 bilhão registrado no mês.
Também
os superávits observados em vários meses de 2020 são explicáveis pela crise
econômica ligada à pandemia. Crise, nesse caso, indica ao mesmo tempo a piora
nas condições globais e a deterioração da economia nacional.
As
exportações de mercadorias, no valor de US$ 174,77 bilhões em dez meses, foram
7,78% menores que as de um ano antes, mas o valor importado, de US$ 133,23
bilhões, encolheu ainda mais e ficou 15,44% abaixo do registrado entre janeiro
e outubro do ano passado. Disso resultou um aumento do saldo comercial, de US$
32,50 bilhões para US$ 41,54 bilhões.
O
efeito contabilmente positivo resultou, em parte, de um fato ruim. A redução do
consumo, mais intensa na fase de isolamento, e a baixa da produção industrial
diminuíram as importações necessárias ao dia a dia das famílias e à operação
das empresas. A crise também diminuiu os gastos com viagens ao exterior,
aluguel de equipamentos e outras despesas da conta de serviços. Foram afetadas,
além disso, remessas de lucros e dividendos, incluídas na conta de renda
primária.
Mas
a balança comercial de bens foi ainda favorecida por um fator positivo. As
exportações do agronegócio continuaram vigorosas e para isso contribuíram as
compras chinesas. De janeiro a outubro, segundo o Ministério da Agricultura, o
setor exportou produtos no valor de US$ 85,84 bilhões, 5,7% mais que um ano
antes, e acumulou superávit de US$ 75,46 bilhões, suficiente para garantir um
robusto saldo positivo no conjunto do comércio de mercadorias.
A
China, principal destino dessas vendas, absorveu produtos equivalentes a US$
30,76 bilhões. Logo depois da Ásia, a União Europeia ocupou entre os blocos a
segunda posição, tendo proporcionado ao agronegócio brasileiro, em dez meses,
uma receita de US$ 13,86 bilhões.
O
bom desempenho comercial do agro foi mantido, em 2020, apesar do presidente
Jair Bolsonaro, de seu filho Eduardo e dos ministros do Meio Ambiente e de
Relações Exteriores. Com sua desastrosa política ambiental, propícia a
devastações, o Executivo brasileiro confronta as políticas de governos mais
comprometidos com a preservação, fornecendo argumentos aos protecionistas.
Além
disso, o presidente Bolsonaro insistiu, até há poucos dias, em se alinhar a seu
guru Donald Trump, derrotado na recente eleição americana, contra a China. Seu
filho Eduardo, deputado federal, tem seguido a mesma linha, tendo voltado, há
dias, a postar em rede social uma provocação infantil e inteiramente
despropositada às autoridades chinesas.
Os
erros de Bolsonaro já têm afastado investidores e alimentado a instabilidade
cambial. Mas as contas externas têm resistido à crise global sem danos muito graves,
até hoje, e sem risco de problemas de solvência. Mas ninguém pode ficar
tranquilo diante da desorientação e da irresponsabilidade de um presidente
amplamente despreparado para o cargo.
A autossuficiência em trigo – Opinião | O Estado de S. Paulo
Calor
e seca ajudam a fazer do Cerrado um polo que pode duplicar a produção nacional
O Brasil está caminhando para tornar-se autossuficiente em trigo e até exportador do cereal. Nas últimas décadas, houve momentos em que, sustentado por pesquisas e estímulos, o rápido crescimento da produção do cereal, indispensável para a indústria de panificação e de massas, chegou a sugerir que o País deixaria de depender da importação do produto, principalmente da Argentina. Mudanças de políticas para a cadeia do trigo – produção, processamento, distribuição, comercialização –, no entanto, resultaram em drásticas quedas da produção após períodos de safras recordes. Desta vez, há elementos muito fortes que podem garantir crescimento rápido e contínuo da produção.
Novas
áreas de cultivo, com características de solo e de clima adequadas à
triticultura e com variedades adaptadas a essas condições e mais resistentes a
pragas, já registram produção crescente, com produtividade acima da média
nacional, e se mostram muito promissoras para a rápida expansão dessa cultura.
No Cerrado, cerca de 200 mil hectares são utilizados para o cultivo do trigo
com variedades desenvolvidas pela Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária
(Embrapa). É de lá, como mostrou reportagem do Estado, que pode vir o
grande salto da produção brasileira de trigo.
De
acordo com o mais recente Acompanhamento
da Safra Brasileira da Companhia Nacional de Abastecimento
(Conab), relativo a outubro, 2.334 mil hectares foram cultivados com trigo,
cuja produção é estimada em 6.833,7 mil toneladas. Na Região Centro-Oeste, diz
o relatório, “a cultura tem se adaptado às condições de cerrado, principalmente
após anos de investimentos e pesquisas no âmbito do melhoramento genético e no
manejo do solo, da água e da planta”. Entre as áreas que demonstraram bom
resultado nas últimas safras, a Embrapa cita Mato Grosso do Sul, Goiás e
Distrito Federal, onde a produtividade tem sido acima de 3.000 quilos por
hectare (a média da atual safra é de 2.927 kg/ha).
Já
há algum tempo, a Embrapa vem prevendo que, com o desenvolvimento das pesquisas
e a transferência de novos conhecimentos ao setor produtivo, o Brasil pode
produzir trigo além de sua demanda doméstica. Neste ano, a Conab estima o
consumo doméstico de trigo em 12.498,1 mil toneladas, e as importações devem alcançar
6.700 toneladas. Isso significa que, na atual safra, o Brasil produzirá pouco
mais da metade do que consumirá. Nos últimos anos, a produção tem ficado muito
próxima da metade do que o País consome.
A
produção nacional de trigo oscilou muito nas últimas décadas. Em alguns
momentos, como depois da segunda metade da década de 1970, o aumento se deveu
em grande medida ao avanço das pesquisas (a Embrapa Trigo foi criada em 1974).
Em outros, a medidas de proteção ao produto nacional decididas pelo governo.
Assim,
em 1988, a produção nacional respondeu por 85,9% do consumo, de 6.678.9 mil
toneladas, de acordo com estatísticas do IBGE. Foi a maior fatia que o produto
nacional conquistou do consumo doméstico. Sete anos depois, como consequência
da abertura de todo o segmento do trigo decidida pelo governo Collor, o produto
nacional respondeu por apenas 19,8% do consumo nacional de 7.756,4 mil
toneladas. Diante de novos riscos, o produtor nacional havia optado por outras
culturas.
Agora,
há condições técnicas, climáticas e econômicas muito sólidas, que tornam a
triticultura mais livre de eventuais interferências do poder público. A meta é
alcançar 1 milhão de hectares cultivados com trigo no Cerrado, área cinco vezes
maior do que a utilizada na atual safra.
Variedades
adaptadas ao clima e resistentes à brusone, doença comum na região, utilizadas
com técnicas avançadas de manejo de cultura resultam em espécies mais
tolerantes à seca e ao calor. No Sul, as chuvas podem coincidir com a colheita,
o que resulta em perda de produtividade e qualidade. No Cerrado, a seca durante
a colheita, o período de estiagem bem definido e o forte calor durante o dia
reduzem o intervalo entre plantar e colher.
Polarização foi maior derrotada nas urnas – Opinião | O Globo
Depois
de várias eleições movidas pelo ódio, o mundo da política — no bom sentido —
começa a voltar ao normal
O
resultado do segundo turno das eleições municipais em 57 cidades, entre elas 18
capitais, reforçou o desenho político de um país situado mais ao centro, de
costas para a polarização entre esquerda e direita que marcou várias eleições,
em especial a de 2018. A tendência já verificada no primeiro turno foi
confirmada nas duas principais cidades do país, São Paulo e Rio, onde o PSDB de
Bruno Covas e o DEM de Eduardo Paes derrotaram os apadrinhados de Jair
Bolsonaro e os adversários de esquerda.
É
certo que os pleitos municipais refletem realidades políticas locais, mas é
possível vislumbrar nos resultados desse segundo turno uma tendência de
aglutinação de forças que podem, em 2022, estar aliadas para enfrentar o
bolsonarismo. Algumas estão mais à direita, outras mais à esquerda. Na média,
se desenhou um equilíbrio que deixou em segundo plano o petismo e o bolsonarismo.
A
vitória do PSDB em São Paulo e do DEM no Rio faz lembrar a dobradinha que
sustentou os oito anos da gestão reformista e de estabilidade democrática de
Fernando Henrique no Planalto. Mas será preciso ver se a aliança que se esboça
entre o o governador paulista, João Doria, e o presidente da Câmara, Rodrigo
Maia, terá musculatura para superar o bolsonarismo turbinado pela proximidade
com partidos do Centrão, outro vitorioso nas eleições.
Numa
visão mais ampla, Bolsonaro saiu derrotado, mas não enfraquecido a ponto de
estar fora do jogo em 2022. Ao contrário. Continua com popularidade alta, e a
rede de apoio no bloco que o sustenta no Legislativo saiu vitoriosa. Partidos
do Centrão comandarão 45% das prefeituras, entre elas o terceiro maior PIB,
Belo Horizonte, nas mãos de Alexandre Kalil, do PSD. O PP venceu no Piauí e em
Alagoas, redutos importantes para o avanço de Bolsonaro no Nordeste. Mesmo no
partido que acumulou mais vitórias, o MDB — que a rigor não faz parte do
Centrão —, há simpatias ao bolsonarismo.
Será
preciso também saber como será a reorganização de uma esquerda diminuída (teve
o pior desempenho desde 1985) e fragmentada. O PT saiu menor, pela primeira vez
não fez prefeito em capitais. Ciro Gomes (PDT) saiu revigorado com vitórias em
Fortaleza e no Recife. O PSOL cresceu em São Paulo com Guilherme Boulos e
conquistou sua primeira capital, Belém. O PCdoB foi ao segundo turno em Porto
Alegre com Manuela D’Ávila. A divisão na esquerda favorece os adversários.
Em
todos os lados do tabuleiro, será hora do exercício intenso da política, no bom
sentido do termo. Para derrotar o bolsonarismo, as forças democráticas terão de
construir alianças na defesa de uma agenda que atraia os aliados saídos das
urnas congregados em torno do centro. Parece simples, mas haverá dificuldades.
É reconfortante, ao menos, perceber que, depois de um período de eleições
movidas pelo ódio e pela polarização, o mundo político parece estar voltando ao
normal. Não é pouca coisa.
É preciso combater a desinformação bolsonarista sobre o voto eletrônico – Opinião | O Globo
Bolsonaro
não quer melhorar um sistema excelente. Como Trump, quer semear discórdia sobre
a democracia
As
eleições de domingo deram ao presidente Jair Bolsonaro um novo pretexto para
atacar as urnas eletrônicas. Deputados bolsonaristas usaram redes sociais — sem
nenhum alerta de alegações fraudulentas — para continuar a propagar acusações
falsas, sem nenhuma prova, contra o Tribunal Superior Eleitoral (TSE).
A
verdade é que, ao longo de mais de duas décadas, jamais houve evidência de
fraude. Ao contrário. Depois de um percalço que provocou atraso no primeiro
turno, a divulgação quase imediata dos resultados do segundo levou observadores
internacionais a louvar o sistema de votação e apuração brasileiro como o
melhor das Américas.
A
inspiração óbvia para as diatribes de Bolsonaro é Donald Trump, que até hoje
não aceitou a derrota para o democrata Joe Biden. Lá como cá, o ataque aos
sistemas de votação é, na essência, um ataque à democracia. Líderes de
inclinações autoritárias como Trump e Bolsonaro testam as instituições, na
tentativa de gerar uma confusão que lhes permita ampliar seus poderes em caso
de derrota. Se colar, colou.
Nos
Estados Unidos, não colou. As lorotas trumpistas estão restritas a veículos
militantes e políticos que atrelaram suas carreiras ao “mentiroso-em-chefe”.
Por aqui, Bolsonaro parece preparar o terreno para uma eventual derrota em
2022. Só que levamos enorme vantagem sobre os americanos, já que nosso sistema
é mais ágil, mais confiável, e sua segurança vem sendo comprovada por
auditorias e eleições sucessivas. Não dá espaço a devaneios.
Ainda
assim, como afirmou o ministro Luís Roberto Barroso, presidente do TSE, “não há
remédio na farmacologia jurídica” para quem continua a crer em teorias da
conspiração. Os ataques recentes a sistemas do TSE — cuja investigação avança —
nem chegaram a atingir as urnas, que não são conectadas à rede pública. Pode-se
argumentar que, num mundo ideal, um rastro impresso para cada voto seria
desejável, por permitir auditoria posterior se pairarem suspeitas. Mas todas as
urnas eletrônicas já deixam um rastro em papel auditável, o boletim de urna,
que qualquer fiscal partidário pode conferir. E a votação impressa foi
rechaçada pelo Supremo, por custar R$ 2,5 bilhões e colocar em risco o sigilo
do voto.
Ainda
que uma ou outra urna possa falhar, nunca houve prova de fraude, muito menos em
massa como insinua Bolsonaro. Claro que, ao imprecar contra as urnas
eletrônicas, o objetivo dele não é aperfeiçoar um sistema de apuração já
excelente. Bolsonaro não quer mais segurança. Quer apenas, como Trump, semear a
discórdia. Quer disseminar a dúvida sobre a integridade da nossa democracia. É
preciso cortar esse tipo de desinformação pela raiz, para evitarmos que o
Brasil repita em 2022 a pantomima trumpista de 2020.
Estelionato sanitário – Opinião | Folha de S. Paulo
Aperto
da quarentena 1 dia após vitória tucana em SP é sinal de engodo eleitoral
Bruno
Covas (PSDB) reelegeu-se
prefeito de São Paulo com quase 20 pontos percentuais de
diferença, em votos válidos, sobre Guilherme Boulos (PSOL). Pode-se imaginar
que tal vantagem talvez estivesse em risco se medidas de quarentena contra a
Covid-19 tivessem retornado na capital antes do segundo turno que consagrou o
tucano.
O
fato é que, logo no primeiro dia após a eleição, Covas e o governador paulista,
João Doria, do mesmo partido, se apressaram a anunciar que
o estado todo retrocederá à fase amarela do Plano SP.
Deixar
o estágio verde —o mais brando na escala de cinco níveis— significa que
estabelecimentos comerciais voltam a ter ocupação limitada a 40%, com dez horas
de funcionamento e término às 22h. Escolas continuam abertas.
A
rapidez em adotar a providência permite supor que ambos os mandatários tinham
noção da gravidade prenunciada no repique da curva de Covid-19. Isso não
impediu o candidato de afirmar ainda no sábado (28), véspera da segunda rodada,
que havia estabilidade da pandemia na cidade de São Paulo.
Indícios como a alta de internações em hospitais públicos e privados já apontavam então na direção oposta. Nada se alterou tanto, em apenas 48 horas, para justificar a súbita recaída na precaução.
Postergar medidas imperativas e difíceis para depois de fechadas as urnas é um
velho vício brasileiro, a principal modalidade do famigerado estelionato
eleitoral.
Verdade
que Covas e Doria tiveram de lidar com a ainda mal explicada pane informática
no Ministério da Saúde, que recebe e totaliza dados nacionais de casos e mortes
pelo coronavírus. Foram duas semanas de falhas, provável fruto da invasão de
seus computadores.
Com
essa justificativa, o governo paulista anunciou o adiamento, para depois do
segundo turno, da revisão mensal do Plano SP marcada para 16 de novembro.
Alegou-se
que a imprecisão nas informações poderia levar cidades a progredirem para a
fase verde mesmo tendo alta indetectada. Verificou-se o inverso —uma capital de
12 milhões de pessoas demorando a reforçar o distanciamento.
Ambas
as campanhas dos adversários no segundo turno, ademais, seguiram promovendo
aglomerações para conquistar eleitores. Não surpreendeu que Boulos tenha
contraído Covid-19 precisamente nesse período.
Atrasos
têm consequências funestas. Nas próximas semanas, paulistas e paulistanos
descobrirão qual o preço, em infecções e óbitos, de ver o poder público
procrastinar medidas sanitárias inevitáveis.
Esquerda derrotada – Opinião | Folha de S. Paulo
Apesar
de novidades como Boulos, centro e direita não bolsonarista prevaleceram
O
PT perdeu menos prefeituras que o PSDB e quase tantas quanto o MDB, em termos
proporcionais. Entretanto o encolhimento petista se mostra o mais notável entre
os partidos tradicionais, e não apenas em razão dos números.
A
fria estatística, de todo modo, evidencia um desempenho muito fraco para uma
legenda que desde 1989 disputa os segundos turnos das disputas presidenciais.
O PT não
elegeu prefeito nas capitais, fato inédito desde 1985. Tanto em
quantidade de municípios quanto em população governada, a sigla ocupa agora o
vexatório 11º lugar no ranking nacional.
Em
termos simbólicos, o desempenho não foi melhor. Em São Paulo, onde costumava
ocupar posição central, ficou muito longe do segundo turno. Sua candidata de
maior relevo, Marília Arraes, no Recife, sempre foi tratada como corpo estranho
no petismo.
Na
falta de novidades no partido dominado pela figura centralizadora de Luiz
Inácio Lula da Silva, o eleitorado propenso a votar na esquerda parece ter
decidido renovar por conta própria as lideranças nesse campo político.
Apesar
da força de novos nomes como Guilherme
Boulos (PSOL), de Manuela D’Ávila (PC do B), e da vitória de
Edmilson Rodrigues (PSOL) em Belém, a esquerda em geral foi derrotada. De menos
desfavorável, o PDT de Ciro Gomes perdeu poucas prefeituras e conquistou duas
capitais, Aracaju e Fortaleza.
Quanto
ao mais, os partidos que cresceram foram os do centrão, PSD e PP em especial, e
o DEM. Apesar do declínio, o PSDB manteve
força considerável.
Embora
o centrão ora esteja em boa parte aliado a Jair Bolsonaro, o presidente também
foi derrotado. Candidatos em cidades importantes fugiam da associação com a
pauta ideológica bolsonarista. Tampouco houve vitória relevante de outsiders e
populistas.
Isso
não quer dizer, necessariamente, que a antipolítica esteja morta, menos ainda a
esquerda ou o presidente. Trata-se de uma eleição municipal, com questões
específicas e locais, disputada no momento peculiar da pandemia.
Notaram-se,
entretanto, sinais de que a população parece cansado da estridência que emergiu
em 2018 com Bolsonaro e nomes como Wilson Witzel, eleito governador do Rio —e
farto de seus fracassos ou escândalos administrativos.
Por
vezes de modo significativo, parte considerável dos votantes pareceu buscar
alternativas, mesmo na esquerda derrotada. Ainda assim, na dúvida e na falta de
maiores novidades, o eleitor na média preferiu ser conservador.
Centro-direita deve dar o tom das próximas eleições – Opinião | Valor Econômico
Bolsonaro
ainda acha que seu principal inimigo será o PT. Pode estar enganado
Mal
contados os votos, o prefeito Bruno Covas, que comandará por mais 4 anos a
maior cidade do país, comemorou: “Restam poucos dias para o negacionismo e o
obscurantismo”. Covas disse o que não fez durante a campanha, nacionalizar a
disputa, mas sugeriu que a corrida para o Palácio do Planalto foi aberta. A
distribuição das forças políticas nas eleições municipais é um dado
significativo para desenhar alguns roteiros possíveis até outubro de 2022.
Eleições
presidenciais trazem outras motivações para o voto, mas os eleitores estarão
sob alguma influência dos agora prefeitos e da boa ou má gestão que fizerem até
lá. A julgar pelos resultados das urnas, dificilmente os ventos soprarão a
favor da esquerda. Houve um avanço expressivo dos partidos que apoiam o
presidente Jair Bolsonaro e que poderão acompanhá-lo na busca da reeleição. Mas
a definição dos vencedores nas 95 maiores cidades trouxe nuances importantes.
Os vencedores nos centros urbanos, que dão molde às opções políticas, foram
PSDB, MDB e DEM. Juntos, governarão 45 milhões de pessoas, do universo de 88
milhões que somam este grupo de municípios - a metade do eleitorado brasileiro.
A
conta do número de prefeituras conquistadas fica em segundo plano porque iguala
portes e influência política. Nesse cômputo, o PSDB é o que mais perdeu
prefeituras (284), mas ainda é o que terá mais pessoas sob seus governos, 34,1
milhões. O MDB foi o segundo que mais perdeu, mas é ainda o líder em número de
prefeituras e o segundo em população sob suas administrações - 26,1 milhões.
Com o DEM, comandarão cidades com 84,6 milhões de pessoas, a metade do
eleitorado.
Estas
eleições desconcentraram o voto e é importante saber para onde migraram. O DEM
foi o que mais cresceu, mas em seguida aparecem o PP, PSD (Kassab),
Republicanos, Podemos, Avante, PSL e PL. Houve um impulso grande dos partidos
do centrão, que venceram em 45% dos 5.570 municípios do país.
Dessa
forma, do campo da centro-direita podem emergir dois concorrentes ao Planalto.
PSDB, DEM e MDB participaram de frentes e seriam os participantes naturais de
uma candidatura conjunta contra o continuísmo de Jair Bolsonaro que, no
entanto, é apoiado pelo centrão. O destino de Bolsonaro dependerá de sua
habilidade em conduzir bem a economia e fazer uma administração razoável até o
fim do mandato para que se lance à reeleição com 20% a 25% de apoio na largada.
Em dois anos de governo, Bolsonaro foi inábil e sua gestão, caótica e
ineficiente.
Como
a crise econômica não irá embora tão cedo, e uma segunda onda de covid-19 se
aproxima, a inoperância do presidente pode em tese afastar até mesmo o centrão
adesista, se constatarem ao longo do caminho que Bolsonaro perdeu a
“perspectiva de poder”.
Na
centro-direita tradicional, o PSDB está acostumado a encabeçar chapas e levar
consigo o DEM, ex-PFL. O MDB, por seu lado, não tem o hábito de lançar chapa
própria ou encabeçar alguma. Resta ainda a dúvida sobre o PSD de Gilberto
Kassab, com seus 23,5 milhões de pessoas sob seus governos. Como ele “não é de
direita, centro ou esquerda”, como definiu seu fundador, é possível especular
que ele colocará pés em várias canoas e pulará depois para a melhor. O PSD
apoia pautas de Bolsonaro e Kassab é membro licenciado do governo de João
Doria, rival do presidente.
A
esquerda encolheu - governará 11,34 milhões de pessoas. O PT foi desalojado das
capitais - pela primeira vez desde 1985 - e ganhou só 4 cidades das 94 maiores.
Em São Paulo teve a pior votação da sua história. O PCdoB declinou de 82 para
46 prefeituras. O PDT segurou-se em Fortaleza e Aracaju, e o PSB venceu em
Recife, Maceió e Campo Grande.
A
possibilidade de uma união da esquerda, vista no segundo turno de Guilherme Boulos
(Psol), que arrancou 2,16 milhões de votos (40,6%), depende de uma improvável
autocrítica do PT e de a legenda concordar em ceder a cabeça de chapa para
outros grupos de esquerda. A influência de Lula após a prisão não impediu nova
derrocada do partido nas urnas, mas foi grande para impedir frentes em busca da
prefeitura paulistana.
Se o PT não mudar, há chance de mais de uma chapa de esquerda o que, com a eventual divisão na centro-direita, tornaria a passagem de Bolsonaro para o segundo turno provável. Bolsonaro ainda acha que seu principal inimigo será o PT. Pode estar enganado, assim como achou que não precisaria de um partido para nada. Precisa agora de vários, e o preço não será pequeno.
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