Valor Econômico
Sem equilíbrio fiscal, existe o risco do
aumento da carga tributária, e isso preocupa especialistas em contas públicas e
o meio empresarial
A palavra “reindustrialização” aparece
quatro vezes no documento de 21 páginas do programa da Coligação Brasil da
Esperança, que assumirá o comando do país a partir do próximo dia 1º de
janeiro. A direção apontada no documento parece alinhada com o novo cenário
mundial, no qual a globalização se encontra em xeque e a preservação ambiental
entrou definitivamente em cena. No entanto, entre a realidade atual e aquele
futuro tecnológico, inclusivo e sustentável existe uma cordilheira de antigos
problemas muito difícil de ser superada.
A começar pelas finanças públicas, a grande
sofrência do momento. Sem a retomada do crescimento econômico, não há política
social ou educacional capaz de proporcionar um futuro melhor para nossas
crianças e jovens. E a base disso é o equilíbrio fiscal. Quem disse isso não
foi um engravatado da Faria Lima; foi o presidente da Coalizão Indústria, Marco
Polo de Mello Lopes.
Sem equilíbrio fiscal, os juros permanecem
elevados. Esse é um ambiente incompatível com o desenvolvimento econômico.
O líder industrial considera que será necessário, novamente, adotar medidas no campo da Previdência para conter as despesas. Além disso, aprovar a reforma tributária.
A promessa de recuperar o poder de compra
do salário mínimo, repetida pelo presidente eleito Luiz Inácio Lula da Silva
(PT), aponta na direção oposta ao do enxugamento de gastos na Previdência.
A equipe de transição discute qual será o
novo valor, a ser pago a partir de 1º de janeiro: se os R$ 1.302 previstos na
proposta de Orçamento que está no Congresso, ou outro valor. Dado que a
inflação caiu após esse valor ser estimado, é possível que fique nesse nível
mesmo - o que já representará um ganho real.
O programa da chapa Lula-Alckmin sinaliza
com reformas no sistema previdenciário. “Buscaremos um modelo previdenciário
que concilie o aumento da cobertura com o financiamento sustentável”, informa.
Sem equilíbrio fiscal, existe o risco do
aumento da carga tributária. É o que preocupa especialistas em contas públicas
e também o meio empresarial.
Tal como proposta, a reforma tributária não
pretende arrecadar nem mais nem menos. Os técnicos criaram um desenho “neutro”.
No entanto, a simplificação do sistema de impostos e contribuições brasileiro
deve afetar toda a atividade econômica e, aí sim, impactar o crescimento
econômico e na receita tributárias.
Uma atividade mais vigorosa, com maior
arrecadação, servirá para contrabalançar o afrouxamento nos gastos que Lula
promoverá neste início de governo, disse o deputado Marcelo Ramos (PSD-AM), do
grupo de trabalho da indústria na equipe de transição.
O ex-ministro da Fazenda Nelson Barbosa,
membro do grupo de trabalho de Economia na transição, avalia que o Congresso
parece mais disposto a aprovar a criação de um Imposto sobre o Valor Agregado
(IVA) dual, ou seja, um federal e outro dos Estados e municípios. A Proposta de
Emenda à Constituição (PEC) 110, que está em análise no Senado, contém esse
desenho. O texto conta também com o apoio unânime dos atuais governos de
Estado, um fato inédito.
Se a proposta vai ser aprovada, porém, é
outra coisa. Nesta nova temporada que começa em 1º de janeiro, boa parte do
elenco muda e a construção política empreendida nos últimos anos em torno da
proposta deverá ser revista. Essa acomodação pode tomar algum tempo.
Além disso, há resistências não superadas à
proposta. Por exemplo, do setor de serviços e das prefeituras de grandes
cidades, que podem ser prejudicados com a mudança.
A reforma tributária é, no entanto, o
elemento central da agenda da competitividade. Eliminar as regras específicas
do Brasil que tornam a produção daqui mais cara do que a de seus concorrentes é
o grande tema, independentemente de quem esteja no comando do país, diz Mello
Lopes.
Ao longo dos quatro anos da gestão liberal
de Paulo Guedes à frente da Economia, indústria e governo se puseram de acordo
com uma medição do chamado Custo Brasil. Ficou acertado que a abertura
comercial, um pilar da política econômica atual, seria feita no mesmo ritmo do
aumento da competitividade. Liberal, mas não trouxa, repete o ministro.
O presidente eleito promete “fortalecer a
empresa nacional, pública e privada, com instrumentos como financiamento,
compras governamentais, investimento público, ampliando e agregando valor à
produção, com ênfase em inovações orientadas para a transição ecológica,
energética e digital”. As compras governamentais darão apoio a setores como
saúde, energia, alimentos e defesa, acrescenta.
Alguns desses itens foram objeto da
política industrial formulada no primeiro governo do PT, que definiu como
estratégicos: semicondutores, softwares, bens de capital e fármacos. Seria
exagero dizer que nada aconteceu, assim como são poucos os resultados visíveis
dessas escolhas.
Guedes tentou sem sucesso extinguir a
Ceitec, estatal fabricante de semicondutores criada por Lula. A discussão está
parada no Tribunal de Contas da União (TCU). A Hemobrás, estatal de derivados
de sangue nascida na mesma época, esteve envolvida em desvios de recursos para
sua construção. Apesar disso, sua existência foi defendida por secretários
estaduais de Saúde durante a campanha eleitoral, que a consideram fundamental
para fortalecer o Sistema Único de Saúde (SUS).
Com a arrecadação muito acima do previsto
em seus primeiros anos de governo, Lula inaugurou um ciclo de cortes de
impostos de setores considerados estratégicos. Ele próprio avaliou que sua
sucessora, Dilma Rousseff, exagerou na dose das desonerações tributárias a
setores específicos. A ver como essas políticas serão conduzidas nesse novo
mandato.
Ramos acredita que Lula poderá se valer de
sua habilidade de negociação internacional para dialogar com o presidente dos
EUA, Joe Biden, e tentar trazer para o Brasil investimentos que, no rearranjo
das cadeias globais de valor, tendem a ir para o México.
Porém, sem enfrentar os velhos problemas da
economia brasileira, o Brasil pode não se credenciar para a nova onda de
industrialização planetária, em que a fabricação de componentes tende a ficar
mais próxima dos centros consumidores e as indústrias podem se instalar mais
perto das fontes de energia barata e limpa.
A nova configuração da produção no mundo e
a internet de quinta geração trazem oportunidades para modernizar a economia
brasileira. Seria muito bom aproveitar a onda, desta vez.
Um comentário:
Lu Aiko Otta já entrevistou o Ministro do TCU Múcio Monteiro, por meia hora, em 2018.
Talvez, por isso, venha dar um timbre asiático aqui, às vozinhas do mercadinho.
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