Editoriais / Opiniões
Um valor popular
Folha de S. Paulo
Em mais de 30 anos de pesquisas, Datafolha
atesta o enraizamento da democracia
O autoritarismo em voga no Ocidente procura
atribuir aos interesses egoístas de uma pequena elite a defesa dos valores da
democracia liberal. Seria uma forma de esse grupo minoritário manter seus
privilégios, a contrapelo dos anseios da maioria da população.
Uma série de pesquisas realizadas pelo
Datafolha desde 1989 fulmina essa mistificação. O instituto mostra que o apoio
à democracia como a melhor forma de governo sempre foi prevalente entre os
brasileiros e veio se tornando francamente majoritário conforme os anos se
passaram. Quanto mais se experimenta o regime, mais ampla, profunda e firme é
sua aceitação.
Os pesquisadores que foram a campo na
semana passada colheram a preferência irrestrita pelo sistema democrático de três em
cada quatro entrevistados no país. O indicador retomou o nível
mais elevado dos 33 anos em que a mesma pergunta tem sido realizada.
Já o movimento dos que entendem ser melhor a ditadura em algumas circunstâncias descreveu a trajetória oposta nesse longo período. A ideia chegou a ser apoiada por 23% em setembro de 1992, mês em que a Câmara dos Deputados abriu o impeachment do presidente Fernando Collor de Mello, mas agora recebe o endosso de apenas 7%, a cifra mais baixa já atingida.
Esse índice diminuto de concordância com
uma aventura autoritária atravessa todos os estratos de renda e escolaridade e
se verifica nas cinco regiões. A democracia no Brasil, portanto, tornou-se um
valor genuinamente popular.
Por isso os reiterados cabeceios golpistas
do presidente Jair Bolsonaro (PL) dão invariavelmente em nada. A centelha
cesarista não encontra substrato na sociedade para se propagar. Ou ele obtém
mais votos que seus adversários em outubro, e por essa via o segundo mandato,
ou vai para casa. Não existe uma terceira opção.
Não por acaso, o efeito de investir na
baderna detectado nas pesquisas é a perda de apoio popular, o que distancia o
presidente do objetivo de permanecer no Planalto.
Talvez com olhos nessa equação Bolsonaro
esteja sugerindo que irá se comportar neste 7 de Setembro mais como candidato
comum do que como o arruaceiro subversivo de 2021. Sua afirmação no sábado (20)
de que respeitará o
resultado das urnas caso perca, a despeito de não refletir os
seus instintos, também homenageia o realismo.
Será muito melhor para o país, obviamente,
se ocorrer o ritual civilizado da aceitação da derrota.
Mas vale frisar que o ordenamento democrático brasileiro, porque enraizado nas
instituições e nos valores da população, vai se impor mesmo na eventualidade de
o candidato derrotado recusar-se a reconhecer o vencedor.
Gargalos do ensino
Folha de S. Paulo
Deficiências da educação em SP demandam
propostas mais palpáveis dos candidatos
Aquele que triunfar na eleição para o
governo do estado de São Paulo terá desafios
consideráveis a enfrentar no campo da educação, parte deles agravada
pela pandemia.
A questão mais urgente é recuperar o aprendizado
perdido no período em que as escolas ficaram fechadas. Como mostrou
o último Saresp (sistema de avaliação do rendimento), os estudantes dos 5º e 9º
ano do ensino fundamental e do 3º ano do ensino médio da rede estadual
apresentaram retrocesso em língua portuguesa e matemática.
Os dados mais preocupantes vieram dos
concluintes do ensino médio, cujas notas nas duas disciplinas foram as menores
desde que o exame foi implementado, em 2010.
Nos últimos anos, a rede paulista também
perdeu a liderança nacional no Ideb (Índice de Desenvolvimento da Educação Básica)
nessa fase do ensino, aparecendo, na edição mais recente, em quinto.
Outra questão concernente à última etapa da
educação básica diz respeito à implementação de seu novo modelo, que aumenta a
carga horária e permite ao aluno escolher parte das disciplinas. Colocada em
prática neste ano, a reforma vem conhecendo algumas dificuldades em São Paulo.
No primeiro bimestre, por exemplo, cerca de
um quinto das aulas dos itinerários formativos (que complementam o currículo
comum) do segundo ano do ensino médio da rede estadual não tinham sido
atribuídas a nenhum professor —usaram-se aulas gravadas.
Por fim, é fundamental seguir ampliando o
número de escolas em tempo integral. Estas, que em 2019 eram 364, hoje somam
2.050, abarcando 24% dos alunos.
Contudo, à diferença do modelo implementado
em Pernambuco, que se tornou um paradigma, o sistema paulista não ampliou, no
tempo extra, a carga básica de português e matemática, que permanece a mesma
das escolas regulares —algo que merece análise mais aprofundada dos candidatos.
Ao menos quanto a esse tópico, os programas
de governo dos principais candidatos ao Bandeirantes —Fernando Haddad (PT),
Tarcísio de Freitas (Republicanos) e Rodrigo Garcia (PSDB)— não parecem à
altura do tema. Se todos se
mostram favoráveis à expansão do ensino integral, os planos
apresentados soam genéricos e superficiais.
Espera-se que, com o começo da campanha,
tais ideias venham a ser aprimoradas e resultem em propostas que, de fato,
possam contribuir para o ensino público.
Vergonha brasileira
O Estado de S. Paulo
O caso do menino que ligou para a polícia pedindo ajuda, pois a família não tinha o que comer, deveria vexar todo o País, sobretudo quem tem poder de acabar com a fome, e não o faz
Com voz firme e clareza incomum para a
idade, o menino Miguel, de 11 anos, assombrou o País por sua coragem e
maturidade ao ligar para a polícia e pedir ajuda para ele e a família, que
passavam fome. Foi no dia 2 de agosto, na região metropolitana de Belo Horizonte,
mas poderia ser em qualquer dia e em qualquer um dos muitos lugares em que
sobrevivem os milhões de brasileiros em situação de insegurança
alimentar.
A fome, que costuma surgir somente em razão
de catástrofes naturais ou de guerras, aparentemente começa a tornar-se parte
do cotidiano do Brasil, um país que não sofreu nenhuma catástrofe natural
recente nem está em guerra. Aos poucos, os brasileiros parecem se acostumar com
essa tragédia, e a vida segue – até que um menino de 11 anos decide fustigar a
consciência do País.
“Ô seu policial, aqui, é por causa que aqui
em casa não tem nada pra gente comer e eu tô com fome. Minha mãe só tem farinha
e fubá pra comer”, disse o menino em seu telefonema desesperado para o serviço
190 da Polícia Militar. Desconfiados de que se tratava de maus-tratos, os
policiais foram à casa do menino e lá se chocaram com a realidade. A família
passava fome havia pelo menos três dias. “Minha mãe estava chorando”, explicou
o menino mais tarde, em entrevistas nas quais contou por que tomou a iniciativa
de ligar para a polícia.
Naquele instante, a fome ganhou rosto e voz
de criança – em quem se costumam depositar as esperanças de uma nação. Se uma
criança passa fome, e se essa criança deve ela mesma tomar a iniciativa de
procurar ajuda, significa que a nação fracassou em todos os aspectos. Em países
decentes, as crianças nem passam fome nem precisam amadurecer antes do tempo
para encontrar maneiras de sobreviver. Em países decentes, governos e
sociedades investem tudo o que podem no desenvolvimento de suas crianças,
tratando-as, em primeiro lugar, como sujeitos de direitos. Em países decentes,
as autoridades não dormem tranquilamente se houver crianças com fome.
O Brasil, dono de uma das maiores economias
do mundo, e orgulhoso de sua imensa capacidade de produzir alimentos, deveria
considerar inaceitável que um único menino brasileiro não tenha o que comer. No
entanto, a despeito dos vergonhosos números da insegurança alimentar, o País
parece mais empenhado em discutir o preço dos combustíveis, a confiabilidade
das urnas eletrônicas e o papel dos militares nas eleições. Ademais, enquanto
poucos políticos se dedicam a enfrentar o drama da fome, e quando o fazem é
quase sempre de maneira calculista, não faltam interessados no rateio das
bilionárias verbas do orçamento secreto para seus redutos eleitorais. Em meio à
balbúrdia estéril daqueles que fazem três refeições por dia e só deixam de
comer quando estão de dieta, o telefonema de um menino de 11 anos pedindo
socorro à polícia porque estava com fome é um tapa na cara.
A eleição de outubro deveria ser a
oportunidade para discutir mecanismos de curto e médio prazos para enfrentar
essa calamidade. Os candidatos deveriam se sentir obrigados a detalhar o que
pretendem fazer imediatamente, a partir do instante da posse como presidente, a
respeito disso, pois nada pode ser considerado mais prioritário. E os
candidatos deveriam ser obrigados a dizer o que pretendem fazer para que essa
situação jamais volte a ocorrer. Ou seja: não merecem o voto aqueles candidatos
que se orgulham de investir em programas de ajuda aos mais pobres que apenas se
prestam a alimentar uma clientela eleitoral, sem mudar substancialmente a
realidade. Por outro lado, candidatos que propuserem uma sólida política de inclusão,
que não se limite a transferir renda para evitar a miséria e que invista em
educação pública como prioridade real do País, deveriam ter a atenção do
eleitor.
É preciso, portanto, que o País, se tem
verdadeiro apreço por si mesmo, não fique indiferente ao pedido de socorro do
menino Miguel, pois essa criança, como tantas outras em situação semelhante,
não pode ser privada do mais básico da vida em sociedade.
Gastar mais, mas cuidar do Tesouro
O Estado de S. Paulo
Principais candidatos prometem aumentar os gastos em 2023, mas deveriam preocupar-se também com a segurança das contas públicas e a qualidade da gestão fiscal no longo prazo
Poderia ser a pobreza, o desemprego, a má
educação ou a estagnação econômica, mas o primeiro grande alvo a ser atacado
pelo presidente recém-eleito, em 2023, pode ser mesmo o teto de gastos. Gastar
mais é uma bandeira comum a vários candidatos à Presidência da República.
Diante desse fato, especialistas em contas públicas têm-se concentrado em
defender critérios mínimos para impedir a devastação das finanças do governo.
Embora prevaleça a agenda social, será preciso sinalizar compromisso com o
equilíbrio fiscal, segundo a economista Vilma da Conceição Pinto, diretora da
Instituição Fiscal Independente (IFI), entidade ligada ao Senado, e
ex-pesquisadora da Fundação Getulio Vargas (FGV). O ex-secretário do Tesouro
Nacional Mansueto Almeida, hoje economista-chefe do BTG Pactual, defende
moderação no dispêndio adicional e obtenção de superávit primário no próximo
ano. O saldo primário é a diferença entre despesas e receitas com exclusão da
conta de juros.
Um limite de R$ 70 bilhões nos gastos
extras foi sugerido recentemente a economistas do governo – e a candidatos à
Presidência – por representantes de instituições financeiras. Vários
especialistas têm até admitido o abandono do teto, mas com a adoção de alguma
âncora fiscal bem definida e eficaz. A preocupação é especialmente relevante
neste momento, por causa da eleição presidencial, das condições econômicas e
sociais internas e da expectativa de um quadro internacional desfavorável em
2023.
Nenhum candidato se opôs, até agora, à
manutenção em 2023 do Auxílio Brasil aumentado para R$ 600. As promessas do
atual presidente, candidato à reeleição, incluem a preservação de outros
benefícios com elevado custo fiscal. Além disso, bandeiras variadas de combate
à pobreza, de socorro aos endividados e de maiores investimentos em programas
sociais aparecem nos discursos dos vários candidatos. Em condições mais
favoráveis já seria trabalhoso enquadrar todas essas pretensões num esquema
financeiro. Neste momento esse desafio é bem maior.
Arranjar dinheiro para gastos adicionais
poderá ser especialmente complicado em 2023, segundo Mansueto Almeida. A
arrecadação de tributos tem sido favorecida pela inflação e, de modo
particular, pelos altos preços do petróleo e de outros produtos básicos. Se a
inflação cair e se a redução da atividade global – já se fala em recessão –
derrubar severamente os preços das commodities, a receita de impostos e
contribuições poderá ser muito afetada, adverte o ex-secretário do Tesouro.
A percepção de riscos associados à piora do
quadro mundial é difundida no setor financeiro. Se a isso se acrescentar um
aumento da incerteza sobre as contas do governo, o financiamento do Tesouro
será mais caro, sua dívida tenderá a crescer e, ao mesmo tempo, a fuga de
capitais em busca de segurança poderá aumentar. Um dos efeitos será a
instabilidade cambial, com encarecimento do dólar e reflexos inflacionários –
fenômenos frequentes nos últimos anos, por causa do voluntarismo, dos desmandos
populistas do presidente Jair Bolsonaro e de sua custosa parceria com o Centrão.
Não basta, no entanto, a preocupação com as
contas de 2023. Um governo responsável tentará garantir a segurança fiscal de
longo prazo e, além disso, prover o Tesouro de meios para reagir a desafios
especiais. Pode-se pensar em mais de um tipo de âncora, mas a busca de
superávit primário será importante elemento de segurança. Além de baratear o
financiamento do Estado, esse tipo de política criará a folga necessária para
maiores gastos em situações econômicas desfavoráveis. Com as finanças em bom
estado, o governo poderá mais facilmente apoiar a economia em tempos de crise e
emergir dessa fase sem muito desgaste.
Para cuidar do longo prazo, o novo governo deverá também esforçar-se para desengessar o Orçamento, quase todo comprometido com despesas obrigatórias. Além disso, terá de priorizar uma reforma do sistema tributário, para torná-lo mais simples, mais justo e mais adequado à integração internacional.
Uma decisão prudente
O Estado de S. Paulo
Exército acertou ao cancelar desfile do 7 de Setembro no Rio, em razão de ameaças de violência e de uso político-partidário
O Exército foi prudente ao decidir não
participar dos atos programados para a orla de Copacabana por ocasião do 7 de
Setembro. O presidente Jair Bolsonaro queria contar com a presença dos
militares, vontade esta que representava uma nítida tentativa de uso
político-partidário das Forças Armadas. A presença das tropas e de seus
blindados na Avenida Atlântica, em meio a apoiadores da reeleição do
presidente, podia ser equivocadamente entendida como apoio dos militares a um
determinado candidato ou partido.
Diante da tentativa bolsonarista de
exploração política de uma festa cívica, o Exército cancelou também a
tradicional parada militar na Avenida Presidente Vargas, no centro da capital
fluminense. Agora, está prevista uma cerimônia militar sem público ou desfile
para as comemorações do Bicentenário da Independência do Brasil.
A decisão por essa participação mais
discreta dos militares foi motivada não apenas pelo risco de exploração
político-partidária da data nacional. O setor de inteligência do Exército detectou
indícios de preparação material de atos de violência por parte de radicais
bolsonaristas. Esses apoiadores de Jair Bolsonaro pretendiam se infiltrar nas
manifestações em Copacabana para provocar tumultos que, no limite, levassem a
uma intervenção militar por meio de decreto de Garantia da Lei e da Ordem (GLO)
ou, ao menos, criassem um clima no País para discussões dessa natureza,
totalmente descabidas. Definitivamente, um militar ferido ou morto durante
esses atos é o que de menos o País precisa neste momento. Campanha eleitoral é
tempo de paz, não de bagunça, violência ou uso político-partidário das
instituições de Estado.
A insistência de Jair Bolsonaro para levar
a principal celebração do Bicentenário para o Rio de Janeiro, e especificamente
para a orla de Copacabana, onde já ocorreram manifestações favoráveis ao
presidente, não foi aleatória. No Rio concentra-se o maior número de radicais
bolsonaristas. Neste sentido, toda prudência das autoridades é bem-vinda.
A decisão do Exército de cancelar o desfile
do 7 de Setembro no Rio de Janeiro é um triste sintoma dos tempos estranhos que
o País atravessa. É lamentável que uma celebração cívica tão importante, como é
o Bicentenário da Independência do Brasil, tenha de ser alterada por ameaças de
uso político-eleitoral e de risco de atos de violência. Definitivamente, o
governo de Jair Bolsonaro não apenas é incapaz de promover a paz, a ordem e a
civilidade, como estimula o exato contrário.
É preciso investigar rigorosamente os
indícios detectados pelo Exército a respeito da preparação material de atos de
violência por parte de radicais bolsonaristas. O País não pode ficar refém de
baderneiros autoritários e fora da lei, que querem impor seus delírios sobre o
restante da população. O 7 de Setembro é data de celebração cívica do País, de
sua história e de suas instituições. Não pode ser convertido em tempo de ameaça
ou de medo, antíteses da cidadania e da liberdade.
Disputa em São Paulo é decisiva para pleito
presidencial
O Globo
Se houver segundo turno entre Lula e
Bolsonaro, os cenários na eleição paulista teriam efeitos distintos
Com 66,7 milhões de eleitores, quase 43% do
total, a Região Sudeste se tornou o principal campo de batalha entre as
campanhas eleitorais dos candidatos Jair Bolsonaro e Luiz Inácio Lula da Silva.
Os cientistas políticos acompanham com atenção o que acontece num estado da
região, Minas Gerais, por representar uma média do Brasil e se comportar como a
proverbial ovelha que carrega o sino no rebanho — Minas votou majoritariamente
no presidente eleito em todas as eleições desde a redemocratização. Nesta eleição,
contudo, os olhares têm se voltado também para outro estado da região: São
Paulo.
Estado mais populoso da Federação, São
Paulo concentra quase 35 milhões de eleitores — um em cada cinco brasileiros
tem título paulista. Não se trata apenas de tamanho. A política local passou
por uma ruptura recente com a conflagração que tomou conta do PSDB, partido que
domina o governo desde 1995. O ex-governador João Doria deixou como legado um
divórcio na aliança entre os moderados tucanos e os conservadores (outrora malufistas),
que garantia vitórias contra o PT.
Um dos principais caciques do PSDB no
estado era Geraldo Alckmin, eleito três vezes governador pelo partido. Desafeto
de Doria, ele se tornou candidato a vice na chapa de Lula e hoje faz campanha
pelo candidato petista ao governo, o ex-prefeito paulistano Fernando Haddad. O
resultado é que o candidato tucano, o atual governador Rodrigo Garcia, disputa
o cargo com dois adversários fortíssimos: Haddad, apoiado por Lula, e o ex-ministro
Tarcísio de Freitas, candidato de Bolsonaro.
Pelas últimas pesquisas, Haddad lidera,
seguido de Tarcísio e Garcia. Mas a situação está indefinida — qualquer um dos
dois últimos poderia disputar um segundo turno contra Haddad com chance de
vitória, e qualquer um dos três poderia ser eleito. Há, porém, um complicador:
se houver segundo turno na eleição nacional, os cenários em São Paulo terão
efeitos distintos.
Lula vê em Haddad a possibilidade de enfim
romper o domínio tucano sobre o estado. Se o adversário deste num eventual
segundo turno for o bolsonarista Tarcísio, a eleição paulista se transformará
em espelho da eleição nacional — cada um carregando votos para seu padrinho e
candidato a presidente. A força de Bolsonaro tenderá a crescer no estado com a
adesão dos eleitores órfãos dos tucanos, entre os quais persiste o antipetismo.
Se, ao contrário, Garcia — hoje em terceiro
nas pesquisas — ultrapassar Tarcísio e levar a disputa com Haddad ao segundo
turno, o estado assistirá à reprise de um filme conhecido: o embate entre
petistas e tucanos. Nessa situação, a maioria dos eleitores bolsonaristas e
conservadores provavelmente votaria em Garcia, mas não haveria associação
imediata, capaz de levar para Bolsonaro os votos do tucano.
Para Haddad, Tarcísio seria um adversário
melhor, por lhe permitir empunhar a bandeira do antibolsonarismo. Para Lula,
não necessariamente, já que Tarcísio levaria votos para Bolsonaro num estado
crítico para a eleição presidencial. Com Garcia no segundo turno, Lula e Garcia
seria uma dobradinha tão aceitável na urna quanto Lula e Romeu Zema em Minas
Gerais ou Lula e Cláudio Castro no Rio — algo impensável com Tarcísio. Num
momento em que as pesquisas sugerem um quadro mais apertado na disputa
presidencial, a eleição em São Paulo se tornou decisiva para o cenário
nacional.
Efeitos da guerra na Ucrânia continuarão a
se fazer sentir
O Globo
Rússia descarta solução diplomática para
conflito — com altíssimo custo humano, econômico e geopolítico
Ao completar seis meses, a guerra na
Ucrânia não tem hora para acabar. O representante russo nas Nações Unidas,
Gennady Gatilov, afirmou ontem que a Rússia não vê hoje nenhuma possibilidade
de solução diplomática para o conflito. Parte dos negociadores que trabalharam
no acordo que permitiu a exportação de grãos ucranianos pelo Mar Negro tinha
esperança de que as conversas de paz ganhassem tração. Por enquanto, só
persiste a esperança.
Na Ucrânia, o drama humano só faz aumentar
desde o início da guerra. Até o final de julho, os civis mortos somavam 5.200 e
os feridos 7 mil. De 24 de fevereiro até quarta-feira da semana passada, a ONU
registrou 6,6 milhões de refugiados ucranianos espalhados pela Europa, quase
30% na Polônia.
Nos campos de batalha, a carnificina tem
sido cruel. No começo de agosto, o governo americano estimava em 20 mil os
soldados da Rússia mortos e em aproximadamente 45 mil os feridos. O general
ucraniano Valeriy Zaluzhniy declarou ontem que quase 9 mil dos seus soldados tinham
morrido, mas é provável que o número verdadeiro seja maior. Tais números são
alarmantes. Em duas décadas de guerra no Afeganistão, os Estados Unidos
perderam 2.500 soldados.
Além do custo humano para a população
local, na economia a guerra se fez sentir em todo o mundo. A Ucrânia é um dos
maiores exportadores globais de trigo. A reabertura dos portos do Mar Negro é
parte da explicação para a queda de 14,5% no preço do produto em julho na
comparação com o mês anterior, mas o valor ainda está 25% acima do que era um
ano atrás. O índice das Nações Unidas que mede os preço dos alimentos é 13%
superior ao registrado há um ano.
A Rússia responde por 20% das exportações globais de gás, 10% de petróleo e 5% de carvão. Até o final de junho, o preço do petróleo tinha dobrado, o do carvão triplicado e o do gás quintuplicado na comparação com o início de 2021. Desde então, houve oscilação, mas a pressão inflacionária persiste no mundo todo. Um relatório do Fundo Monetário Internacional (FMI) estima que a guerra aumentará o custo de vida na Europa em 7% neste ano.
No front geopolítico, a guerra levou
Finlândia e Suécia a aderirem à Organização do Tratado do Atlântico Norte
(Otan), a Alemanha a elevar seus gastos militares, e a Rússia a se aproximar da
China, no que se prefigura como um redesenho profundo do mapa geopolítico do
planeta.
No plano das ideias, o conflito serviu para
expor o absurdo daqueles, à esquerda e à direita, que viram com naturalidade a
agressão russa, como se os ucranianos não tivessem direito a escolher seu próprio
destino de modo democrático. Por aqui, o presidente Jair Bolsonaro ainda
precisa explicar o que o Brasil ganhou com sua visita a Vladimir Putin em
fevereiro, e Luiz Inácio Lula da Silva deve desculpas ao presidente ucraniano,
Volodymyr Zelensky, por ter dito que ele era tão culpado pela guerra quanto
Putin.
Economia reage, mas deixa problemas para o
próximo ano
Valor Econômico
2023 começará com riscos fiscais e
inflacionários, e juros elevados
Indicadores do segundo trimestre divulgados
nos últimos dias indicam que foi acertada a decisão de várias instituições
financeiras de rever para cima o Produto Interno Bruto (PIB). Já há quem espere
crescimento de 2,5% no ano. Pesquisa Focus divulgada ontem traz a estimativa de
2,02%. Alavancada pelo setor de serviços, que representa cerca de 70% do PIB, a
economia cresceu no segundo trimestre e deve continuar em expansão no terceiro,
agora estimulada pelo pacote fiscal do governo, que vai despejar mais de R$ 40
bilhões até o fim do ano com o aumento do Auxílio Brasil e do vale-gás, e com a
ajuda aos caminhoneiros e taxistas por conta da alta dos combustíveis. O quadro
deve ser bem diferente em 2023, dadas as incertezas.
O segundo trimestre começou com a expectativa
de nível de atividade em baixa diante do aumento da inflação e do aperto
monetário provocado pela elevação da taxa básica de juros. No entanto, medidas
de estímulo adotadas pelo governo, como a antecipação do pagamento do 13º
salário para aposentados e pensionistas e a liberação do FGTS, a retomada das
atividades presenciais com a flexibilização das medidas sanitárias, e o aumento
do emprego, no entanto, animaram a economia, especialmente a demanda por
serviços.
O setor de serviços está 7,5% acima do
nível anterior à pandemia, com destaque para os transportes, 16,9% acima,
puxado inicialmente pelo transporte de cargas com o avanço do e-commerce, e,
depois, pelo de passageiros. Os serviços prestados às famílias ainda estão
abaixo do nível anterior à pandemia, com volume em junho 6,1% inferior ao de
fevereiro de 2020, prejudicado pela inflação. Mas a diferença vem caindo. O
setor deve compensar o desempenho negativo do varejo e da indústria.
No primeiro semestre, o faturamento real
dos serviços avançou 8,8% frente ao mesmo período de 2021, enquanto as vendas
reais do varejo ampliado, que inclui veículos, autopeças e material de
construção, registraram variação de apenas 0,3%, e a produção da indústria
recuou 2,2%. Alguns segmentos do comércio varejista, como tecidos, vestuário e
calçados, também foram favorecidos pela retomada das atividades presenciais. Já
a indústria seguiu no vermelho, particularmente afetada pelos gargalos nas
cadeias de fornecedores, pela inflação e juros elevados, explica o Instituto de
Estudos para o Desenvolvimento Industrial.
O enfraquecimento das vendas de bens de
consumo duráveis ajudou a frear a produção. A indústria de bens de consumo
duráveis foi a que mais caiu no primeiro semestre, 11,7%. É também esta parcela
da indústria que tende a sofrer mais com os gargalos nas cadeias de
fornecedores, já que sua produção demanda grande número de partes e
componentes, muitos deles importados.
A demanda por serviços influenciou
positivamente os índices que buscam antecipar o comportamento do PIB. O Monitor
do PIB do FGV IBRE indica crescimento de 1,1% na atividade econômica no segundo
trimestre em relação ao primeiro trimestre. Na comparação com o mesmo período
de 2021, o trimestre fechou com crescimento da economia de 3%. O Monitor também
detectou expansão do investimento em construção e do consumo das famílias, este
último em menor escala por conta da inflação e do endividamento.
O Índice de Atividade Econômica do Banco
Central (IBC-Br), considerado uma antecipação do PIB, subiu 0,69% em junho,
acumulando 0,57% no segundo trimestre sobre o primeiro, e indicando expansão da
economia também no terceiro trimestre por influência estatística. Em relação a
junho do ano passado, houve crescimento de 3,09%. Em 12 meses, o IBC-Br subiu
2,18%. Após a divulgação do número, o Bank of America (BofA) revisou a projeção
de crescimento do PIB para 2022 de 1,5% para 2,5%.
Os problemas, no entanto, foram adiados
pela 2023. Há os riscos fiscais e inflacionários, em boa parte originados pelas
medidas de estímulo à economia das quais o governo lançou mão para melhorar o
ambiente no período eleitoral e atrair voto dos eleitores. Os juros devem
continuar elevados durante boa parte do próximo ano. Há ainda o impacto da
esperada desaceleração global em consequência da elevação dos juros no mercado
internacional, com consequências negativas para os emergentes. A política
monetária dos países desenvolvidos deve manter o dólar elevado, com pressão
sobre a inflação no Brasil, sem falar na perspectiva de queda das commodities.
A questão fiscal terá papel chave nesse cenário.
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