terça-feira, 12 de agosto de 2025

Vocação para o atraso – Dora Kramer

Folha de S. Paulo

A atração fatal por retrocessos na lei e nos costumes é ainda muito presente nos altos escalões da República

Determinados episódios da cena brasileira expressam a existência de indiscutível vocação para o atraso em setores representativos da República.

No momento assistimos a dois deles: a proposta de revogar a prerrogativa do Supremo Tribunal Federal de abrir ações contra parlamentares sem autorização do Congresso e a construção de área vip no aeroporto de Brasília para afastar ministros do Tribunal Superior do Trabalho do alcance de pessoas "inconvenientes". Falam dos cidadãos sem toga.

Como se vê, o gosto por costumes obsoletos não é exclusividade de um Poder, dado que no Executivo o primeiro escalão conta com a regalia de voos da Força Aérea Brasileira.

Salas exclusivas já estão à disposição de integrantes do STF e do Superior Tribunal de Justiça. Os privilégios incluem acesso às aeronaves sem o desconforto das filas de embarque.

Esse tipo de tratamento remete ao conceito de gente diferenciada que, por isso, deve ser protegida de presumidas grosserias de passageiros em sua maioria desprovidos do sustento de dinheiro público. Por essa visão, é lícito supor que deputados e senadores em breve reivindiquem o benefício da prudente distância de seus eleitores.

Deles já se encontram bastante distanciados, conforme recente pesquisa Datafolha em que 78% dos consultados consideram que os congressistas dão prioridade à defesa dos próprios interesses. E aqui chegamos a outro exemplo de atração pelo retrocesso.

Os parlamentares querem voltar a submeter ações contra eles no Supremo ao aval prévio do Congresso, como acontecia até 2001. Na ocasião, a regra foi modificada devido às reiteradas recusas de aberturas de inquéritos e a consequente impunidade travestida de imunidade.

Então, eis que temos posta a ideia de se impor uma regressão de quase um quarto de século à prática corretiva daquela distorção de ordem corporativa, para fazer exatamente o que a ampla maioria dos representados condena em seus representantes: o propósito de legislar à luz de causas próprias.

 

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