O Globo
'Não é simplesmente que deputados e
senadores queiram a reeleição. O que se quer reeleger é o arranjo; o domínio
sobre o Orçamento'
As eleições chegam e concentram as
atenções; como se a atividade pública, de resto suspensa, só existisse na
dimensão das campanhas eleitorais. É erro. Há um governo. Um cujos movimentos
todos são por continuar governo. Há um governo pela reeleição. Não somente um
presidente em busca de se reeleger. Note-se a diferença; a que estabelece o
vale-tudo. Há um governo se alargando, colhendo — ainda mesmo plantando, à
margem do que tiver sobrado da lei eleitoral.
Há um governo sem limites, que maquia
postos de gasolina para forjar deflação ao mesmo tempo que estimula
artificialmente o consumo e contrata endividamento e inflação prolongada.
Contrata juros altos por mais tempo, juros que já impõem que brasileiros pobres
e de classe média distratem financiamentos pela casa própria. Não está boa a
vida de quem vai ao mercado. Boa está a dos generais, comendo antes do povo.
Há um governo — militar, lembre-se — pela reeleição. E ainda alguns meses, até dezembro, para que opere, aberta a porteira — arrombada — pela PEC Kamikaze. A boiada passa. Está passando.
Há também uma legislatura em curso. Não
apenas parlamentares à cata de novo mandato. Uma legislatura cujos imperadores
querem manter a rédea sobre o fluxo da boiada. Nunca uma legislatura teve donos
tão explícitos. O Parlamento ratificador da vontade de meia dúzia de barros.
Não é simplesmente que deputados e
senadores queiram a reeleição. O que se quer reeleger é o arranjo; o domínio
sobre o Orçamento. Daí que haja um Congresso capaz de barbarizar a
Constituição. Um que impôs ao país estado de emergência para que pudéssemos
todos ser doadores compulsórios da campanha de Bolsonaro e seus liras.
Há um governo. Há uma legislatura. Há a
Codevasf. O Dnocs. Um monte de codevasfs e dnocs. E orçamentos secretos —
muitos bilhões em interesses — pendurados também para quando a eleição passar.
Há um governo. Há uma legislatura. Há o que
se está operando agora. O que se operará de aqui até o final do ano. E há o que
já se operou, revelado diariamente pelo jornalismo. Olho vivo. A boiada já
passou.
O governo do populista Bolsonaro não é
somente autoritário, encarnação de um projeto de poder autocrático. Há outras
formas, complementares, de minar a República. Não apenas o investimento
constante contra a credibilidade das instituições. Também a tomada do Estado,
da corda e da caçamba, por agentes que controlam a gestão do Orçamento, os
órgãos públicos ou as prefeituras contratadores de obras e as empresas privadas
que as executarão. Está tudo dominado; e a galera vai além, avançando até sobre
a carne mais marcada.
Não será fácil, não sem muita cara de pau,
acusar as tantas corrupções petistas. Veja-se a Petrobras, a casa do petrolão,
símbolo do assalto promovido no passado, ora sob intervenção e já reaberta à
aparelhagem pelos mesmos atores cujos repertórios resultaram, por resposta, na
atual política de governança.
Penso na sociedade firmada entre Planalto,
entre Jair Bolsonaro, e o consórcio parlamentar liderado por Arthur Lira e Ciro
Nogueira. Há o governo. Há essa legislatura. E há a sociedade. É a sociedade o
que se trabalha por reeleger. Se os negócios vão bem, se mandamos no Fundo
Nacional de Desenvolvimento da Educação, não haverá problema em que nosso sócio
atente contra a República. Atentamos contra a República nós também, os que
viemos para amortecer. O amortecedor hoje radicalizado a ponto de que haja
dúvida sobre se não será Carlos Bolsonaro a lhe escrever os tuítes.
Se vão bem os negócios, por que não
radicalizar — bolsonarizar — pelas Funasas, pelos FNDEs, e otimizar os
resultados? Pelo Dnocs, vale. Cavar poços e mais poços; e não entregar água.
Vale. Poços sem bomba, ou com bombeamento insuficiente, e tocar a furar outros.
Pela Codevasf, vale. Por que não compor os esforços por desacreditar o sistema
eleitoral, se posso me infiltrar novamente na Petrobras? Por que não integrar o
centro propagador da descrença vacinal, se é possível transformar a
“força-tarefa das águas” pelo semiárido nordestino em força-tarefa da mamata?
A República também se dilapida assim. O
dinheiro que voa — via orçamento secreto — para órgãos estatais dominados
regionalmente por tronco graúdo plantado desde Brasília, ou para prefeituras
tocadas por laranjas dessa madeira robusta. Contratadas empresas de fachada, às
vezes de amigos, não raro parentes, a serviço dos senhores da grana pública. A
obra, superfaturada, começa. Não termina; ou termina mal. Outra obra se inicia.
O dinheiro acaba. Sobra, mas acaba. Acaba, mas fica. Morou?
A mamata iria acabar. Mas ficou. Paulo
Guedes ficará também. Se for para assegurar a permanência de Bolsonaro,
Nogueira-Lira e Guedes, ordem, business e progresso, os empresários patriotas
do zap já informaram que, contra a irresponsabilidade fiscal e a roubalheira do
PT, topam o golpe. Haja coração (de Dom Pedro I)! E formol.
Um comentário:
Um zumbi genocida foi entrevistado ontem no Jornal Nacional. Incorporou o espírito do Pinóquio pra compensar sua falta de humanidade e sensibilidade. O coração do D. Pedro I está mais funcional que o do miliciano mentiroso!
Postar um comentário