quarta-feira, 30 de novembro de 2022

Fernando Exman - Alguns lances antes da escalação do ministério

Valor Econômico

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Ala ideológica colocou em risco eleição de Ilan no BID

Comentou-se aqui, na semana passada, como a escolha do próximo chanceler influenciará a capacidade de Luiz Inácio Lula da Silva executar uma diplomacia presidencial de alto nível. Já estava claro que o perfil do futuro ministro sinalizará se Lula irá, depois de empossado, colocar o Itamaraty a serviço do Estado, da própria imagem ou do seu partido, o PT. Mas agora, diante da relativa demora do presidente eleito em definir quem estará à frente da política externa nos próximos quatro anos, intensificaram-se, nos bastidores, as articulações para a ocupação da estratégica cadeira.

A demora é relativa porque em 2002 o nome do chanceler também não foi revelado logo depois da eleição. Isso só ocorreu no dia 13 de dezembro, com anúncio de Celso Amorim para a pasta. Na mesma ocasião, Lula confirmou Marina Silva para o Meio Ambiente e anunciou Roberto Rodrigues na Agricultura. Para o Desenvolvimento, Indústria e Comércio, foi escolhido Luiz Fernando Furlan.

O petista destravara a série de anúncios dois dias antes, quando deixou escapar durante uma viagem aos Estados Unidos que Antonio Palocci seria seu ministro da Fazenda. Ao sacramentar no dia 12 a escolha para a chefia da equipe econômica, acrescentou à lista José Dirceu para a Casa Civil e Henrique Meirelles na presidência do Banco Central. Dessa forma, mantendo todos sob tensão, tentou evitar defecções entre os colaboradores da equipe de transição. E protegeu de eventuais críticas os futuros integrantes de um governo que nem havia começado e já enfrentava pressões do mercado.

Algo semelhante ocorre hoje. Em alguns casos, aliás, com a presença dos mesmos personagens.

Não à toa, uma ideia que circula entre integrantes da equipe de transição é espelhar o modelo adotado em 2002 - tanto que o dia 11 de dezembro foi estabelecido como prazo para que os grupos temáticos da transição apresentem relatórios finais. A partir daí, seria escalado por Lula o time titular do próximo governo. Outro sinal de que isso pode ocorrer surgiu nesta semana: o presidente eleito afirmou a aliados que será diplomado pela Justiça Eleitoral no dia 12, uma segunda-feira, e só então começará a divulgar quem terá o nome publicado no “Diário Oficial da União” como ministro de Estado.

Até lá, tendem a se intensificar algumas divisões já observadas dentro da equipe de transição. No Meio Ambiente, por exemplo, observa-se a movimentação do grupo da deputada federal eleita Marina Silva (Rede-SP) para a ocupação dos principais postos da área: o ministério em si, uma autoridade climática a ser criada, além de uma agência reguladora para o setor e, também, o Ministério dos Povos Originários. Essa articulação tem sido acompanhada com atenção por setores do PT.

Por outro lado, alas mais ideológicas do partido de Lula são criticadas por aqueles que esperam construir uma política externa mais pragmática e convergente com o que deveria ser perseguido em um governo de renovação. Neste caso, argumenta-se, será fundamental que o Brasil mantenha boas relações com os países desenvolvidos, sim, mas volte a se aproximar da África e da América Latina.

Com Celso Amorim à frente do Itamaraty nos governos Lula, a pasta conseguiu imprimir nova dinâmica às relações exteriores. Mas também expôs o Brasil em alguns lances polêmicos, como a tentativa de construção de um acordo nuclear do Irã e as negociações de paz no Oriente Médio.

Hoje, o grupo de Amorim tem buscado manter-se influente na escolha do próximo chanceler. Lula já chegou a sinalizar a aliados que poderia indicar alguém da carreira diplomática para sentar-se na cadeira que um dia foi ocupada pelo barão do Rio Branco. Porém, ocorre que alguns dos nomes citados com esse suposto pré-requisito, na visão de integrantes da equipe de transição, teriam passado mais tempo em postos burocráticos, na Europa e nos Estados Unidos. Em outras palavras, ainda na visão desses interlocutores do presidente eleito, poderiam enfrentar dificuldades no processo de formulação e execução de uma política externa com foco, pelo menos em um primeiro momento, na promoção do comércio, atração de investimentos, geração de emprego e renda no Brasil.

Também está sendo analisado se nos currículos de eventuais candidatas ao cargo há de fato realizações na carreira quanto à promoção da agenda feminina. E, no caso de quem esteja buscando a vaga tentando se credenciar como afrodescendente, se há resultados práticos em relação à agenda do movimento negro. Até agora, a resposta é negativa.

Em outra frente, há quem faça questão de lembrar a conduta de cada candidato ao posto de chanceler durante o processo de impeachment da ex-presidente Dilma Rousseff. Ou seja, como este ou aquele determinado embaixador agiu para defender a imagem de Dilma no exterior ou facilitar a vida do governo de Michel Temer.

Isso não quer dizer que os postulantes dentro do próprio PT estejam imunes a críticas nos corredores do Centro Cultural Banco do Brasil (CCBB), sede do gabinete de transição. Se a opção de Lula for por uma liderança da legenda, a preferência pode ser por alguém que, ao longo de sua carreira, seja reconhecido pelo bom trato político, interlocução com os outros Poderes e capacidade de alinhar políticas intersetoriais com outros ministérios.

Dessa silenciosa interação das placas tectônicas, a candidatura do Brasil à presidência do Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID) quase se tornou a primeira vítima. O grupo pragmático, que pode ter representantes em diversas áreas do novo governo, precisou entrar em campo para anular os obstáculos ao nome do economista Ilan Goldfajn que integrantes da ala ideológica estavam criando. Para estes, por incrível que pareça, era preferível perder a chance histórica de ver um brasileiro no posto e tentar, mais à frente, construir uma candidatura com outros governos de esquerda mais crítica aos Estados Unidos.

Em público, Lula não apresentou objeções à candidatura de Ilan. Um sinal positivo. Mas o verdadeiro teste será a escolha do próximo chanceler.

2 comentários:

Anônimo disse...

A conferir o Newman, Exman!

Anônimo disse...

Muitíssimos nomes para poucas cadeiras! Verdadeiro quebra-cabeça pro Lula...