Valor Econômico
Planejamento, palavra maldita, precisa
voltar à discussão
Quase um ano atrás, apontamos aqui alguns
temas básicos na área da economia que exigiriam definições claras dos
candidatos à sucessão presidencial, entre eles o teto de gastos, a reforma
tributária e a emergência ambiental.
Agora que a campanha começou, chegou a hora
de aprofundar a discussão. Já está claro que o teto de gastos, seja quem for o
eleito, está com os dias contados e terá de ser substituído por outro
mecanismo. Ele é uma trava ao crescimento e já foi desmoralizado seguidas
vezes.
Forma-se também um quase consenso a favor de uma reforma tributária que aumente mais a taxação sobre impostos diretos, como o Imposto de Renda, e menos a dos indiretos, que atingem principalmente os pobres. Existe entendimento ainda a respeito da necessidade de taxação de dividendos.
Não há discordância entre os candidatos,
exceto para negacionistas, sobre a obrigatoriedade da formulação de uma nova
política ambiental, que retire o país da vergonhosa posição em que se colocou
no cenário internacional.
Os temas citados acima, além do combate à
fome, pobreza e desigualdade, praticamente deixaram de ser polêmicos. Mas eles
se referem a problemas emergenciais da vida brasileira. Sua solução temporária
pode se dar com remédios paliativos, que atenuem apenas os sintomas da
enfermidade. Se de fato pretendem curar a doença brasileira, que se chama
estagnação e já dura quatro décadas, os candidatos precisam aprofundar as
propostas.
Em português claro, cabe uma pergunta aos
candidatos e seus assessores: vocês vão manter os princípios neoliberais do
Estado mínimo, da austeridade fiscal rigorosa, das privatizações, em resumo, da
ideia de que o livre mercado pode levar o país ao desenvolvimento? Ou vão
apostar na ação do Estado como indutor do desenvolvimento, com todas as
implicações que essa aposta pode trazer?
Em seu livro “Estado &
Desenvolvimento”, lançado no mês passado pela Editora de Cultura, o jornalista
e escritor Fausto Oliveira aborda esse tema de forma didática e com viés
progressista. Sugere que “é preciso construir uma nova ideia de Estado
desenvolvimentista e deixar para trás a velha polêmica de que a presença
estatal na economia é prejudicial - coisa de comunista”. Oliveira propõe a
colaboração entre Estado planejador e empresas privadas.
O ideário liberal, segundo o autor, não é inteiramente descartado na visão desenvolvimentista contemporânea, que caminha para um equilíbrio entre funções do Estado e do mercado. É algo diferente da visão liberal atual, que propõe reformas, austeridade fiscal e encolhimento do Estado, considerado um estorvo.
Trata-se, portanto, de reintroduzir nas
discussões dos aspirantes à Presidência, além dos problemas emergenciais, uma
palavra que se tornou maldita na era neoliberal: planejamento. O Estado
desenvolvimentista, com foco no planejamento de médio e longo prazo, observa
Oliveira, não é experiência necessariamente autoritária. Essa conotação,
comumente difundida por alguns debatedores liberais, se deve a conclusões
apressadas, baseadas em processos de desenvolvimento estabelecidos em certos
países de regime autoritário.
Setores empresariais, colonizados há
décadas pelas ideias neoliberais defendidas pelo setor financeiro, se dão conta
de que o processo de desindustrialização e estagnação não será revertido sem a
volta do Estado planejador.
No curto manifesto “Em defesa da democracia
e da justiça”, liderado pela Fiesp e assinado por 107 entidades, a palavra
desenvolvimento aparece três vezes. Carta enviada a candidatos à Presidência
por industriais de refrigeração, ventilação e aquecimento (Abrava-Sindipar)
sugere que o próximo governo terá de propor um “projeto de país”. Empresários
da Abdib (setores de infraestrutura e de base) propõem que o país precisa de
programa estratégico de desenvolvimento que transcenda a participação da
iniciativa privada, com maior presença do Estado. “Não existe país que tenha só
a iniciativa privada tocando projetos em transporte e logística (...) e o BNDES
tem que ser uma instituição de fomento como já foi no passado”, disse a “O
Estado de S. Paulo” o presidente da Abdib, Vanilton Tadini.
No governo atual, que encolheu o BNDES, até
o Ministério do Planejamento foi extinto, na suposição de que o setor privado,
guiado pelo mercado, pode direcionar o crescimento e enriquecer o país.
Que o Brasil precisa de um novo ciclo de
industrialização, isso não se discute. Mas como seria esse ciclo? Fausto
Oliveira observa que não bastará reativar certas indústrias do passado. Será necessário
buscar inserção em novas tecnologias para adentrar novos setores e novas
cadeias de comércio internacional.
O Estado desenvolvimentista contemporâneo,
segundo Oliveira, deve ter como objetivo a formação de redes produtivas
complexas em seus territórios. E a maneira que vem sendo concebida para a
realização desse novo trabalho é o conceito de “missão”. As “missões” seriam
projetos específicos, flexíveis e múltiplos, que comportem grande variedade de
agentes públicos e privados, além de científicos, educacionais, sociais e
financeiros.
Uma das missões seria instalar uma
neoindústria biológica assentada sobre os biomas Amazônia, Cerrado, Pantanal e
Semiárido. Outra buscaria a substituição das importações do agronegócio, de
equipamentos, química e sistemas de controle (satélites, drones etc.). Outra
seria a indústria aeroespacial, a partir do polo de São José dos Campos. Outra,
ainda, surgiria no setor das tecnologias de eletrificação, porque o país ainda
tem boa produção de motores elétricos, transformadores, baterias e outros
equipamentos. Oliveira cita também indústrias da defesa, farmacêutica e saúde.
O lançamento dessas “missões” depende da
ação do Estado planejador. Não dá para deixar a tarefa apenas com o setor
privado, principalmente do capital estrangeiro. Sobre isso, vale lembrar uma
declaração feita ao Valor no ano passado pelo economista
americano L. Randall Wray, ao ser indagado sobre seu apoio à volta do
planejamento. “Toda economia é planejada. A questão é quem planeja e quem se
beneficia”. E o planejamento em geral não está nas mãos dos representantes
eleitos. Uma vez empossados, eles o entregam a Wall Street, nos EUA, e à Faria
Lima, no Brasil.
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