quarta-feira, 17 de setembro de 2025

Palavra de Bolsonaro tem grau especulativo. Por Fernando Exman

Valor Econômico

Não há garantia de que a palavra do ex-presidente Bolsonaro será mantida até o fim

A perspectiva de que a condenação de Jair Bolsonaro (PL) abre caminho para uma candidatura presidencial do governador de São Paulo, Tarcísio de Freitas (Republicanos), gera euforia em setores do mercado e do Centrão. Nesses círculos, a tese é que as circunstâncias levarão Bolsonaro a sentir-se impelido a antecipar a chancela ao aliado e, assim, consolidá-lo como o nome do bolsonarismo e da centro-direita para 2026. Mas alto lá. A hipótese é fundamentada em uma premissa questionável, ou seja, que Bolsonaro cumpre acordos políticos.

Dois exemplos mostram o oposto. O primeiro ocorreu em meados de 2021, quando o então presidente da Câmara dos Deputados, Arthur Lira (PP-AL), decidiu colocar em votação a PEC do Voto Impresso. Na época, em momento de crescente tensão entre os Poderes e, segundo a denúncia da Procuradoria-Geral da República (PGR) início da trama golpista, Lira disse ter obtido de Bolsonaro o compromisso de que a decisão do plenário da Casa seria respeitada.

Era uma forma de virar a página, esvaziar o discurso golpista e os seguidos ataques ao Supremo Tribunal Federal (STF) e ao Tribunal Superior Eleitoral (TSE).

Deve-se recordar que no dia da votação ocorreu o lamentável desfile de blindados da Marinha na Esplanada dos Ministérios, ladeando o Congresso Nacional. A Força sustentou que a movimentação não tinha relação com pauta da Câmara, porém o episódio provocou repúdio entre parlamentares e ministros do Supremo - além de expor a obsolescência dos veículos, que soltavam bastante fumaça.

Mas a pressão do Palácio do Planalto foi insuficiente. Eram necessários 308 votos para aprovar a PEC do voto impresso, e os bolsonaristas só conseguiram reunir o apoio de 229 deputados. Apesar da derrota, o combinado não foi respeitado: poucas horas depois, o então presidente da República voltava a questionar a lisura das urnas eletrônicas.

Sobraram questionamentos a Lira sobre sua decisão de levar ao plenário uma PEC que já havia sido rejeitada na comissão especial que tratara do tema. Afinal, nada iria garantir que o chefe do Poder Executivo cessaria sua retórica golpista.

Há outro exemplo mais fresco na memória de analistas e lideranças de partidos de centro. E este diz respeito à última campanha municipal.

Jair Bolsonaro agiu de forma bastante errática na eleição para prefeito de São Paulo no ano passado, uma hora apoiando a reeleição do prefeito Ricardo Nunes (MDB) e em outros momentos se aproximando do influenciador Pablo Marçal (PRTB).

Logo de cara, o ex-presidente exigiu que a indicação do vice na chapa de Nunes fosse sua, o que acabou ocorrendo com a escolha do coronel Mello Araújo. No entanto, como o emedebista avançava aos poucos nas sondagens, começou a campanha mantendo distância do prefeito.

Para Nunes, é bom dizer, não era um mau negócio. O apoio de Bolsonaro lhe garantia votos importantes à direita, mas, por outro lado, a sua presença em palanques poderia levar à perda dos eleitores que rejeitavam o radicalismo personificado pelo ex-presidente.

Com o avanço de Nunes nas pesquisas, contudo, Bolsonaro mudou de postura e tentou se incluir entre os vitoriosos. Chegou a fazer uma aparição surpresa, por vídeo, em um jantar de apoio ao prefeito. A ligação ocorreu uma semana depois de Bolsonaro afirmar que ainda era muito cedo para entrar de forma massiva na campanha do emedebista.

Pouco antes, o então presidente já tinha dado uma entrevista elogiando Marçal. Disse que Nunes não era o seu candidato dos sonhos e, nos bastidores, alertava que uma eventual derrota do prefeito prejudicaria a imagem de Tarcísio no Estado.

No entanto, o crescimento da popularidade do influenciador na direita assustou a família Bolsonaro. Preocupados em perder o poder de influência sobre uma parcela relevante de eleitores, o então presidente e seus filhos passaram dos elogios ao ataque.

Um ponto de inflexão ocorreu quando Marçal foi às redes sociais e escreveu uma mensagem de apoio a Bolsonaro, chamando-o de capitão. “Como você disse: eles vão sentir saudades de nós”, emendou o empresário, que devido à sua péssima conduta na campanha ficou inelegível.

Bolsonaro respondeu com uma pergunta irônica. “Nós? Abraços”. E logo foi rebatido por Marçal: “Isso mesmo presidente. Coloquei 100 mil na sua campanha, te ajudei com os influenciadores, te ajudei no digital, fiz você gravar mais de 800 vídeos. Por te ajudar, entrei para a lista de investigados da PF [Polícia Federal]. Se não existe o nós, seja mais claro”.

Entre os que presenciaram essas histórias, fica a mensagem de que Tarcísio pode estar se fiando em um ativo de elevadíssimo grau especulativo.

Interlocutores do governador de São Paulo podem argumentar que na política é importante mostrar-se fiel a um antigo aliado em momentos difíceis. E isso de fato é valorizado no Congresso e pelos dirigentes dos partidos políticos.

Pode-se dizer também, como mostrou o Valor, que a Tarcísio interessa fazer o possível agora para tirar esse assunto do caminho no futuro, caso seja eleito presidente em 2026. Mas, ainda assim, o histórico indica que ele não terá a garantia de que a palavra de Bolsonaro será mantida até o fim.

 

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