quarta-feira, 30 de novembro de 2022

Vera Magalhães - Cautela é bem-vinda em terreno minado

O Globo

Nervosismo do mercado, golpismo nas ruas e dificuldades no Congresso justificam retranca e concessões de Lula no momento

Após um começo meio truncado e algumas intercorrências, Lula parece ter arrumado o time para o mês final de uma transição em tudo atípica. Adotou uma cautela bem-vinda em três frentes críticas: a designação do ministro da Fazenda, as conversas com os militares e a negociação da PEC do Bolsa Família. A retranca se justifica diante do terreno minado em que transcorre cada uma dessas batalhas.

O mercado estava alvoroçado diante da falta de sinalizações detalhadas na economia. Elas começam a vir. Ficou claro que a escolha de Lula para a Fazenda é Fernando Haddad. Sempre foi, desde o discurso da vitória, quando o até então candidato ao governo de São Paulo recebeu uma referência especial.

Haddad ganhou a posição pela lealdade a Lula, demonstrada quando aceitou ser candidato em 2018, e pelo desempenho nas urnas neste ano, que garantiu uma desvantagem menor do PT para Jair Bolsonaro em São Paulo em relação a 2018.

Restava aplainar o terreno. Escrevi na semana passada que o auê do mercado diante das falas do provável ministro na Febraban era exacerbado. Passados alguns dias, parece ter havido uma acomodação das expectativas diante da evidência de que a escolha de Lula deverá recair mesmo sobre o companheiro de partido.

Um bom caminho para continuar a amortecer a reação dos agentes econômicos seria apresentar o resto da equipe econômica e desvendar de uma vez a engenharia fiscal com que o futuro governo pretende substituir o teto já demolido.

As costuras com os militares se mostraram ainda mais prudentes, uma surpresa positiva. Ao tirar de casa o ex-ministro, ex-político e ex-ministro do TCU José Múcio, Lula buscou um nome que passou ao largo do radar e que agrada pelo perfil “jeitoso”, adjetivo que o acompanha desde os anos 1990, quando o conheci na cobertura do Congresso.

Necessário, uma vez que a chama golpista ainda arde em setores das Forças Armadas. Um sinal de que o nome será bem-vindo foi a reação positiva do vice-presidente Hamilton Mourão, que nas últimas semanas vinha emitindo mensagens dúbias ao exortar o caráter “democrático" de manifestações francamente golpistas dos apoiadores de Bolsonaro.

Contribui para desanuviar o céu das ameaças golpistas o fato de que a farsa da fraude nas urnas vai caindo por terra à medida que o entorno do próprio Bolsonaro se cansa. Prova maior foi o rolê do filho 03, Eduardo Bolsonaro, mais preoucupado em curtir a Copa no Catar e fazer publicidade de produto fitness nas redes sociais que em dar guarida aos planos ainda obscuros do pai, que segue na patética posição de não governar o país e investir numa aura de imprevisibilidade que ao final dará em nada.

Resta agora que a PEC da Transição entre nos trilhos. Depois de uma gestação longa, o texto inicial foi apresentado, mas já se sabe de que ele terá de ser negociado para que passe, sobretudo no Senado. Os seguidos acenos de Lula a Arthur Lira (PP) são meio caminho andado para limpar o terreno na Câmara.

Essa negociação significará o primeiro cavalo de pau de Lula no discurso de campanha, quando pregava a necessidade de apear Lira e acabar com o Orçamento secreto. Mas diante da barreira orçamentária posta à principal promessa do petista — a de manter os R$ 600 do Auxílio que voltará a chamar Bolsa Família — era uma escolha a ser feita de chofre e com pragmatismo.

Lula ainda conta com uma mãozinha do Supremo para mitigar o poder do Orçamento secreto. Assim, não fica com o ônus de se desgastar com Lira e começar o governo emparedado por um novo Eduardo Cunha, no Legislativo, e por um bolsonarismo golpista nas ruas. Fugir de começar o governo como Dilma Rousseff terminou é, neste momento, a coisa inteligente a fazer.

2 comentários:

Anônimo disse...

A chama golpista ainda arde em algumas unidades militares! É verdade, tem maluco pra tudo... Não tem empresário gastando seu lucro pra manter os milicianos golpistas se refestelando na entrada de quartéis? Enquanto o Eduardo bananinha Bolsonaro passeia pela copa do mundo...

Anônimo disse...

Entendo o bananinha... Se eu tivesse as dezenas de imóveis que a família Bolsonaro comprou com dinheiro vivo, também iria passear e ver a copa do mundo ao vivo!