terça-feira, 12 de agosto de 2025

O que a mídia pensa | Editoriais / Opiniões

Insistência de Lula em alternativas ao dólar é inexplicável

O Globo

Nem China nem Rússia falam nisso. Único resultado da investida contra moeda americana é enfurecer Trump

A insistência do presidente Luiz Inácio Lula da Silva em defender o uso de moedas alternativas ao dólar nas trocas comerciais demonstra não apenas desconhecimento sobre o funcionamento da economia global. Traduz também uma leitura equivocada da conjuntura internacional e expõe sua inépcia na defesa do interesse brasileiro. Depois do encerramento da cúpula do Brics no Rio de Janeiro em julho, Lula foi questionado sobre a criação de uma plataforma de investimentos nas moedas locais dos integrantes do bloco. Na resposta, disse que o mundo precisava “encontrar um jeito de que a nossa relação comercial não precise passar pelo dólar”.

De lá para cá, não tem perdido a oportunidade de voltar ao tema. Como lembrou em entrevista à GloboNews o analista Vitelio Brustolin, do Instituto de Estudos Estratégicos da Universidade Federal Fluminense e da Universidade Harvard, nem mesmo Dilma Rousseff, presidente do banco do Brics, o NDB, defende a substituição do dólar como base do comércio mundial. ChinaÍndia e Rússia tampouco têm falado tanto no tema quanto Lula. Até agora, o único resultado de sua investida foi enfurecer Donald Trump.

O uso do dólar no comércio global é incontornável. Numa ponta ou na outra, ele está presente em nove de dez transações em moeda estrangeira. Cerca de 60% das reservas internacionais são cotadas em dólar. Só a China, segunda economia do mundo e a maior do Brics, detém o equivalente a US$ 2 trilhões, segundo estimativas de Ken Rogoff, autor do recém-lançado “Our dollar, your problem” (“Nosso dólar, problema seu”). Quando a maioria dos bancos centrais analisa efeitos externos na trajetória da inflação dos seus respectivos mercados domésticos, os olhos estão na moeda americana. Os preços de commodities, como petróleo ou soja, são cotados em dólar. Dívidas externas de países e corporações, também. As bases de sustentação dessa preferência são a liquidez e a confiança no respeito à propriedade.

É certo que o predomínio do dólar pode não ser eterno. Por algumas medidas, seu uso está em declínio desde 2015. Depois da invasão da Ucrânia, Estados Unidos e países europeus congelaram as reservas da Rússia no exterior (cerca de US$ 330 bilhões) e passaram a usá-las como base para empréstimos aos ucranianos. O confisco reforçou o temor dos chineses de serem alvo no futuro de manobra parecida. Outro sinal preocupante foi a decisão arbitrária de Trump enquadrando o ministro do Supremo Tribunal Federal Alexandre de Moraes nas sanções previstas na Lei Magnitsky, que proíbe operações no sistema financeiro americano.

Mas diminuir a dependência do dólar no comércio é agenda de russos e chineses, não brasileira. Para reforçar o argumento em favor do uso de moedas locais, Lula cita o exemplo do comércio com a Argentina. Esquece que mais de 90% das transações do Mercosul são feitas em dólar. Afinal, que brasileiro guarda dinheiro em pesos argentinos?

Difícil é entender por que Lula se tornou o porta-voz incansável dessa ideia, enquanto os líderes chinês e russo têm sido menos eloquentes. Se a insistência nessa pauta com um sabor de ação coordenada do Brics era uma tática para melhorar a situação do Brasil diante do tarifaço, já está claro que não funcionou. Cada país tem negociado com suas próprias forças. Lula deveria era adotar uma estratégia mais eficaz para mitigar o efeito das tarifas.

Congresso deve respeitar vetos de Lula e MP que redefinem licença ambiental

O Globo

Com a decisão, governo promove maior agilidade sem abdicar do rigor necessário nas novas obras

O veto do presidente Luiz Inácio Lula da Silva a 63 trechos do Projeto de Lei (PL) fixando novas regras para o licenciamento ambiental e o envio de uma Medida Provisória (MP) ao Congresso prevendo maior agilidade na análise de obras consideradas estratégicas vão na direção certa: tentam conciliar a celeridade nas licenças com o necessário rigor na proteção do meio ambiente.

Foram vetados os trechos mais descabidos do projeto. Um deles era a criação da insólita Licença por Adesão e Compromisso (LAC), por meio da qual donos de empreendimentos de médio potencial poluidor (inclusive barragens de rejeitos) poderiam seguir adiante com projetos apenas declarando cumprir a lei. Nenhum estudo de impacto ambiental seria exigido. O veto levou em conta jurisprudência do Supremo Tribunal Federal sobre o tema.

Foi barrada também a permissão para que cada estado tivesse regras próprias de licenciamento, sem padronização nacional. Hoje impera a confusão. Normas que valem num estado não valem noutro. Da forma como estava, o PL seria complementado por leis estaduais e municipais que aumentariam a insegurança jurídica.

Outra barbaridade providencialmente evitada foi a extinção do regime de proteção especial previsto na Lei da Mata Atlântica para impedir supressão de floresta nativa. Considerando que resta apenas 24% da cobertura original, da qual 12,4% madura e bem preservada, seria um descalabro.

Houve uma preocupação oportuna com a agilidade do licenciamento. A MP prevê uma Licença Ambiental Especial (LAE), proposta pelo presidente do Senado, Davi Alcolumbre (União-AP), com o objetivo de acelerar obras estratégicas. Ela dá 12 meses para que o órgão licenciador se manifeste. Segundo a ministra do Meio Ambiente, Marina Silva, para que esse prazo seja cumprido, o governo fornecerá equipes dedicadas exclusivamente à apreciação dos projetos. O represamento de licenças, e consequentemente das obras, era um dos principais motivos que tornavam uma nova legislação necessária.

Na MP do governo, a LAE foi mantida, mas se tornou mais rigorosa. Será decidida por um conselho que terá representantes de vários ministérios. Diferentemente do texto aprovado no Congresso, a MP mantém o licenciamento em três etapas, contando com licenças prévia, de instalação e operação. “O respeito às condicionantes necessárias para garantir a proteção ambiental, como ocorre hoje, continua indispensável”, disse Marina ao GLOBO.

Embora a demora no licenciamento nem sempre seja a causa principal da estagnação de projetos importantes para o desenvolvimento, não há dúvida de que a legislação do setor precisava ser atualizada. Mas, sob o pretexto da modernização, o Congresso fragilizou a proteção ao meio ambiente. Fez bem o governo em buscar um meio-termo. Pode não ser o ideal, mas é o possível diante do estrago que se anunciava. Independentemente das rusgas com o Executivo, o Congresso, que analisará os vetos e a MP, precisa ter senso de responsabilidade e apoiar a decisão.

Ranking do TCU ajuda a reavaliar gastos tributários

Valor Econômico

É preciso eliminar os subsídios a atividades de baixo retorno econômico e social

A necessidade de redução dos gastos tributários voltará à mesa de debate nos próximos dias. Sempre em evidência, o tema sobressaiu quando se tornou alternativa para ajudar o governo a recompor suas receitas em meio à resistência do Congresso em aprovar o aumento do Imposto sobre Operações Financeiras (IOF) e a outras propostas tributárias do governo. Mas a imposição da tarifa de 50% sobre a compra de produtos brasileiros pelos Estados Unidos atropelou qualquer outro debate no país.

O corte dos gastos tributários continua importante para fechar as contas deste ano e as de 2026, apesar de o ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal (STF), ter restabelecido a validade do decreto que elevou as alíquotas do IOF e de continuar em discussão a MP 1.303, que tributa aplicações financeiras isentas e ativos virtuais no exterior e eleva taxação sobre bets e fintechs.

Nas vésperas do tarifaço, o governo realizou jantar de reaproximação com o Congresso e discutiu o assunto. No mesmo dia, a Câmara havia aprovado regime de urgência para o PLP 128/2025, de autoria do deputado Mauro Benevides (PDT-CE), que propõe um corte de no mínimo 10% sobre os incentivos tributários até 2026.

Nem todo gasto tributário pode ser cortado. Há programas garantidos total ou parcialmente pela Constituição. A Warren Investimentos calcula que 13% desses gastos estão previstos na Constituição, entre eles isenções para entidades sem fins lucrativos nas áreas de saúde, assistência social e educação ou de entidades filantrópicas e a Zona Franca de Manaus (Valor, 11/6). O maior programa de todos, o Simples, inclui partes constitucionais que elevam a 33% o total não passível de redução. Dos R$ 544,5 bilhões previstos em gastos tributários para o ano, cerca de metade pode ser cortada, o que traria cerca de R$ 20 bilhões para a União em 2026 se for aplicado o ajuste de 10%.

Dados da Receita obtidos por meio de nova declaração, na qual as empresas informam que benefícios usufruem, porém, indicaram que a renúncia de receitas é bem maior e chega perto de R$ 800 bilhões. Na agricultura e na agroindústria, as empresas declararam uso de R$ 158,3 bilhões em benefícios em 2024, enquanto o fisco esperava renúncia de R$ 58,9 bilhões. No caso da ZFM, empresas declararam R$ 54,7 bilhões, mas a renúncia era estimada em R$ 32,7 bilhões.

Além da declaração, uma nova ferramenta pode fornecer ao governo dados para definir quais programas são indicados a mudanças uma vez que o próprio PLP 128/2025 abre espaço para cortes setoriais variáveis, observados os 10% no total. O Tribunal de Contas da União (TCU) acaba de concluir levantamento que aponta os programas com maior nível de risco - de sustentabilidade e transparência das contas públicas - em relação ao Referencial de Controle de Benefícios Tributários do órgão. O ranking do TCU compreende 84% das renúncias previstas para este ano.

Quatro critérios foram aplicados no exame dos programas: aderência das regras do benefício às boas práticas estabelecidas pelo TCU, os resultados apresentados, monitoramento e avaliação, e viabilidade de revogação ou alteração. Uma pontuação de 1 a 3 é atribuída a cada critério. Quanto maiores a pontuação de cada critério e a total, maior é o risco do programa. Nem sempre o programa de maior impacto orçamentário é o que tem pior avaliação. Segundo o TCU, nessa categoria estão os que concedem isenção tributária a títulos de crédito e benefícios ao setor automotivo. Em seguida estão as deduções do IR de Pessoas Físicas referentes a gastos com saúde e educação; ZFM e benefícios para informática e automação. Os cinco somam R$ 102,74 bilhões em incentivos.

O programa de maior impacto orçamentário, o Simples Nacional, com R$ 120,97 bilhões, e os benefícios à cesta básica, MEI, isenção de imposto para quem tem mais de 65 anos, agricultura e agropecuária de um total de dez, tiveram o risco avaliado como médio. O único benefício com resultados positivos no ranking do TCU é o destinado a pesquisas científicas e inovação tecnológica, que é também o único classificado com risco baixo.

A divergência de dados entre o apurado pela Receita e o que consta no Orçamento expõe a falta de controle dos gastos tributários. Sua reavaliação é uma tarefa a que se propuseram vários governos, sempre adiada ou irrealizada. Nos momentos de aperto de caixa da União, como agora, sai da cartola de mágicas fiscais para fazer figuração e ser novamente deixada de lado. Existe preceito legal para que o corte de gastos tributários seja feito, instituído no governo Bolsonaro, que não fez a menor questão de insistir em sua execução.

É preciso eliminar os subsídios a atividades de baixo retorno econômico e social. Se for o caso de manter alguns programas por questões sociais, assimetrias regionais ou de competitividade no mercado externo, é importante definir prazos e modos de avaliação dos resultados. O fechamento dessas brechas tributárias, que realçam a desigualdade do sistema, não substitui outra tarefa imprescindível: manter as contas públicas em dia e os gastos, contidos.

PJ aquece mercado de trabalho, mas impõe desafios

Folha de S. Paulo

Atividade por conta própria ganha mais vagas e renda; legislações devem se adaptar às mudanças

Em 2014, os celetistas eram 41%, ante cerca de 22% de trabalhadores por conta própria. Atualmente, são 38,1% e 25,2%, respectivamente

Os números do trabalho no Brasil passaram por mudanças relevantes desde a grande recessão de 2014-16, em parte influenciadas pela reforma da CLT aprovada em 2017.

Termos como terceirização e pejotização entraram no centro dos debates político e econômico. Depois de uma década, o cenário demanda que se discutam regulação do trabalho, impostos e contribuições previdenciárias.

Reportagem nesta Folha apresentou dados —oriundos de pesquisa de Nelson Marconi, da Escola de Administração de São Paulo da FGV— que revelam a redução da parcela dos ocupados em contratos regidos pela Consolidação das Leis do Trabalho.

Ademais, pessoas empregadas por conta própria, segundo a terminologia do IBGE, e com CNPJ têm rendimentos superiores aos daqueles que trabalham nos mesmos setores como celetistas.

Uma pista para explicar tal diferença é o fato de que entre os por conta própria formalizados há pessoas de maior qualificação. A redução do custo tributário e a flexibilidade levaram pessoas a optar por esse regime ou a serem para ele levadas por empresas que as empregavam.

A parcela dos empregados em contratos da CLT era de 39,2% em 2012; chegou ao pico de 41% do total dos ocupados em 2014. A taxa dos que trabalhavam por conta própria flutuou pouco em torno de 22,5% de 2012 a 2014, indo a 24,1% no final de 2016. Atualmente, os celetistas são 38,1%, e os por conta própria, 25,2%.

Note-se que, desde 2019, quase todo o crescimento dos primeiros se deu naquela categoria dos que têm registro de CNPJ, com rendimentos mais altos.

Ainda que possa favorecer trabalhadores, a transformação não deixa de trazer questões problemáticas. Os regimes de tributação do Simples e do Microempreendedor Individual (MEI), que facilitam ou incentivam a pejotização —tornar-se pessoa jurídica, ou PJ— com isenções fiscais, também provocam a redução da receita de impostos e contribuições previdenciárias.

Por exemplo, em 2012, o gasto tributário com o Simples equivalia a 0,66% do Produto Interno Bruto; em 2025, a 0,98%.

Tais impactos se somam ao envelhecimento da população como motivos de subfinanciamento da Previdência Social. No caso federal, a receita do INSS passou do patamar de 4,7% do PIB na virada do século para uma média de 5,6% entre 2009 e 2024, ora em 5,5%. Já a despesa cresceu de 5,7% do PIB para 8% do PIB hoje.

A correta reforma de 2017 tornou a CLT menos rígida e obsoleta, facilitando a criação de vagas formais. A legislação trabalhista precisa continuar se adaptando às mudanças no mercado, que incluem ainda o emprego por aplicativos. Igualmente, as normas previdenciárias, alteradas em 2019, precisarão de aperfeiçoamento contínuo nos anos por vir.

Recalibrar a tributação de salários e lucros e delimitar o alcance do Simples e do MEI são temas a serem tratados desde já.

Mais creche para quem mais precisa

Folha de S. Paulo

Acesso desigual a essa etapa da educação precisa ser combatido com alocação racional de recursos

Em 2024, a taxa de crianças matriculadas entre os mais ricos era de 60%, ante 30,6% nos mais pobres, e essa diferença subiu desde 2016

educação formal nos primeiros anos de vida beneficia não só a aprendizagem por toda a vida escolar dos alunos, mas a empregabilidade e o salário das mães, que com mais tempo livre podem entrar no mercado de trabalho ou alcançar melhor remuneração.

Nesse sentido, é inaceitável que essa dupla ferramenta de geração de renda não receba a devida atenção num país emergente como o Brasil. O Plano Nacional de Educação, de 2014, estabeleceu que a taxa de crianças de 0 a 3 anos matriculadas em creches em 2024 deveria ser de 50%. No ano passado, contudo, chegou-se a apenas 41,2%.

A essa inabilidade dos governos em cumprir metas somam-se discrepâncias sociais e regionais. O indicador no Sudeste era superior à média nacional (46,9%), e no Norte, bem menor (22,5%).

Levantamento de dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad) do IBGE e do Censo Escolar realizado pela ONG Todos pela Educação mostra que, em 2016, a taxa entre os 20% mais ricos era de 44,5%, ante 22,5% nos 20% mais pobres.

Já em 2024, essa diferença entre os dois estratos, que era de 22 pontos percentuais, subiu para quase 30 pontos, com 60% entre os mais ricos e 30,6% entre os de renda mais baixa.

A desigualdade também se manifesta nos motivos apresentados para a exclusão. Entre os mais pobres, 36,5% das crianças ficam em casa devido a escolhas dos responsáveis, e 28,3, por falta de oportunidade. Já entre os mais ricos, 30,2% estão fora da creche por opção, e somente 6,1% por dificuldade de acesso.

Quase 2,3 milhões de brasileiros de 0 a 3 anos não frequentam creches por desafios no acesso, o que corresponde a 19,7%% desse contingente no país.

A educação nessa faixa etária não é obrigatória, mas é um direito, cuja garantia cabe às prefeituras, mas governos estaduais e federal têm o dever de colaborar.

Segundo estudo de 2024 do Gabinete de Articulação para a Efetividade da Educação e do Ministério da Educação (MEC), 632 mil crianças estavam fora das creches por falta de vagas e 44% dos municípios tinham fila para matrículas.

Gestores precisam alocar recursos que beneficiem estratos e locais mais vulneráveis.

Por óbvio, há grandes obstáculos a enfrentar, como as enormes áreas remotas na região amazônica e os déficits fiscais de Orçamentos engessados nos três níveis de governo. Essa, porém, é uma prioridade indiscutível —e política essencial para a superação da pobreza e das disparidades sociais e de gênero.

O licenciamento ambiental possível

O Estado de S. Paulo

Com os vetos de Lula, a lei sancionada corrige algumas distorções e evita retrocessos graves. Agora, é preciso racionalidade tanto na análise dos vetos como na regulação

Os 63 vetos do presidente Lula da Silva ao Projeto de Lei do Licenciamento Ambiental, acompanhados de um projeto de lei e de uma medida provisória para preencher lacunas e manter o diálogo com o Congresso, configuram um meio-termo: nem afronta aberta ao Legislativo nem submissão à sua vontade. O governo, ao preservar salvaguardas ambientais centrais e ao mesmo tempo acenar a setores produtivos e aliados políticos, buscou uma solução de compromisso no que tantas vezes é tratado como dilema insolúvel: produzir ou preservar.

A lei sancionada corrige distorções graves do texto que saiu da Câmara, como a ampliação indiscriminada da Licença por Adesão e Compromisso para empreendimentos de médio impacto, a flexibilização da proteção da Mata Atlântica ou a dispensa de consulta a povos indígenas em terras ainda não homologadas. Essas alterações convergem para o espírito original do projeto de simplificação com responsabilidade, evitando retrocessos ambientais e insegurança jurídica, e respondendo à necessidade de prazos definidos, clareza normativa e proporcionalidade nos procedimentos, sem abrir mão do rigor técnico e da avaliação dos impactos.

Há, contudo, pontos críticos que permanecem. A manutenção da Licença Ambiental Especial, ainda que sem o procedimento monofásico aprovado pelo Congresso, continua a gerar dúvidas. Trata-se de um instrumento que pode agilizar projetos estratégicos, mas cuja definição dependerá de critérios políticos no Conselho de Governo. A pressa não substitui o rigor, e prazos curtos demais podem comprometer a qualidade dos estudos de impacto, abrindo espaço para decisões motivadas por conveniências de ocasião.

Outro aspecto sensível é a centralização dos critérios de licenciamento na União. A uniformidade evita a “guerra de desregulação” entre Estados, mas o debate poderia ter buscado soluções intermediárias que preservassem algum espaço para adaptação a realidades locais, desde que sem comprometer padrões ambientais nacionais. A reação negativa da Associação Brasileira de Entidades Estaduais de Meio Ambiente é previsível, mas não altera a necessidade de uma coordenação central que evite fragmentação regulatória e insegurança jurídica.

O balanço final é de um avanço real, mas limitado. O licenciamento ambiental brasileiro padece de problemas crônicos: morosidade, sobreposição de competências, excesso de burocracia e carência de capacidade técnica nos órgãos ambientais. A nova lei enfrenta parte dessas questões ao impor prazos e simplificar procedimentos, mas não resolve o déficit estrutural de recursos humanos, tecnologia e integração de dados que resulta em lentidão e ineficiência.

A negociação que levou aos vetos demonstra que é possível conciliar agendas divergentes. Mas se o governo tivesse investido o mesmo empenho durante a tramitação do projeto, o texto aprovado pelo Congresso poderia ter sido mais equilibrado desde o início, evitando choques e a necessidade de uma operação complexa de vetos e complementações.

Agora, a lei seguirá sendo testada em três arenas decisivas: na análise dos vetos pelo Congresso, nas regulamentações infralegais que definirão sua aplicação prática e na provável judicialização de pontos controversos. Em todas elas, será preciso resistir à tentação da intransigência e do revanchismo. O Brasil não pode se dar ao luxo de transformar a política ambiental em mais um campo de batalha entre Executivo e Legislativo, entre lulopetistas e bolsonaristas e entre ambientalistas e setor produtivo.

O desafio central é construir um equilíbrio sustentável e realista entre preservação e produção. É esse espírito público, de negociação e busca de consensos fundamentados em avaliações técnicas e evidências sólidas, que deve guiar os próximos passos. O País precisa de um sistema de licenciamento que não seja nem o gargalo paralisante de hoje nem uma porteira escancarada para a degradação, mas uma via segura, ágil e previsível para o desenvolvimento sustentável, capaz de proteger o patrimônio natural e, ao mesmo tempo, destravar o potencial econômico brasileiro.

Lula aposta no sectarismo

O Estado de S. Paulo

Ao desistir de se aproximar dos evangélicos porque o esforço tende a não lhe render votos, o presidente revela visão estreita do que seja governar e desprezo pela pluralidade democrática

Coluna do Estadão informou há poucos dias que o presidente Lula da Silva desistiu de vez de tentar se aproximar dos evangélicos, haja vista a firme desaprovação de seu governo nesse segmento da sociedade. Sabe-se que em política tudo pode mudar, mas a noticiada decisão do presidente revela, se mantida, mais do que um cálculo eleitoral: expõe uma concepção estreita do que seja governar e um lamentável desprezo pelos anseios dos 26,9% da população brasileira que professam a fé evangélica, de acordo com o Censo 2022 do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).

Lula parece ter concluído que reverter um patamar de desaprovação acima dos 50%, segundo o Datafolha, é virtualmente impossível. Logo, seguindo-se a lógica mesquinha do petista, não há razão para gastar energia tentando melhorar a imagem do governo entre os evangélicos se esses ingratos serão incapazes de lhe retribuir com votos em 2026. Ao tomar essa decisão, Lula não apenas abdica de estabelecer um diálogo republicano com o segmento religioso, como ainda confirma um padrão que o acompanha desde a sua primeira passagem pelo Palácio do Planalto.

Da parte de Lula, nunca houve uma visão dos evangélicos como cidadãos que merecem a atenção genuína do chefe de Estado e de governo, independentemente de sua utilidade eleitoral. Sempre que se aproximou dessa parcela da sociedade, Lula o fez por conveniência de ocasião. E sempre que entendeu que não obteria os dividendos eleitorais que esperava, recuou. Em seus mandatos anteriores, o diálogo estabelecido com lideranças evangélicas tivera como norte não a escuta atenciosa dos anseios de, aproximadamente, 48 milhões de brasileiros, mas a captação de votos. Trata-se de uma visão reducionista, que toma “os evangélicos” como um bloco monolítico, frequentemente associado a “atraso”, “reacionarismo” ou “golpismo” – se não por Lula, seguramente pelos devotos do demiurgo, muitos com acesso privilegiado a seus ouvidos.

A desistência em tratar com os evangélicos também reforça um outro aspecto relevante para a compreensão desse movimento: a notória inapetência política de Lula neste terceiro mandato. O presidente se mostra pouco disposto a receber parlamentares, a conversar com movimentos sociais como outrora ou a buscar convergências com setores resistentes ao seu “projeto”, digamos assim, para o Brasil. Em vez de governar para todos, Lula se comporta cada vez mais como líder de facções, limitando sua atenção às bases que já o apoiam. Tal atitude não apenas reduz a eficácia de seu governo, como mina a própria ideia de uma Presidência republicana, o que implica ouvir e representar a totalidade dos brasileiros – inclusive, e sobretudo, os que divergem de Lula.

A opção por se distanciar dos evangélicos também parece se inserir num contexto mais amplo de reorientação estratégica do PT para o que se pode chamar de “era pós-Lula”, cada vez mais próxima. Com a perspectiva realista de voltar à oposição em algum momento no futuro próximo, o PT parece preparar o terreno para reocupar um espaço no qual sempre nadou de braçada. A experiência mostra que o partido, quando na oposição, optou pela divisão e pelo conforto da crítica, por vezes raivosa, à responsabilidade em relação ao País. Se com o PT na Presidência já se observa essa atitude, fora do poder será tanto mais fácil dividir a sociedade entre “ricos” e “pobres”, “progressistas” e “reacionários” ou “democratas” e “golpistas”. E os evangélicos, que nunca foram o público-alvo do partido, certamente não figurarão num desses polos que o PT considera virtuosos.

Se Lula julga que não há retorno possível na relação com os evangélicos, o problema talvez não seja a suposta intransigência de parte do segmento religioso em reconhecer as maravilhas que o petista julga estar fazendo pelo Brasil. O problema é a incapacidade do presidente da República de estabelecer pontes para além de seus redutos eleitorais. A política, afinal, é a arte de construir consensos mínimos entre divergentes em prol da Nação. Logo, ao desistir dessa arte por não enxergar bônus eleitorais, Lula amesquinha um dos fundamentos da boa convivência democrática e aprofunda as divisões no País.

Ainda a falta de creches

O Estado de S. Paulo

Estudo mostra cenário desolador para crianças de 0 a 3 anos, fase decisiva no desenvolvimento

Um estudo divulgado recentemente pelo Todos Pela Educação mostrou que o Brasil lamentavelmente ainda falha no cuidado de uma parcela da população que deveria ser a sua prioridade absoluta. Segundo o levantamento realizado com base em dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua (Pnad-C) e do Censo Escolar, o País tem nada menos do que 2,3 milhões de crianças de 0 a 3 anos de idade, ou quase 20% do total nessa faixa etária, fora da creche por falta de acesso a esses equipamentos de educação infantil. E essa realidade desoladora é ainda mais cruel com os brasileiros mais pobres.

De acordo com o estudo, 28% das crianças que vivem em famílias que estão entre os 20% mais pobres da população não frequentam a creche por causa de entraves alheios à vontade dos pais, como falta de vaga, distância da residência ou recusa no atendimento por causa da idade, enquanto esse índice cai para 6% entre os 20% mais ricos. No período analisado, de 2016 a 2024, até houve avanços no acesso, mas cresceu a disparidade entre ricos e pobres. Do saldo geral, apenas 41,2% das crianças de 0 a 3 anos frequentavam a creche em 2024, quando a meta nacional era atingir 50% dessa faixa etária.

Como se vê, o problema é crônico. O cenário descrito pelo Todos Pela Educação resume bem a negligência do Brasil com as suas crianças. Primeiramente porque, em vez de diminuir as desigualdades, o País tem aprofundado as distâncias e as diferenças entre a sua população, o que só acentua a exclusão social. Além disso, apesar de ampliar o acesso às creches, o Brasil expande as vagas em um ritmo muito lento, aquém das necessidades desse público-alvo e de suas famílias.

O Congresso discute um projeto de lei do Plano Nacional de Educação (PNE) com uma meta ainda mais ambiciosa para os próximos dez anos, ao propor que 60% das crianças de 0 a 3 anos estejam na creche ao fim desse período. E o governo Lula da Silva acaba de lançar a Política Nacional Integrada da Primeira Infância, por meio de um decreto em que a primeira infância, que vai de 0 a 6 anos de idade, é elevada à condição de política de Estado, apresentando-a, ao menos em termos normativos, como uma “absoluta prioridade”.

Essa política pretende reduzir as desigualdades, priorizar as famílias em situação de vulnerabilidade social, garantir o acesso e a permanência na educação infantil, destinar recursos para a área e articular iniciativas entre a União, os Estados e os municípios, além de monitorar e avaliar periodicamente as medidas. Ou seja, tudo o que o País não fez bem até agora. É preciso ter fé, haja vista que é entre 0 e 6 anos de idade que o desenvolvimento humano é decisivo, e, quando bem estimulado, pode garantir uma vida mais produtiva na fase adulta. Já está provado também que o investimento na educação infantil traz imensos ganhos no longo prazo para toda a sociedade.

O Brasil precisa implementar com seriedade a Política Nacional Integrada da Primeira Infância, valorizar essa fase da vida, ofertar vagas nos lugares certos e aplicar recursos em creches e pré-escola, a ponto de torná-las universais. As crianças não podem mais esperar.

Economia gig desafia as relações de trabalho

Correio Braziliense

Especialistas reconhecem ser impossível desacelerar o jeito moderno de comprar. E também admitem que é preciso buscar soluções para que a rotina dos profissionais do e-commerce se torne menos insalubre

As relações de consumo têm se transferido para o mundo digital de forma indiscutível. Preço baixo e comodidade estão entre as razões para os brasileiros cada vez mais adquirirem produtos e serviços em poucos cliques. Até carro pode ser adquirido nas vitrines digitais, que contam com o trabalho de entregadores para fazer a engrenagem da chamada economia gig (gig economy, em inglês) funcionar. 

Motociclistas e motoristas de carros movimentam uma atividade que deve fechar este ano com um faturamento de cerca de R$ 234 bilhões e 3 milhões de novos compradores. Sobre as rodas, profissionais autônomos, freelancers e prestadores de serviço se dedicam às entregas do e-commerce como renda única ou para elevar a receita familiar, como mostra série de reportagens do Correio.

Em comum, relatos de rotinas pesadas — do estresse do trânsito à quantidade de entregas diárias, que chegam a 100 — e a falta de cobertura. O prejuízo devido ao desvio ou à perda da encomenda costuma ser de responsabilidade do trabalhador, que, na informalidade, pode se ver desassistido caso seja vítima de um acidente. A neuropsicóloga Juliana Gebrim elenca os prejuízos ainda para a saúde: irritabilidade, ansiedade, dificuldade de concentração e insônia estão entre os principais.

No Distrito Federal, cerca de 41 mil  entregadores aderiram à economia gig. Em todo o país, são 1,49 milhão de brasileiros. O sistema tem atrativos, como flexibilidade de horário, autonomia para estabelecer preço e definir o tempo da jornada de trabalho e a possibilidade de atender a mais de uma plataforma digital, com objetivos diferentes. No outro lado da moeda, estão desvantagens, a começar pela insegurança financeira, quando comparada a contratos tradicionais de trabalho, como a CLT.

Professor e pesquisador do Departamento de Sociologia da Universidade de Brasília (UnB), Teles Viana descreve ao Correio uma rotina de trabalho que preocupa: "O que se vê como eficiência logística é, na prática, sustentado por um contingente de trabalhadores invisíveis, que inclui operadores, triadores (os que fazem a triagem), motoristas de longa distância e equipes de apoio. Todos submetidos a metas rígidas, jornadas extenuantes e sistemas de vigilância digital que transformam cada movimento em dado para aumentar a produtividade".

Especialistas reconhecem ser impossível desacelerar o jeito moderno de comprar. E também admitem que é preciso buscar soluções para que a rotina dos profissionais do e-commerce se torne menos insalubre. O especialista em empreendedorismo Flávio Hideo entende que o novo modelo reflete mudanças naturais nas relações de emprego, atendendo a demandas comuns, inclusive, das novas gerações, mas é preciso "evoluir", alerta. "Para isso, a regulamentação é importante, para que todos exerçam suas atividades de forma segura, com respaldo legal. Isso não só deve inviabilizar os negócios, como também excessos de burocracia e tributações".

Na comemoração do Dia do Trabalhador (1º de maio) deste ano, tanto a economia gig quanto a pejotização dos profissionais foram problemas lançados na mesa do governo. Os dados oficiais desafiam o poder público a encontrar uma solução para garantir e avançar nos direitos dos trabalhadores: são cerca de 32,5 milhões de brasileiros — 31,7% da força de trabalho — atuando de modo informal. Se falta segurança e bem-estar, há de se questionar as armadilhas da modernidade. 

A ação lenta do governo Lula

O Povo (CE)

Tem sido lenta, além da conta, a capacidade do governo de Luiz Inácio Lula da Silva de oferecer condições aos empresários e às empresas brasileiras diante das dificuldades criadas pela vigência, desde o dia 6 último, das medidas dos Estados Unidos que estabelecem barreiras extras para o acesso de exportações brasileiras àquele mercado. Espera-se que elas finalmente sejam anunciadas nesta terça-feira, ainda a tempo de amenizar a repercussão negativa do quadro criado com a sobretaxação de 50% para muitos dos nossos produtos.

Claro que se deve entender, quando observado no âmbito do razoável, uma postura de cuidado para evitar que medidas açodadas sejam adotadas. A história registra situações nas quais o foco errado impôs perdas importantes às contas públicas, através de isenções e renúncias fiscais pouco ajustadas, sem que, de outra parte, o retorno final obtido tenha justificado o esforço feito em nome da sociedade.

Está prometida para a crise da vez uma postura mais comedida das autoridades. Comprometendo o menos possível as contas do governo, o que poderia impactar em outros aspectos da economia, ao mesmo tempo em que garantindo o apoio de que precisam os setores afetados, direta e indiretamente.

Acontece que já são sete dias desde o começo de vigência das medidas, anunciadas ainda em 31 de julho passado, ou seja, elas eram conhecidas até há mais tempo. Faz sentido, portanto, a cobrança firme feita recentemente pelo presidente da Federação das Indústrias do Estado do Ceará (Fiec), Ricardo Cavalcante, de uma ação mais rápida no plano federal, já que destacava o fator comparativo de a gestão Elmano de Freitas, no plano estadual, já haver conseguido apresentar um pacote de medidas importantes para amenizar o impacto da situação inesperada.

Basicamente, de início, são quatro ações previstas e, segundo o governador, resultado de um amplo diálogo com os setores e empresas afetadas. Uma delas concede subvenções até um limite que ainda será definido em decreto pela gestão, considerados os cálculos de perdas reais que a vigência do tarifaço determinará. Outra, igualmente importante e necessária, prevê a compra de produtos alimentícios produzidos por exportadoras cearenses que venham a enfrentar dificuldades para venda ao mercado dos Estados Unidos diante da nova política tarifária.

A expectativa geral é de que o anúncio das medidas pelo governo Lula aconteça hoje. O contexto nacional tem se mostrado mais desafiador, aponte-se, diante das dificuldades políticas encontradas pelos negociadores habilitados pelo presidente Lula, em especial seu vice e ministro do Desenvolvimento, Indústria e Comércio, Geraldo Alckmin, na tentativa de diálogo com governadores vinculados à oposição para se acertar uma resposta única do País. Uma pena, porque isso fragiliza a posição brasileira diante de um momento que pedia consensos e união.

 


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