terça-feira, 23 de agosto de 2022

O que a mídia pensa - Editoriais / Opiniões

Editoriais / Opiniões

Um valor popular

Folha de S. Paulo

Em mais de 30 anos de pesquisas, Datafolha atesta o enraizamento da democracia

O autoritarismo em voga no Ocidente procura atribuir aos interesses egoístas de uma pequena elite a defesa dos valores da democracia liberal. Seria uma forma de esse grupo minoritário manter seus privilégios, a contrapelo dos anseios da maioria da população.

Uma série de pesquisas realizadas pelo Datafolha desde 1989 fulmina essa mistificação. O instituto mostra que o apoio à democracia como a melhor forma de governo sempre foi prevalente entre os brasileiros e veio se tornando francamente majoritário conforme os anos se passaram. Quanto mais se experimenta o regime, mais ampla, profunda e firme é sua aceitação.

Os pesquisadores que foram a campo na semana passada colheram a preferência irrestrita pelo sistema democrático de três em cada quatro entrevistados no país. O indicador retomou o nível mais elevado dos 33 anos em que a mesma pergunta tem sido realizada.

Já o movimento dos que entendem ser melhor a ditadura em algumas circunstâncias descreveu a trajetória oposta nesse longo período. A ideia chegou a ser apoiada por 23% em setembro de 1992, mês em que a Câmara dos Deputados abriu o impeachment do presidente Fernando Collor de Mello, mas agora recebe o endosso de apenas 7%, a cifra mais baixa já atingida.

Esse índice diminuto de concordância com uma aventura autoritária atravessa todos os estratos de renda e escolaridade e se verifica nas cinco regiões. A democracia no Brasil, portanto, tornou-se um valor genuinamente popular.

Por isso os reiterados cabeceios golpistas do presidente Jair Bolsonaro (PL) dão invariavelmente em nada. A centelha cesarista não encontra substrato na sociedade para se propagar. Ou ele obtém mais votos que seus adversários em outubro, e por essa via o segundo mandato, ou vai para casa. Não existe uma terceira opção.

Não por acaso, o efeito de investir na baderna detectado nas pesquisas é a perda de apoio popular, o que distancia o presidente do objetivo de permanecer no Planalto.

Talvez com olhos nessa equação Bolsonaro esteja sugerindo que irá se comportar neste 7 de Setembro mais como candidato comum do que como o arruaceiro subversivo de 2021. Sua afirmação no sábado (20) de que respeitará o resultado das urnas caso perca, a despeito de não refletir os seus instintos, também homenageia o realismo.

Será muito melhor para o país, obviamente, se ocorrer o ritual civilizado da aceitação da derrota.
Mas vale frisar que o ordenamento democrático brasileiro, porque enraizado nas instituições e nos valores da população, vai se impor mesmo na eventualidade de o candidato derrotado recusar-se a reconhecer o vencedor.

Gargalos do ensino

Folha de S. Paulo

Deficiências da educação em SP demandam propostas mais palpáveis dos candidatos

Aquele que triunfar na eleição para o governo do estado de São Paulo terá desafios consideráveis a enfrentar no campo da educação, parte deles agravada pela pandemia.

A questão mais urgente é recuperar o aprendizado perdido no período em que as escolas ficaram fechadas. Como mostrou o último Saresp (sistema de avaliação do rendimento), os estudantes dos 5º e 9º ano do ensino fundamental e do 3º ano do ensino médio da rede estadual apresentaram retrocesso em língua portuguesa e matemática.

Os dados mais preocupantes vieram dos concluintes do ensino médio, cujas notas nas duas disciplinas foram as menores desde que o exame foi implementado, em 2010.

Nos últimos anos, a rede paulista também perdeu a liderança nacional no Ideb (Índice de Desenvolvimento da Educação Básica) nessa fase do ensino, aparecendo, na edição mais recente, em quinto.

Outra questão concernente à última etapa da educação básica diz respeito à implementação de seu novo modelo, que aumenta a carga horária e permite ao aluno escolher parte das disciplinas. Colocada em prática neste ano, a reforma vem conhecendo algumas dificuldades em São Paulo.

No primeiro bimestre, por exemplo, cerca de um quinto das aulas dos itinerários formativos (que complementam o currículo comum) do segundo ano do ensino médio da rede estadual não tinham sido atribuídas a nenhum professor —usaram-se aulas gravadas.

Por fim, é fundamental seguir ampliando o número de escolas em tempo integral. Estas, que em 2019 eram 364, hoje somam 2.050, abarcando 24% dos alunos.

Contudo, à diferença do modelo implementado em Pernambuco, que se tornou um paradigma, o sistema paulista não ampliou, no tempo extra, a carga básica de português e matemática, que permanece a mesma das escolas regulares —algo que merece análise mais aprofundada dos candidatos.

Ao menos quanto a esse tópico, os programas de governo dos principais candidatos ao Bandeirantes —Fernando Haddad (PT), Tarcísio de Freitas (Republicanos) e Rodrigo Garcia (PSDB)— não parecem à altura do tema. Se todos se mostram favoráveis à expansão do ensino integral, os planos apresentados soam genéricos e superficiais.

Espera-se que, com o começo da campanha, tais ideias venham a ser aprimoradas e resultem em propostas que, de fato, possam contribuir para o ensino público.

Vergonha brasileira

O Estado de S. Paulo

O caso do menino que ligou para a polícia pedindo ajuda, pois a família não tinha o que comer, deveria vexar todo o País, sobretudo quem tem poder de acabar com a fome, e não o faz

Com voz firme e clareza incomum para a idade, o menino Miguel, de 11 anos, assombrou o País por sua coragem e maturidade ao ligar para a polícia e pedir ajuda para ele e a família, que passavam fome. Foi no dia 2 de agosto, na região metropolitana de Belo Horizonte, mas poderia ser em qualquer dia e em qualquer um dos muitos lugares em que sobrevivem os milhões de brasileiros em situação de insegurança alimentar. 

A fome, que costuma surgir somente em razão de catástrofes naturais ou de guerras, aparentemente começa a tornar-se parte do cotidiano do Brasil, um país que não sofreu nenhuma catástrofe natural recente nem está em guerra. Aos poucos, os brasileiros parecem se acostumar com essa tragédia, e a vida segue – até que um menino de 11 anos decide fustigar a consciência do País.

“Ô seu policial, aqui, é por causa que aqui em casa não tem nada pra gente comer e eu tô com fome. Minha mãe só tem farinha e fubá pra comer”, disse o menino em seu telefonema desesperado para o serviço 190 da Polícia Militar. Desconfiados de que se tratava de maus-tratos, os policiais foram à casa do menino e lá se chocaram com a realidade. A família passava fome havia pelo menos três dias. “Minha mãe estava chorando”, explicou o menino mais tarde, em entrevistas nas quais contou por que tomou a iniciativa de ligar para a polícia.

Naquele instante, a fome ganhou rosto e voz de criança – em quem se costumam depositar as esperanças de uma nação. Se uma criança passa fome, e se essa criança deve ela mesma tomar a iniciativa de procurar ajuda, significa que a nação fracassou em todos os aspectos. Em países decentes, as crianças nem passam fome nem precisam amadurecer antes do tempo para encontrar maneiras de sobreviver. Em países decentes, governos e sociedades investem tudo o que podem no desenvolvimento de suas crianças, tratando-as, em primeiro lugar, como sujeitos de direitos. Em países decentes, as autoridades não dormem tranquilamente se houver crianças com fome.

O Brasil, dono de uma das maiores economias do mundo, e orgulhoso de sua imensa capacidade de produzir alimentos, deveria considerar inaceitável que um único menino brasileiro não tenha o que comer. No entanto, a despeito dos vergonhosos números da insegurança alimentar, o País parece mais empenhado em discutir o preço dos combustíveis, a confiabilidade das urnas eletrônicas e o papel dos militares nas eleições. Ademais, enquanto poucos políticos se dedicam a enfrentar o drama da fome, e quando o fazem é quase sempre de maneira calculista, não faltam interessados no rateio das bilionárias verbas do orçamento secreto para seus redutos eleitorais. Em meio à balbúrdia estéril daqueles que fazem três refeições por dia e só deixam de comer quando estão de dieta, o telefonema de um menino de 11 anos pedindo socorro à polícia porque estava com fome é um tapa na cara.

A eleição de outubro deveria ser a oportunidade para discutir mecanismos de curto e médio prazos para enfrentar essa calamidade. Os candidatos deveriam se sentir obrigados a detalhar o que pretendem fazer imediatamente, a partir do instante da posse como presidente, a respeito disso, pois nada pode ser considerado mais prioritário. E os candidatos deveriam ser obrigados a dizer o que pretendem fazer para que essa situação jamais volte a ocorrer. Ou seja: não merecem o voto aqueles candidatos que se orgulham de investir em programas de ajuda aos mais pobres que apenas se prestam a alimentar uma clientela eleitoral, sem mudar substancialmente a realidade. Por outro lado, candidatos que propuserem uma sólida política de inclusão, que não se limite a transferir renda para evitar a miséria e que invista em educação pública como prioridade real do País, deveriam ter a atenção do eleitor.

É preciso, portanto, que o País, se tem verdadeiro apreço por si mesmo, não fique indiferente ao pedido de socorro do menino Miguel, pois essa criança, como tantas outras em situação semelhante, não pode ser privada do mais básico da vida em sociedade. 

Gastar mais, mas cuidar do Tesouro

O Estado de S. Paulo

Principais candidatos prometem aumentar os gastos em 2023, mas deveriam preocupar-se também com a segurança das contas públicas e a qualidade da gestão fiscal no longo prazo

Poderia ser a pobreza, o desemprego, a má educação ou a estagnação econômica, mas o primeiro grande alvo a ser atacado pelo presidente recém-eleito, em 2023, pode ser mesmo o teto de gastos. Gastar mais é uma bandeira comum a vários candidatos à Presidência da República. Diante desse fato, especialistas em contas públicas têm-se concentrado em defender critérios mínimos para impedir a devastação das finanças do governo. Embora prevaleça a agenda social, será preciso sinalizar compromisso com o equilíbrio fiscal, segundo a economista Vilma da Conceição Pinto, diretora da Instituição Fiscal Independente (IFI), entidade ligada ao Senado, e ex-pesquisadora da Fundação Getulio Vargas (FGV). O ex-secretário do Tesouro Nacional Mansueto Almeida, hoje economista-chefe do BTG Pactual, defende moderação no dispêndio adicional e obtenção de superávit primário no próximo ano. O saldo primário é a diferença entre despesas e receitas com exclusão da conta de juros.

Um limite de R$ 70 bilhões nos gastos extras foi sugerido recentemente a economistas do governo – e a candidatos à Presidência – por representantes de instituições financeiras. Vários especialistas têm até admitido o abandono do teto, mas com a adoção de alguma âncora fiscal bem definida e eficaz. A preocupação é especialmente relevante neste momento, por causa da eleição presidencial, das condições econômicas e sociais internas e da expectativa de um quadro internacional desfavorável em 2023.

Nenhum candidato se opôs, até agora, à manutenção em 2023 do Auxílio Brasil aumentado para R$ 600. As promessas do atual presidente, candidato à reeleição, incluem a preservação de outros benefícios com elevado custo fiscal. Além disso, bandeiras variadas de combate à pobreza, de socorro aos endividados e de maiores investimentos em programas sociais aparecem nos discursos dos vários candidatos. Em condições mais favoráveis já seria trabalhoso enquadrar todas essas pretensões num esquema financeiro. Neste momento esse desafio é bem maior.

Arranjar dinheiro para gastos adicionais poderá ser especialmente complicado em 2023, segundo Mansueto Almeida. A arrecadação de tributos tem sido favorecida pela inflação e, de modo particular, pelos altos preços do petróleo e de outros produtos básicos. Se a inflação cair e se a redução da atividade global – já se fala em recessão – derrubar severamente os preços das commodities, a receita de impostos e contribuições poderá ser muito afetada, adverte o ex-secretário do Tesouro.

A percepção de riscos associados à piora do quadro mundial é difundida no setor financeiro. Se a isso se acrescentar um aumento da incerteza sobre as contas do governo, o financiamento do Tesouro será mais caro, sua dívida tenderá a crescer e, ao mesmo tempo, a fuga de capitais em busca de segurança poderá aumentar. Um dos efeitos será a instabilidade cambial, com encarecimento do dólar e reflexos inflacionários – fenômenos frequentes nos últimos anos, por causa do voluntarismo, dos desmandos populistas do presidente Jair Bolsonaro e de sua custosa parceria com o Centrão.

Não basta, no entanto, a preocupação com as contas de 2023. Um governo responsável tentará garantir a segurança fiscal de longo prazo e, além disso, prover o Tesouro de meios para reagir a desafios especiais. Pode-se pensar em mais de um tipo de âncora, mas a busca de superávit primário será importante elemento de segurança. Além de baratear o financiamento do Estado, esse tipo de política criará a folga necessária para maiores gastos em situações econômicas desfavoráveis. Com as finanças em bom estado, o governo poderá mais facilmente apoiar a economia em tempos de crise e emergir dessa fase sem muito desgaste.

Para cuidar do longo prazo, o novo governo deverá também esforçar-se para desengessar o Orçamento, quase todo comprometido com despesas obrigatórias. Além disso, terá de priorizar uma reforma do sistema tributário, para torná-lo mais simples, mais justo e mais adequado à integração internacional. 

Uma decisão prudente

O Estado de S. Paulo

Exército acertou ao cancelar desfile do 7 de Setembro no Rio, em razão de ameaças de violência e de uso político-partidário

O Exército foi prudente ao decidir não participar dos atos programados para a orla de Copacabana por ocasião do 7 de Setembro. O presidente Jair Bolsonaro queria contar com a presença dos militares, vontade esta que representava uma nítida tentativa de uso político-partidário das Forças Armadas. A presença das tropas e de seus blindados na Avenida Atlântica, em meio a apoiadores da reeleição do presidente, podia ser equivocadamente entendida como apoio dos militares a um determinado candidato ou partido.

Diante da tentativa bolsonarista de exploração política de uma festa cívica, o Exército cancelou também a tradicional parada militar na Avenida Presidente Vargas, no centro da capital fluminense. Agora, está prevista uma cerimônia militar sem público ou desfile para as comemorações do Bicentenário da Independência do Brasil.

A decisão por essa participação mais discreta dos militares foi motivada não apenas pelo risco de exploração político-partidária da data nacional. O setor de inteligência do Exército detectou indícios de preparação material de atos de violência por parte de radicais bolsonaristas. Esses apoiadores de Jair Bolsonaro pretendiam se infiltrar nas manifestações em Copacabana para provocar tumultos que, no limite, levassem a uma intervenção militar por meio de decreto de Garantia da Lei e da Ordem (GLO) ou, ao menos, criassem um clima no País para discussões dessa natureza, totalmente descabidas. Definitivamente, um militar ferido ou morto durante esses atos é o que de menos o País precisa neste momento. Campanha eleitoral é tempo de paz, não de bagunça, violência ou uso político-partidário das instituições de Estado.

A insistência de Jair Bolsonaro para levar a principal celebração do Bicentenário para o Rio de Janeiro, e especificamente para a orla de Copacabana, onde já ocorreram manifestações favoráveis ao presidente, não foi aleatória. No Rio concentra-se o maior número de radicais bolsonaristas. Neste sentido, toda prudência das autoridades é bem-vinda.

A decisão do Exército de cancelar o desfile do 7 de Setembro no Rio de Janeiro é um triste sintoma dos tempos estranhos que o País atravessa. É lamentável que uma celebração cívica tão importante, como é o Bicentenário da Independência do Brasil, tenha de ser alterada por ameaças de uso político-eleitoral e de risco de atos de violência. Definitivamente, o governo de Jair Bolsonaro não apenas é incapaz de promover a paz, a ordem e a civilidade, como estimula o exato contrário.

É preciso investigar rigorosamente os indícios detectados pelo Exército a respeito da preparação material de atos de violência por parte de radicais bolsonaristas. O País não pode ficar refém de baderneiros autoritários e fora da lei, que querem impor seus delírios sobre o restante da população. O 7 de Setembro é data de celebração cívica do País, de sua história e de suas instituições. Não pode ser convertido em tempo de ameaça ou de medo, antíteses da cidadania e da liberdade.

Disputa em São Paulo é decisiva para pleito presidencial

O Globo

Se houver segundo turno entre Lula e Bolsonaro, os cenários na eleição paulista teriam efeitos distintos

Com 66,7 milhões de eleitores, quase 43% do total, a Região Sudeste se tornou o principal campo de batalha entre as campanhas eleitorais dos candidatos Jair Bolsonaro e Luiz Inácio Lula da Silva. Os cientistas políticos acompanham com atenção o que acontece num estado da região, Minas Gerais, por representar uma média do Brasil e se comportar como a proverbial ovelha que carrega o sino no rebanho — Minas votou majoritariamente no presidente eleito em todas as eleições desde a redemocratização. Nesta eleição, contudo, os olhares têm se voltado também para outro estado da região: São Paulo.

Estado mais populoso da Federação, São Paulo concentra quase 35 milhões de eleitores — um em cada cinco brasileiros tem título paulista. Não se trata apenas de tamanho. A política local passou por uma ruptura recente com a conflagração que tomou conta do PSDB, partido que domina o governo desde 1995. O ex-governador João Doria deixou como legado um divórcio na aliança entre os moderados tucanos e os conservadores (outrora malufistas), que garantia vitórias contra o PT.

Um dos principais caciques do PSDB no estado era Geraldo Alckmin, eleito três vezes governador pelo partido. Desafeto de Doria, ele se tornou candidato a vice na chapa de Lula e hoje faz campanha pelo candidato petista ao governo, o ex-prefeito paulistano Fernando Haddad. O resultado é que o candidato tucano, o atual governador Rodrigo Garcia, disputa o cargo com dois adversários fortíssimos: Haddad, apoiado por Lula, e o ex-ministro Tarcísio de Freitas, candidato de Bolsonaro.

Pelas últimas pesquisas, Haddad lidera, seguido de Tarcísio e Garcia. Mas a situação está indefinida — qualquer um dos dois últimos poderia disputar um segundo turno contra Haddad com chance de vitória, e qualquer um dos três poderia ser eleito. Há, porém, um complicador: se houver segundo turno na eleição nacional, os cenários em São Paulo terão efeitos distintos.

Lula vê em Haddad a possibilidade de enfim romper o domínio tucano sobre o estado. Se o adversário deste num eventual segundo turno for o bolsonarista Tarcísio, a eleição paulista se transformará em espelho da eleição nacional — cada um carregando votos para seu padrinho e candidato a presidente. A força de Bolsonaro tenderá a crescer no estado com a adesão dos eleitores órfãos dos tucanos, entre os quais persiste o antipetismo.

Se, ao contrário, Garcia — hoje em terceiro nas pesquisas — ultrapassar Tarcísio e levar a disputa com Haddad ao segundo turno, o estado assistirá à reprise de um filme conhecido: o embate entre petistas e tucanos. Nessa situação, a maioria dos eleitores bolsonaristas e conservadores provavelmente votaria em Garcia, mas não haveria associação imediata, capaz de levar para Bolsonaro os votos do tucano.

Para Haddad, Tarcísio seria um adversário melhor, por lhe permitir empunhar a bandeira do antibolsonarismo. Para Lula, não necessariamente, já que Tarcísio levaria votos para Bolsonaro num estado crítico para a eleição presidencial. Com Garcia no segundo turno, Lula e Garcia seria uma dobradinha tão aceitável na urna quanto Lula e Romeu Zema em Minas Gerais ou Lula e Cláudio Castro no Rio — algo impensável com Tarcísio. Num momento em que as pesquisas sugerem um quadro mais apertado na disputa presidencial, a eleição em São Paulo se tornou decisiva para o cenário nacional.

Efeitos da guerra na Ucrânia continuarão a se fazer sentir

O Globo

Rússia descarta solução diplomática para conflito — com altíssimo custo humano, econômico e geopolítico

Ao completar seis meses, a guerra na Ucrânia não tem hora para acabar. O representante russo nas Nações Unidas, Gennady Gatilov, afirmou ontem que a Rússia não vê hoje nenhuma possibilidade de solução diplomática para o conflito. Parte dos negociadores que trabalharam no acordo que permitiu a exportação de grãos ucranianos pelo Mar Negro tinha esperança de que as conversas de paz ganhassem tração. Por enquanto, só persiste a esperança.

Na Ucrânia, o drama humano só faz aumentar desde o início da guerra. Até o final de julho, os civis mortos somavam 5.200 e os feridos 7 mil. De 24 de fevereiro até quarta-feira da semana passada, a ONU registrou 6,6 milhões de refugiados ucranianos espalhados pela Europa, quase 30% na Polônia.

Nos campos de batalha, a carnificina tem sido cruel. No começo de agosto, o governo americano estimava em 20 mil os soldados da Rússia mortos e em aproximadamente 45 mil os feridos. O general ucraniano Valeriy Zaluzhniy declarou ontem que quase 9 mil dos seus soldados tinham morrido, mas é provável que o número verdadeiro seja maior. Tais números são alarmantes. Em duas décadas de guerra no Afeganistão, os Estados Unidos perderam 2.500 soldados.

Além do custo humano para a população local, na economia a guerra se fez sentir em todo o mundo. A Ucrânia é um dos maiores exportadores globais de trigo. A reabertura dos portos do Mar Negro é parte da explicação para a queda de 14,5% no preço do produto em julho na comparação com o mês anterior, mas o valor ainda está 25% acima do que era um ano atrás. O índice das Nações Unidas que mede os preço dos alimentos é 13% superior ao registrado há um ano.

A Rússia responde por 20% das exportações globais de gás, 10% de petróleo e 5% de carvão. Até o final de junho, o preço do petróleo tinha dobrado, o do carvão triplicado e o do gás quintuplicado na comparação com o início de 2021. Desde então, houve oscilação, mas a pressão inflacionária persiste no mundo todo. Um relatório do Fundo Monetário Internacional (FMI) estima que a guerra aumentará o custo de vida na Europa em 7% neste ano.

No front geopolítico, a guerra levou Finlândia e Suécia a aderirem à Organização do Tratado do Atlântico Norte (Otan), a Alemanha a elevar seus gastos militares, e a Rússia a se aproximar da China, no que se prefigura como um redesenho profundo do mapa geopolítico do planeta.

No plano das ideias, o conflito serviu para expor o absurdo daqueles, à esquerda e à direita, que viram com naturalidade a agressão russa, como se os ucranianos não tivessem direito a escolher seu próprio destino de modo democrático. Por aqui, o presidente Jair Bolsonaro ainda precisa explicar o que o Brasil ganhou com sua visita a Vladimir Putin em fevereiro, e Luiz Inácio Lula da Silva deve desculpas ao presidente ucraniano, Volodymyr Zelensky, por ter dito que ele era tão culpado pela guerra quanto Putin.

Economia reage, mas deixa problemas para o próximo ano

Valor Econômico

2023 começará com riscos fiscais e inflacionários, e juros elevados

Indicadores do segundo trimestre divulgados nos últimos dias indicam que foi acertada a decisão de várias instituições financeiras de rever para cima o Produto Interno Bruto (PIB). Já há quem espere crescimento de 2,5% no ano. Pesquisa Focus divulgada ontem traz a estimativa de 2,02%. Alavancada pelo setor de serviços, que representa cerca de 70% do PIB, a economia cresceu no segundo trimestre e deve continuar em expansão no terceiro, agora estimulada pelo pacote fiscal do governo, que vai despejar mais de R$ 40 bilhões até o fim do ano com o aumento do Auxílio Brasil e do vale-gás, e com a ajuda aos caminhoneiros e taxistas por conta da alta dos combustíveis. O quadro deve ser bem diferente em 2023, dadas as incertezas.

O segundo trimestre começou com a expectativa de nível de atividade em baixa diante do aumento da inflação e do aperto monetário provocado pela elevação da taxa básica de juros. No entanto, medidas de estímulo adotadas pelo governo, como a antecipação do pagamento do 13º salário para aposentados e pensionistas e a liberação do FGTS, a retomada das atividades presenciais com a flexibilização das medidas sanitárias, e o aumento do emprego, no entanto, animaram a economia, especialmente a demanda por serviços.

O setor de serviços está 7,5% acima do nível anterior à pandemia, com destaque para os transportes, 16,9% acima, puxado inicialmente pelo transporte de cargas com o avanço do e-commerce, e, depois, pelo de passageiros. Os serviços prestados às famílias ainda estão abaixo do nível anterior à pandemia, com volume em junho 6,1% inferior ao de fevereiro de 2020, prejudicado pela inflação. Mas a diferença vem caindo. O setor deve compensar o desempenho negativo do varejo e da indústria.

No primeiro semestre, o faturamento real dos serviços avançou 8,8% frente ao mesmo período de 2021, enquanto as vendas reais do varejo ampliado, que inclui veículos, autopeças e material de construção, registraram variação de apenas 0,3%, e a produção da indústria recuou 2,2%. Alguns segmentos do comércio varejista, como tecidos, vestuário e calçados, também foram favorecidos pela retomada das atividades presenciais. Já a indústria seguiu no vermelho, particularmente afetada pelos gargalos nas cadeias de fornecedores, pela inflação e juros elevados, explica o Instituto de Estudos para o Desenvolvimento Industrial.

O enfraquecimento das vendas de bens de consumo duráveis ajudou a frear a produção. A indústria de bens de consumo duráveis foi a que mais caiu no primeiro semestre, 11,7%. É também esta parcela da indústria que tende a sofrer mais com os gargalos nas cadeias de fornecedores, já que sua produção demanda grande número de partes e componentes, muitos deles importados.

A demanda por serviços influenciou positivamente os índices que buscam antecipar o comportamento do PIB. O Monitor do PIB do FGV IBRE indica crescimento de 1,1% na atividade econômica no segundo trimestre em relação ao primeiro trimestre. Na comparação com o mesmo período de 2021, o trimestre fechou com crescimento da economia de 3%. O Monitor também detectou expansão do investimento em construção e do consumo das famílias, este último em menor escala por conta da inflação e do endividamento.

O Índice de Atividade Econômica do Banco Central (IBC-Br), considerado uma antecipação do PIB, subiu 0,69% em junho, acumulando 0,57% no segundo trimestre sobre o primeiro, e indicando expansão da economia também no terceiro trimestre por influência estatística. Em relação a junho do ano passado, houve crescimento de 3,09%. Em 12 meses, o IBC-Br subiu 2,18%. Após a divulgação do número, o Bank of America (BofA) revisou a projeção de crescimento do PIB para 2022 de 1,5% para 2,5%.

Os problemas, no entanto, foram adiados pela 2023. Há os riscos fiscais e inflacionários, em boa parte originados pelas medidas de estímulo à economia das quais o governo lançou mão para melhorar o ambiente no período eleitoral e atrair voto dos eleitores. Os juros devem continuar elevados durante boa parte do próximo ano. Há ainda o impacto da esperada desaceleração global em consequência da elevação dos juros no mercado internacional, com consequências negativas para os emergentes. A política monetária dos países desenvolvidos deve manter o dólar elevado, com pressão sobre a inflação no Brasil, sem falar na perspectiva de queda das commodities. A questão fiscal terá papel chave nesse cenário.

 

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