terça-feira, 12 de agosto de 2025

Mais pragmatismo e menos ideologia - Rubens Barbosa

O Estado de S. Paulo

Não resta alternativa ao governo Lula senão estabelecer um canal de alto nível com a Casa Branca

O relacionamento entre o Brasil e os EUA passa por um momento de grandes desafios com os desdobramentos da opção feita por Trump de utilizar a lei de emergência econômica (International Emergency Economic Power Act - Ieepa) como fundamento das tarifas aplicadas aos produtos nacionais.

Trump assinou na semana passada ordem executiva baseada na Ieepa que dá poderes ao presidente norte-americano para tomar medidas de modo a afastar as ameaças à economia dos EUA e à segurança nacional. Essa lei tem sido usada como justificativa para as tarifas de todos os países, mas está tendo desdobramentos políticos internos com o Brasil. Por outro lado, para alguns outros países, a base legal para a aplicação das tarifas está amparada pela Seção 232 do Trade Expansion Act de 1962, que trata a questão da segurança nacional sob o ângulo comercial, sem declaração de emergência. No caso da China, a legislação invocada foi a Seção 301 do Trade Act de 1974.

É importante entender a diferença entre as duas legislações. Enquanto a Seção 232 e a 301 são implementadas pelos órgãos técnicos de comércio exterior, a lei de emergência econômica é aplicada pelo Departamento de Estado e pelo Tesouro, sem consulta ao Congresso, e é utilizada como meio de pressão diplomática com caráter extraterritorial, como foi o caso da Lei Magnitsky e, na semana passada, a pesada nota da embaixada dos EUA. A Ieepa pode alcançar empresas ou indivíduos no Brasil. As empresas podem ser afetadas por bloqueios bancários, encerramento de linhas de crédito internacional, exclusão de fornecedores de peças e equipamentos e até sanções secundárias, quando transacionam com outros países, como foi o caso da Índia, por comprar petróleo da Rússia.

A política tarifária em relação ao Brasil tem uma característica única por abrir a possibilidade de tratar questões políticas e diplomáticas mais amplas e que, espera-se, estejam sendo objeto de exame e consideração mais cuidadosos pelo governo em Brasília. As ações do Departamento de Estado, diante da atitude antagônica de Marco Rubio em relação ao Brasil, são inaceitáveis. O risco e a ameaça são claros e vão requerer uma defesa da soberania e do interesse nacional mais sofisticada e responsável.

Os desdobramentos dessa medida já estão começando a aparecer. Foi aberta uma investigação no âmbito da seção 301 da lei de comércio exterior para apurar medidas restritivas contra produtos norte-americanos, serviços financeiros (Pix) e até o desmatamento da Floresta Amazônica.

Além dessa investigação, o Congresso dos EUA está examinando um projeto de lei que autoriza recursos financeiros a órgãos de inteligência para, entre outras áreas de interesse para os EUA, avaliar e preparar relatório sobre os investimentos da China no setor agrícola do Brasil. O Intelligence Authorization Act, se aprovado, financiará a Agência Central de Inteligência (CIA) e a Agência de Segurança Nacional (NSA) para o combate às ameaças à segurança nacional dos EUA.

No tocante ao relacionamento entre o Brasil e a China, esses órgãos de informação deverão elaborar “avaliação e relatório sobre investimentos da China no setor agrícola no Brasil, após consulta com o Departamento de Estado e a Secretaria da Agricultura” e avaliar “o nível de envolvimento do presidente Xi Jinping, ou por ele ordenado, com autoridades brasileiras, com foco no setor agrícola do Brasil”. O relatório deverá também incluir análise sobre “o nível de envolvimento da China com o setor agrícola do Brasil” e “as intenções estratégicas do possível envolvimento do presidente Xi ou por ele ordenado, para investimento no setor agrícola do Brasil”. O relatório deverá examinar “o número de entidades com sede na China ou de propriedade do país com investimentos no setor agrícola do Brasil, incluindo joint ventures com empresas brasileiras” e listar “os impactos sobre a cadeia de suprimentos, o mercado global e a segurança alimentar gerados por investimentos ou pelo controle do setor agrícola brasileiro pela China”.

As tensões entre os EUA e a China, considerada pelo governo de Washington como inimiga, podem respingar em outros países com forte relacionamento com Pequim. O Brasil é um parceiro estratégico da China, especialmente na área agrícola, e por isso atraiu as atenções estratégicas dos órgãos de inteligência.

O governo brasileiro tem de definir claramente seu objetivo em relação às medidas restritivas já tomadas e outras que poderão ser adotadas contra o Brasil. Não convêm ao interesse nacional a posição defensiva e uma narrativa para fins de política interna.

O impasse atual, com as dificuldades e as diferenças de caráter político e ideológico, tem de ser superado para o avanço das negociações comerciais. À luz da tendência da escalada político-diplomática, não resta alternativa ao governo Lula senão estabelecer um canal de alto nível com a Casa Branca por meio de um telefonema de Lula a Trump ou a ida do vice-presidente, Geraldo Alckmin, para um encontro com JD Vance.

A China e a Índia, que, junto com o Brasil, são os países com as tarifas mais altas, com possíveis novas medidas restritivas, continuam a negociar com Trump, de forma pragmática e deixando de lado a ideologia. •

 

Nenhum comentário: