Valor Econômico
Plano Real deixou de eliminar a indexação, o
que faz com que inflação passada se reflita na futura
Duas semanas atrás, o Banco Central manteve a
taxa básica de juros em 15% ao ano, a mais alta em quase 20 anos. Ela
precisaria estar em nível tão elevado?
A resposta a essa pergunta e a discussão
desse tema ficaram em segundo plano nos últimos meses, porque o escandaloso
tarifaço de Trump atraiu toda a atenção dos agentes econômicos. Também porque o
governo atenuou as críticas ao BC depois que um indicado pelo presidente Lula,
Gabriel Galípolo, assumiu o comando do banco.
É importante, porém, voltar a falar sobre
juros, visto que a manutenção da taxa de 15% é talvez tão prejudicial quanto o
tarifaço para a economia do país.
Lá vai, então, um estímulo a esse debate. Esta coluna teve acesso a proposta feita no meio acadêmico, fora do mercado financeiro, portanto, a pedido do Centro de Estudos e Debates Estratégicos da Câmara dos Deputados, que levanta os problemas da condução da política monetária brasileira sob o regime de metas de inflação. O autor é o professor da UnB José Luís Oreiro, combativo economista pós-keynesiano e novo-desenvolvimentista.
A conclusão do estudo indica que o Brasil
caiu na “Armadilha da alta taxa de juros e do alto câmbio” e precisa de
profunda reforma na arquitetura institucional da condução da política
monetária. Para isso, propõe cinco medidas:
1. Adoção de um duplo mandato para o BC,
incorporando explicitamente metas de crescimento e emprego, além da meta de
inflação.
Não seria razoável que o BC continuasse a
definir as taxas de juros de olho apenas na meta de inflação e com vaga menção
aos dois outros itens. Nos EUA, por exemplo, o Federal Reserve tem em seus
estatutos as missões de assegurar a estabilidade de preços e, ao mesmo tempo,
manter a economia o mais próxima possível do pleno emprego. É fato que a
definição desse pleno emprego, no Brasil, seria polêmica, dado o avanço da
informalidade no setor.
2. Implementação de um regime de metas de
inflação mais flexível, com missões realistas, e utilizando o núcleo da
inflação.
Esse regime mais flexível poderia reduzir a
pressão por juros excessivamente altos. A meta de 3% é irrealista — nos últimos
20 anos, só uma vez a inflação ficou abaixo desse nível. A utilização do IPCA
cheio, que inclui componentes voláteis, como alimentos e energia, extremamente
suscetíveis a choques de oferta, também pode levar o BC a aumentar os juros em
resposta a choques de oferta temporários, sobre os quais a política monetária
não tem nenhum efeito. Vimos isso recentemente, quando houve uma explosão dos
preços de alimentos, já debelada (não pelos juros, mas por fatores sazonais).
3. Adoção de uma reforma monetária para
reduzir o grau de indexação de preços na economia e, em consequência, combater
a inércia inflacionária.
O Plano Real foi genial, mas não perfeito,
porque promoveu uma estabilização inacabada. Foi bem-sucedido no combate à
inflação crônica, mas não eliminou completamente os mecanismos que perpetuam a
inércia inflacionária. A continuidade da indexação de preços, salários,
contratos e títulos da dívida pública faz com que a inflação passada se reflita
na presente, dificultando a sua redução e demandando uma política monetária
mais restritiva (juros altos).
4. Reforma na composição da dívida pública,
com substituição gradual de títulos indexados pela inflação por títulos
prefixados.
Há uma proporção significativa da dívida
pública indexada à taxa Selic e isso cria um ciclo de autoalimentação negativo,
no qual taxas de juros mais altas elevam o custo do serviço financeiro da
dívida, amplificando os desequilíbrios fiscais e colocando uma pressão
adicional por manutenção de juros elevados. A forma de financiar a dívida
pública a torna altamente sensível às variações dos juros. Quando a Selic
aumenta, os gastos do governo com o pagamento de juros também crescem quase
imediatamente. Cerca de 80% da dívida pública decorre de acumulação de juros, e
20%, de déficits primários.
5. Introdução de controles de capitais para
gerenciar a volatilidade cambial e manter uma taxa de câmbio competitiva.
A manutenção da taxa de juros acima do nível
internacional (ajustado pelo prêmio de risco-país) leva a uma forte entrada de
capitais especulativos e à apreciação da taxa nominal de câmbio. Isso tem
impacto negativo na competitividade das exportações, especialmente de
manufaturados. A combinação de altas taxas de juros e câmbio sobrevalorizado
também contribuiu para a desindustrialização prematura da economia.
O objetivo das propostas encaminhadas pelo
professor Oreiro ao Congresso seria trazer as taxas de juros brasileiras para
níveis próximos dos juros internacionais, considerado, naturalmente, o prêmio
de risco país. Isso daria impulso à industrialização e ao crescimento
econômico. Caberia então ao Congresso a tarefa de se debruçar sobre essas
questões e adotar as medidas legislativas para a solução dos problemas que
levam o país a ocupar constantemente a incômoda posição de campeão mundial dos
juros reais.
Em vez de ofuscar o debate dos juros, as
maldades de Trump deveriam estimulá-lo. Selic na lua e tarifaço são overdose
recessiva.
PS.: O Brasil é um curioso país onde se
considera “escandaloso” o gasto de R$ 1 trilhão por ano com benefícios
previdenciários e “natural” que valor semelhante seja direcionado ao pagamento
de juros a rentistas.
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