terça-feira, 12 de agosto de 2025

Tarifaço não pode silenciar o debate sobre os juros - Pedro Cafardo

Valor Econômico

Plano Real deixou de eliminar a indexação, o que faz com que inflação passada se reflita na futura

Duas semanas atrás, o Banco Central manteve a taxa básica de juros em 15% ao ano, a mais alta em quase 20 anos. Ela precisaria estar em nível tão elevado?

A resposta a essa pergunta e a discussão desse tema ficaram em segundo plano nos últimos meses, porque o escandaloso tarifaço de Trump atraiu toda a atenção dos agentes econômicos. Também porque o governo atenuou as críticas ao BC depois que um indicado pelo presidente Lula, Gabriel Galípolo, assumiu o comando do banco.

É importante, porém, voltar a falar sobre juros, visto que a manutenção da taxa de 15% é talvez tão prejudicial quanto o tarifaço para a economia do país.

Lá vai, então, um estímulo a esse debate. Esta coluna teve acesso a proposta feita no meio acadêmico, fora do mercado financeiro, portanto, a pedido do Centro de Estudos e Debates Estratégicos da Câmara dos Deputados, que levanta os problemas da condução da política monetária brasileira sob o regime de metas de inflação. O autor é o professor da UnB José Luís Oreiro, combativo economista pós-keynesiano e novo-desenvolvimentista.

A conclusão do estudo indica que o Brasil caiu na “Armadilha da alta taxa de juros e do alto câmbio” e precisa de profunda reforma na arquitetura institucional da condução da política monetária. Para isso, propõe cinco medidas:

1. Adoção de um duplo mandato para o BC, incorporando explicitamente metas de crescimento e emprego, além da meta de inflação.

Não seria razoável que o BC continuasse a definir as taxas de juros de olho apenas na meta de inflação e com vaga menção aos dois outros itens. Nos EUA, por exemplo, o Federal Reserve tem em seus estatutos as missões de assegurar a estabilidade de preços e, ao mesmo tempo, manter a economia o mais próxima possível do pleno emprego. É fato que a definição desse pleno emprego, no Brasil, seria polêmica, dado o avanço da informalidade no setor.

2. Implementação de um regime de metas de inflação mais flexível, com missões realistas, e utilizando o núcleo da inflação.

Esse regime mais flexível poderia reduzir a pressão por juros excessivamente altos. A meta de 3% é irrealista — nos últimos 20 anos, só uma vez a inflação ficou abaixo desse nível. A utilização do IPCA cheio, que inclui componentes voláteis, como alimentos e energia, extremamente suscetíveis a choques de oferta, também pode levar o BC a aumentar os juros em resposta a choques de oferta temporários, sobre os quais a política monetária não tem nenhum efeito. Vimos isso recentemente, quando houve uma explosão dos preços de alimentos, já debelada (não pelos juros, mas por fatores sazonais).

3. Adoção de uma reforma monetária para reduzir o grau de indexação de preços na economia e, em consequência, combater a inércia inflacionária.

O Plano Real foi genial, mas não perfeito, porque promoveu uma estabilização inacabada. Foi bem-sucedido no combate à inflação crônica, mas não eliminou completamente os mecanismos que perpetuam a inércia inflacionária. A continuidade da indexação de preços, salários, contratos e títulos da dívida pública faz com que a inflação passada se reflita na presente, dificultando a sua redução e demandando uma política monetária mais restritiva (juros altos).

4. Reforma na composição da dívida pública, com substituição gradual de títulos indexados pela inflação por títulos prefixados.

Há uma proporção significativa da dívida pública indexada à taxa Selic e isso cria um ciclo de autoalimentação negativo, no qual taxas de juros mais altas elevam o custo do serviço financeiro da dívida, amplificando os desequilíbrios fiscais e colocando uma pressão adicional por manutenção de juros elevados. A forma de financiar a dívida pública a torna altamente sensível às variações dos juros. Quando a Selic aumenta, os gastos do governo com o pagamento de juros também crescem quase imediatamente. Cerca de 80% da dívida pública decorre de acumulação de juros, e 20%, de déficits primários.

5. Introdução de controles de capitais para gerenciar a volatilidade cambial e manter uma taxa de câmbio competitiva.

A manutenção da taxa de juros acima do nível internacional (ajustado pelo prêmio de risco-país) leva a uma forte entrada de capitais especulativos e à apreciação da taxa nominal de câmbio. Isso tem impacto negativo na competitividade das exportações, especialmente de manufaturados. A combinação de altas taxas de juros e câmbio sobrevalorizado também contribuiu para a desindustrialização prematura da economia.

O objetivo das propostas encaminhadas pelo professor Oreiro ao Congresso seria trazer as taxas de juros brasileiras para níveis próximos dos juros internacionais, considerado, naturalmente, o prêmio de risco país. Isso daria impulso à industrialização e ao crescimento econômico. Caberia então ao Congresso a tarefa de se debruçar sobre essas questões e adotar as medidas legislativas para a solução dos problemas que levam o país a ocupar constantemente a incômoda posição de campeão mundial dos juros reais.

Em vez de ofuscar o debate dos juros, as maldades de Trump deveriam estimulá-lo. Selic na lua e tarifaço são overdose recessiva.

PS.: O Brasil é um curioso país onde se considera “escandaloso” o gasto de R$ 1 trilhão por ano com benefícios previdenciários e “natural” que valor semelhante seja direcionado ao pagamento de juros a rentistas.

 

Nenhum comentário: