quarta-feira, 19 de maio de 2021

Vera Magalhães - O dilema de Pazuello diante da CPI

- O Globo

Não foi nada boa para o general Eduardo Pazuello a sequência de depoimentos que antecedeu sua participação na CPI da Covid.

Quando ele deu o primeiro sinal de que estava tremendo na base, pedindo para adiar sua inquirição, escrevi por aqui que a esperteza poderia engolir o esperto: quando finalmente se sentasse diante dos senadores, já haveria um arcabouço maior de indícios de que sua gestão à frente do Ministério da Saúde contribuíra decisivamente para agravar o número de casos e mortes no Brasil em razão da Covid-19.

Não deu outra. Vendo o cerco se fechar, o general — é sempre importante salientar a patente, porque ela foi uma razão para sua nomeação por Jair Bolsonaro e agora se mostra incompatível com a hesitação do detentor — voltou a pedir arrego, desta vez ao Supremo Tribunal Federal.

Foi deferido o habeas corpus para que permaneça em silêncio, mas com uma ressalva colocada estrategicamente por Ricardo Lewandowski: ele tem o direito de não se incriminar, mas não pode usar a liminar para se recusar a responder sobre a responsabilidade de outrem.

Bernardo Mello Franco - A mutação dos bolsonaristas

- O Globo

A CPI da Covid produziu uma mutação nos bolsonaristas. Diante dos senadores e das câmeras de TV, os defensores do capitão perdem subitamente a valentia. Passam a falar baixo, renegam suas bravatas e fingem esquecer o que já disseram.

Na semana passada, o fenômeno ocorreu com Fabio Wajngarten. Conhecido pela agressividade nas redes sociais, o publicitário afinou ao usar o microfone. Adotou um tom humilde, quase servil, para tentar escapar ileso do depoimento.

O ex-secretário de Comunicação se disse vítima de “boatos maldosos” sobre a intermediação da compra de vacinas. No entanto, perdeu a memória ao ser questionado sobre um termo usado pelo ex-ministro Eduardo Pazuello. “Não sei nem o que significa pixulé”, desconversou. “Melhor assim, não é?”, ironizou o senador Renan Calheiros.

Ontem a foi a vez de Ernesto Araújo sofrer um surto de amnésia. Pivô de múltiplas crises com a China, o ex-chanceler jurou que nunca criou atritos com Pequim. Renegou até o artigo em que se referiu ao coronavírus como “comunavírus”, endossando a teoria conspiratória de que os chineses teriam lucrado com a pandemia. “Vossa excelência renega o que escreveu. Aí, não dá!”, protestou o senador Omar Aziz.

Em outro momento, Ernesto disse que o ideólogo Olavo de Carvalho não era o guru da sua política externa delirante. “O senhor de fato é um homem muito ousado, muito corajoso”, debochou a senadora Kátia Abreu, antes de chamar o ex-ministro de “negacionista compulsivo”.

Zeina Latif - Uma DR com a agropecuária

- O Globo

Os números da agropecuária destoam do resto da economia. Ocorreu uma combinação excepcional de fatores: o comércio mundial recuperou-se rapidamente; a China elevou suas encomendas – com rápido controle da Covid-19, recomposição de rebanho suíno depois da peste africana e recrudescimento da guerra comercial EUA-China –; e erros de política econômica produziram uma depreciação do real (25% em 2020) que destoou do ocorrido na média das moedas de emergentes, em parte beneficiadas pela valorização das commodities.

O quadro é de ganha-ganha para o setor, com aumento de volume exportado (5,7% nos últimos 12 meses até março sobre igual período anterior), de preços de exportação (3,1%) e preços internos (52% no atacado em abril na variação anual).

O resultado é que o valor adicionado da agropecuária em termos reais (desconta a inflação) teve aumento de 2% em 2020, ante recuo de 4,1% do PIB. O crescimento em termos nominais foi de notáveis 35%, enquanto o PIB nominal ficou praticamente estagnado (0,6%).

Ricardo Noblat - À espera da nova onda do vírus, e na torcida para que não venha

- Blog do Noblat / Metrópoles

Média de mortes só faz cair, mas a média de novos casos de infecção subiu nos últimos 15 dias

Acendeu a luz amarela em gabinetes de autoridades médicas de Estados populosos. No país, a média de mortes caiu continuamente nos últimos 30 dias. Mas a média de casos subiu nos últimos 15 dias com a circulação recorde de pessoas, diz Atila Iamarino, doutor em ciências pela Universidade de São Paulo.

No momento em que o país soma mais de 430 mil mortes pela Covid-19 e somente 12% da população adulta está completamente imunizada contra o coronavírus, nove em cada dez brasileiros com 18 anos ou mais (91%) pretendem se vacinar ou já se vacinaram, aponta pesquisa Datafolha. Mas falta vacina

Os números da pesquisa confirmam a tendência de crescimento da adesão à imunização. Em dezembro último, os pró-vacinas somavam 73%. Em janeiro, após a aplicação das primeiras doses, o percentual deu um salto para 81%. Chegou a 89% em abril, no pico da segunda onda da pandemia. Mas falta vacina.

O governo Bolsonaro foi ágil em importar e fabricar drogas ineficazes contra a Covid-19, e inepto em comprar vacinas. Dispensou 240 milhões de doses, 70 milhões nas seis ofertas da Pfizer, mais 170 milhões oferecidas pela

O ritmo de vacinação está sendo lento demais, na opinião de 7 em cada 10 pessoas entrevistadas pelo Datafolha. Mas a lentidão se explica: falta vacina. Sobram drogas que não funcionam.

Hélio Schwartsman - No Oriente Médio, uma guerra sem saída

- Folha de S. Paulo

É difícil desarmar as duas partes e aproximar as narrativas

Já acreditei que o processo de paz entre israelenses e palestinos baseado na ideia de dois Estados teria sucesso. A ducha de água fria não foram as negociações frustradas de Camp David (2000) ou Annapolis (2007), mas a leitura de "The Two-State Delusion" (a ilusão dos dois Estados, de 2015), de Padraig O'Malley.

Uma nota biográfica é necessária. O'Malley é um especialista em negociações de paz. Ele não só estuda conflitos que um dia pareceram insolúveis como ajuda a encontrar uma saída para eles. Participou dos processos de pacificação na Irlanda do Norte e na África do Sul. Depois, se debruçou sobre o conflito israelo-palestino —e foi derrotado por ele. As conclusões a que chegou estão no livro, que é bem lúgubre.

Bruno Boghossian – Arquitetura do morticínio

- Folha de S. Paulo

Ernesto Araújo desenhou Itamaraty que funciona como peça auxiliar do negacionismo

Ernesto Araújo disse na CPI da Covid que nunca recebeu orientações para rejeitar parcerias que poderiam ajudar o país a produzir vacinas. Não foi necessário. A comissão já mostrou que a arquitetura do governo Jair Bolsonaro tornou praticamente impossíveis os esforços do país para salvar vidas na pandemia.

A política externa desvairada de Ernesto não foi uma exceção. A tensão contínua entre o Brasil e a China na negociação de insumos para fabricar imunizantes só existe até hoje porque o governo transformou o Itamaraty num joguete da direita radical.

O ex-chanceler tentou disfarçar, mas sabe que a diplomacia pode ajudar ou atrapalhar articulações desse tipo. No início da sessão, ele mesmo disse que o governo recebeu vacinas "graças à qualidade das nossas relações com a Índia". Depois, precisou reconhecer que a bajulação permanente a Donald Trump não havia rendido frutos nessa área.

Ruy Castro - A arte de fazer perguntas

- Folha de S. Paulo

Diante de um entrevistado mentiroso, os repórteres, ao contrário da CPI, não têm poder de prisão

Nas últimas semanas, recorri à minha já quase secular trajetória pela imprensa para cometer dois artigos (“Perguntas à queima-roupa”, 7/5, e “Pequeno manual para a CPI”, 12/5), em que tentei passar a possíveis interessados —os senadores da CPI da Covid, por exemplo— algumas dicas sobre como fazer perguntas. Afinal, é delas que vivem os jornalistas, e alguns tiveram a sorte de trabalhar em veículos em que a entrevista era uma grande atração.

Um deles, a antiga Playboy, cujas entrevistas passavam tal seriedade que mesmo os mais alérgicos a elas, como Frank Sinatra e Miles Davis, aceitaram concedê-las. A própria edição brasileira, em sua melhor fase, nos anos 80 e 90, entrevistou empresários, candidatos à Presidência e até suas maiores inimigas: as feministas. E por que eram tão boas as entrevistas de Playboy? Porque seus repórteres tinham cláusulas pétreas a seguir na elaboração da pauta e na sua aplicação. Eis algumas.

Vinicius Torres Freire – Novo alerta de tsunami na epidemia

- Folha de S. Paulo

Há indícios de novo repique da Covid em SP, como em outubro, dezembro e fevereiro

tsunami de 2004 matou 228 mil pessoas em países banhados pelo Oceano Índico. Desde então, nos acostumamos a ouvir que, depois de um sismo submarino, foi dado um alerta de tsunami. Em geral, nada mais triste se passa. Um dia, porém, acontece algo como Fukushima, quando as ondas gigantes acabaram por causar 18 mil mortes.

O estado de São Paulo deveria dar um alerta de tsunami na epidemia de Covid. Pode ser que nada ainda pior aconteça, mas há sinais preocupantes nos últimos dez dias, por aí.

Nos dados dos cientistas do Observatório Covid-19 Brasil, já era possível notar uma variação preocupante desde 2 de maio. O “nowcasting”, a “previsão instantânea” desde então apontava uma alta de casos graves de SRAG semanais. A informação mais recente deles é de 9 de maio.

O número de novos casos notificados aumenta desde 8 de maio, pelos dados publicados pelo Seade, o “IBGE paulista”. Por si só, não é um bom indicador. Mas o número de novas internações em UTIs dos hospitais estaduais aumenta desde 9 de maio. A média de internados em terapia intensiva praticamente parara de despiorar fazia uma semana e começou a subir desde domingo. O número de mortes voltou a crescer desde sábado.

Armando Castelar Pinheiro* - As nuvens e o cenário eleitoral

- Valor Econômico

A polarização interessa tanto a Bolsonaro como a Lula, mas cenário pode mudar

A pesquisa do Datafolha divulgada há uma semana sugere um quadro eleitoral bem definido, com forte polarização entre o presidente Bolsonaro e o ex-presidente Lula, com grande vantagem para este último. Juntos, os dois respondem por 74% das intenções de voto dos que declararam sua preferência, com os restantes 26% pulverizados entre outros seis candidatos. A vantagem de Lula é clara: tem quase o dobro das intenções de voto de Bolsonaro, sua taxa de rejeição é bem menor (36% x 54%) e, segundo a pesquisa, venceria com facilidade no segundo turno, com 72% a mais de votos que o atual presidente.

A polarização interessa tanto a Bolsonaro como a Lula e há uma chance grande de que ela sobreviva até as eleições. Por outro lado, a ida às urnas é só daqui a 17 meses e, na memorável metáfora de Magalhães Pinto, ex-governador de Minas Gerais, “política é como nuvem, você olha e ela está de um jeito, olha de novo e ela já mudou”.

O que pode mudar esse quadro? Penso que pelo menos três fatores podem influir nessas preferências de voto: o avanço da vacinação, a recuperação da economia doméstica e o cenário externo.

Fernando Exman - Primeiro tinha a farda e depois veio o fardo

- Valor Econômico

Militares esperam que Pazuello receba tratamento digno

Sempre instigante observar quando aqueles que chegam ao poder maldizendo o “sistema” - e depois dele tentam se servir com o objetivo de permanecerem no topo da cadeia alimentar - são colocados frente a frente com as estruturas tradicionais da política. O desfecho costuma ser o mesmo: a liturgia lhes é imposta, por bem ou por mal, e as instituições se sobressaem. A CPI da Covid já apresenta cenas desse filme, ao qual o eleitor assiste desde 2018.

Apenas parte do roteiro é conhecido, como os trechos em que o presidente Jair Bolsonaro ganha a eleição com um discurso lastreado no sentimento de aversão à política de grande parte da população e depois precisa reestruturar seu posicionamento. Abandonou uma bandeira, mas manteve o barco governista flutuando.

Parlamentares e governadores também enfrentaram a dura realidade vivida fora das redes sociais. Wilson Witzel, ex-governador do Rio de Janeiro, durou pouco tempo no cargo. Foi expelido temporariamente da vida pública pelas instituições que tanto desdenhou. Em Santa Catarina, o governador Carlos Moisés foi mais habilidoso e sobreviveu ao impeachment.

Daniel Rittner - A Israel imaginária do universo bolsonarista

- Valor Econômico

Comparações com o Holocausto ofendem comunidade judaica

Identificados frequentemente como base de apoio do presidente Jair Bolsonaro, pelo engajamento de integrantes da comunidade desde a campanha eleitoral e pelo uso recorrente de bandeiras de Israel em atos pró-governo, muitos judeus querem livrar-se do rótulo de que são uma “massa uniforme” vinculada ao bolsonarismo.

Para algumas entidades judaicas e expoentes da comunidade, isso reflete desconhecimento e ignora um incômodo cada vez maior com episódios recentes que relativizam o Holocausto ou até flertam com antissemitismo.

No caso mais escandaloso, Roberto Alvim foi demitido da Secretaria Especial de Cultura após discurso com estética nazista e reproduzindo falas de Joseph Goebbels. Ex-ministros compararam ações da Polícia Federal e medidas de isolamento social, na pandemia, com a Noite dos Cristais e com campos de concentração. Um neoaliado relacionou os judeus com a prática de infanticídio. Símbolos apropriados por neonazistas já apareceram em manifestações.

Rosângela Bittar - O mal já está feito

- O Estado de S. Paulo

Já são conhecidos, em extensão e profundidade, os desastres produzidos por Pazuello

As consequências vêm sempre depois, costumava avisar o prudente e discreto Marco Maciel para conter ousadias de efeito imprevisível. Hoje, quando se iniciar a sessão plenária da CPI da Covid, a máxima, óbvia, será contrariada. As consequências já aconteceram. São conhecidos, em extensão e profundidade, os desastres produzidos pelo depoente, ex-ministro da Saúde, general Eduardo Pazuello. Os riscos que representava já se materializaram.

O papel de executor de ordens exercido pelo general foi constatado em registro público. O mandante tem notória identidade. Os resultados da performance do executor e do mandante são expostos em números indiscutíveis: 436 mil mortos, 15 milhões de infectados, uma exposição iminente do País à terceira onda da pandemia. A que se deve acrescentar o falho plano de vacinação, em vigor, e as projeções pouco críveis para o futuro. Além da reincidência agressiva do presidente da República, que insiste no negacionismo irracional.

A consequência menos letal, porém politicamente delicada, também já emergiu: o desgaste à imagem do Exército.

Andreza Matais - ‘Um manda, outro obedece, leva Bolsonaro à CPI

- O Estado de S. Paulo

Se adotar a estratégia do silêncio ou das meias-palavras na CPI da Covid, o general Eduardo Pazuello passará a bola, inevitavelmente, para o presidente Jair Bolsonaro. O gesto do ex-ministro da Saúde de não colaborar com a comissão e não falar pode ser interpretado, sob certo ângulo, também como postura de alguém que rejeita defender o presidente. Nesse caso, o oficial da ativa se comportará em benefício de sua própria sobrevivência e não em prol de um governo.

É uma mensagem que o próprio general e toda a equipe de estrategistas do Planalto não conseguem controlar. Toda vez que deixar uma pergunta sem resposta e selecionar o que pretende rebater, Pazuello demonstrará que não tem nada a falar, pois, como deixou claro, algumas vezes apenas cumpriu ordens. Logo, quem tem de prestar contas aos senadores e ao País é seu ex-chefe no governo e atual chefe militar, o presidente da República.

Rafael Cortez*- Programa voltado a caminhoneiros reflete lógica política

- O Estado de S. Paulo

O desenho de uma política econômica em um ambiente de perda de capital político do governo é bastante desafiador, por conta do crescente distanciamento entre o diagnóstico da equipe econômica e as decisões, de fato, aprovadas pelo presidente. O próprio ministro da Economia, Paulo Guedes, já sinalizou a diminuição do apoio do presidente Jair Bolsonaro à agenda liberal que, neste momento, estaria em 65%.

Curiosamente, esse distanciamento entre decisões de governo e a política econômica ideal ocorreu simultaneamente à aproximação do governo com o Poder Legislativo, resultando na eleição de nomes para o comando das Casas legislativas que seriam mais próximos da atual administração.

O caminho desse distanciamento é razoavelmente simples: a perda de popularidade presidencial aumenta a sensibilidade do governo às demandas particulares de sua base de apoio partidário e entre os agrupamentos econômicos e sociais. Os caminhoneiros representam um grupo especialmente privilegiado na luta por influência nas decisões do governo, por conta do simbolismo da categoria em relação ao presidente e diante de potencial mobilização que, no limite, reforçaria a leitura de falta de governança.

Fábio Alves - Inflação mundial no pico

- O Estado de S. Paulo

Por enquanto, bancos centrais de países desenvolvidos estão mantendo o sangue frio 

A inflação deu um salto tão forte em vários países em abril, pressionada pela alta nos preços de matérias-primas e de produtos que enfrentam gargalos na oferta, que muitos analistas já esperam que o índice de preços ao consumidor (CPI, na sigla em inglês) global atinja neste ano seu maior nível desde 2011, quando subiu 3,9%.

O ritmo de aceleração dos preços nos Estados Unidos, por exemplo, reduziu para níveis atípicos o diferencial da inflação com o Brasil. O CPI americano subiu de 2,6% em março para 4,2% em abril, na taxa acumulada em 12 meses, enquanto o índice oficial no Brasil – o IPCA – passou de uma alta anual de 6,1% em março para 6,76% em abril. O diferencial de inflação americana e brasileira caiu de 3,5 pontos porcentuais em março para apenas 2,56 pontos em abril.

Vários países – desenvolvidos ou emergentes – estão enfrentando fenômenos semelhantes de pressão da inflação: a alta nas cotações das commodities, por conta da maior demanda da China por minério de ferro e soja, por exemplo, elevou o preço da alimentação e de outros itens influenciados por matérias-primas mais caras.

Outro fator em comum foi a pandemia do coronavírus, que provocou a escassez de muitos bens em razão de a cadeia de produção global ter sido seriamente afetada por restrições de mobilidade social e também pela contaminação da força de trabalho. Está faltando estoques de vários produtos no mundo.

Roberto DaMatta* - Sair do Brasil

- O Estado de S. Paulo

Graças a um governo errático, brigar com o Brasil como se ele fosse uma pessoa física ganhou legitimidade

Penso que todo mundo sempre quis sair mais do seu país do que de sua sociedade. Vamos para Paris ou New York, mas sentimos falta da comida e das fofocas, esses símbolos de nossos costumes. Morar é bom, mas viver é uma m...! - como confirmava Tom Jobim.

Muitos deram adeus às suas pátrias por motivos trágicos, e os Estados Unidos são prova de uma coletividade cuja população é feita de milhões de netos e filhos de imigrantes - de nativos que por livre vontade ou por motivos dramáticos foram obrigados a deixar sua terra natal. 

No Brasil, este desejo é um paradoxal desabafo, geralmente feito em família ou entre amigos. Ele se amplia e se reduz de acordo com épocas históricas e governos. Nas ditaduras (tanto a de Vargas quanto a militar), muitos deixaram o País por perseguição política. 

Ser obrigado a sair da terra onde se nasceu é “perder o chão”. Equivale a morrer ou ser encarcerado. Não se trata apenas de uma cruel punição política. É um assassinato espiritual decretado com o paradoxo de o morto continuar vivo. Veda-se o direito de participação, mas, de fato, esta interdição bloqueia a vida do condenado, impedindo-o de usufruir das muitas dimensões cruciais de todas as vidas. Como um paradoxo, porém, o banido pode retornar com mais potência, como foi o caso modelar do Conde de Monte Cristo e de outros degredados políticos. Antigamente, era a excomunhão que transformava alguém em um leproso social; hoje, Deus foi substituído pela política como credo. Neste sentido, vale lembrar que o exílio, tanto em Roma quanto na Grécia dos velhos tempos, era mais fatal do que a morte.

O que a mídia pensa: Opiniões / Editoriais

EDITORIAIS

Só Ernesto Araújo não viu dano nos ataques à China

O Globo

O ex-ministro das Relações Exteriores Ernesto Araújo pediu demissão em 29 de março, sob forte pressão de parlamentares que o acusavam de prejudicar, com sua política torta e declarações estapafúrdias, a compra de vacinas para o Brasil. Expoente do bolsonarismo de raiz, solapou em dois anos a credibilidade da diplomacia brasileira erguida em décadas. Apesar disso, em seu depoimento na CPI da Covid, enalteceu sua gestão, descreveu uma realidade paralela que não existe e negou seus ataques à China, de conhecimento público. “Jamais provoquei atritos com a China”, disse o ex-chanceler, que já se referiu ao Sars-CoV-2 como “comunavírus”.

A desfaçatez provocou reação. O presidente da CPI, Omar Aziz, foi preciso: “Vossa excelência está faltando com a verdade. Se quiser, leio alguns trechos que o senhor escreveu, inclusive bateu boca com o embaixador chinês”. A senadora Kátia Abreu, uma das protagonistas da queda de Araújo, o chamou de “negacionista compulsivo” e “omisso”. Afirmou que ele foi uma “bússola” que nos dirigiu “para o caos, para um iceberg, para um naufrágio”.

Em longo depoimento, Araújo se esmerou em negar suas ações à frente do Itamaraty. A despeito dos malabarismos, não conseguiu evitar expor o presidente Jair Bolsonaro. Confirmou que as gestões do ministério para facilitar a importação de insumos para produção de cloroquina tiveram a participação de Bolsonaro, um dos maiores defensores do uso da droga no tratamento da Covid-19, embora estudos científicos comprovem que ela é ineficaz contra a doença e pode causar efeitos adversos.

Música | Mutirão de amor - Zeca Pagodinho /Jorge Aragão

 

Música /Poesia | Samba da Benção - Vinicius de Moraes

 

terça-feira, 18 de maio de 2021

Merval Pereira - Sem legenda

- O Globo

O presidente Bolsonaro, cujos atos estrambóticos levaram o país à desmoralização internacional, é o tipo político que chega ao governo central do país como consequência de uma disfunção eventual da democracia. Como tal, não tem a compreensão do que seja o presidencialismo de coalizão, que reduz a uma troca de favores entre quem manda e quem obedece.

Não lhe passa na cabeça que é possível montar uma base parlamentar sobre interesses republicanos, sem repetir expedientes como o mensalão, o petrolão e que tais. Mas também não sabia que, sozinho, não teria como governar.

Do radicalismo inicial, em que montou um governo com pessoas da sua linha de pensamento, que, como ele, sabiam o que queriam destruir, mas não o que colocar no lugar, teve que se aproximar do Centrão e aprovar um “orçamento secreto” para tentar garantir que não será votado o impeachment. O único que sabia o que queria, o ministro da Economia, Paulo Guedes, não sabia que precisaria do apoio do Congresso para aprovar as reformas e queria mais do que Bolsonaro aceitava, como ficou demonstrado.

Porque tem uma visão política de baixa extração, de onde montou sua estrutura eleitoral que se limitava a um nicho suficiente para elegê-los todos e, como consequência, formar a fortuna da família à base de “rachadinhas” e ligações com interesses de forças militares oficiais e paralelas, Bolsonaro achou que podia tudo e descobriu que pode muito, mas não tudo. Não tem moderação nem discernimento para usufruir o poder que tem, por isso não conseguiu ficar na legenda que o elegeu, o PSL, nem montar uma própria, muito menos encontra outra para abrigar seus sonhos megalomaníacos.

Carlos Andreazza - Uma aposta fatal

- O Globo

Não se podia esperar que o representante da Pfizer — um comerciante — dissesse à CPI ser desnecessária a lei que, segundo a versão do cliente, permitiu a assinatura do contrato por meio do qual o governo brasileiro adquiriria milhões de doses do imunizante daquela farmacêutica.

A lei não era necessária. Mas isso é problema nosso. Não de Carlos Murillo. O interesse do executivo era vender. Ontem. Hoje. Ou amanhã. Tinha um bom produto; e o objetivo, legítimo, de comerciá-lo com o mercado do Brasil. E teria comerciado, em agosto de 2020, com a legislação disponível, se assim quisesse Bolsonaro. (E teria, imediatamente, entrado com a demanda por registro emergencial junto à Anvisa; para que tivéssemos — era possível — como vacinar os nossos ainda no ano passado.) O governo não quis. E desapareceria por dois meses, ignorando carta — de setembro de 2020 — do CEO da Pfizer.

Zuenir Ventura - Aqui a morte é tanta

- O Globo

Mesmo ainda sem saber de sua morte, Eva Wilma me emocionou, quando vi anteontem um vídeo em que, cerca de dois anos atrás, ela declamava de cor, sem vacilar, sentada na primeira fila da plateia, um texto de mais de dois minutos de “Antígona”, de Sófocles, no Teatro Poeira, de Andrea Beltrão e Marieta Severo. A personagem, como se sabe, é uma trágica heroína grega que enfrenta um tirano, assim como nossa atriz lutou contra a ditadura militar. “Ainda não acreditamos que no final o bem sempre triunfa, mas começamos a crer que o mal nem sempre vence.” Quando encerrou recitando “O mais difícil da luta é escolher o lado em que lutar”, a atriz foi ovacionada. O público tinha entendido o recado, muito atual.

O vídeo me fora enviado pela minha amiga, escritora e juíza Andréa Pachá, depois de um longo papo por telefone, em que eu contava que grande parte das pessoas com quem tinha conversado ultimamente se queixava de depressão, inclusive eu. Dizia que, se o Ancelmo me entrevistasse para sua pesquisa para escolher “a palavra do ano”, não havia dúvida quanto ao meu voto. Bruno Covas ainda não tinha morrido, mas seu quadro era irreversível, e mais uma vez me veio à memória um verso do belo e pungente poema “Morte e vida Severina”, de João Cabral de Melo Neto: “Como aqui a morte é tanta”. Estava pensando, claro, nos milhares de brasileiros exterminados pela pandemia.

Ricardo Noblat - Governo sonega informação pedida pela CPI da Covid-19

- Blog do Noblat / Metrópoeles

Quantas vezes, e com quem, Bolsonaro passeou por Brasília durante a pandemia provocando aglomerações e desrespeitando normas de isolamento?

É possível que as atividades do presidente da República não sejam acompanhadas de perto e devidamente registradas por setores do governo que lhe dão suporte e zelam por sua segurança?

O senador Eduardo Girão, membro da CPI da Covid-19, pediu ao governo uma planilha com os registros de datas, locais e autoridades envolvidas nos passeios de Bolsonaro em Brasília.

Resposta do Palácio do Planalto: não há registros oficiais das saídas do presidente do seu gabinete. Ora, bastaria pesquisar nas redes sociais para descobrir que, ali, está tudo registrado.

O pedido de Girão mirou os deslocamentos de Bolsonaro desde o início da pandemia que provocaram aglomerações, contrariando recomendações médicas de isolamento.

No último dia 5, durante discurso no Palácio do Planalto, Bolsonaro antecipou a resposta que daria ao pedido de Girão aprovado pelo plenário da CPI:

– Eu sempre estive no meio do povo, estarei sempre no meio do povo. Não interessa onde eu estava. Respeito a CPI. Estive no meio do povo, tenho que dar exemplo.

Mirtes Cordeiro* - O Brasil e suas desventuras


Algumas instituições têm funcionado como se os dirigentes fossem os “capitães do mato” da era moderna.

O Brasil não consegue extrair de sua história o aprendizado necessário para reparar erros, injustiças e iniquidades que concorrem para que a sociedade brasileira, como um todo, padeça por desequilíbrios e determinadas mazelas que impedem o seu crescimento enquanto nação que se quer democrática e defensora de direitos e oportunidades para todos nós, brasileiros.

Quando eu era criança e a minha família frequentava a Igreja Católica, participávamos efetivamente dos ritos, das cerimônias, das procissões, das missas, dos leilões organizados para fazer finança para manter a Igreja. Meu pai, descendente da escrava chamada Mãe de Casa, que pariu os filhos com um português branco, era mais fervoroso na sua fé. Minha mãe, uma cabocla descendente de uma índia da tribo Jucás, dos sertões dos Inhamuns, com um branco que vandalizou o sertão em busca de escravizar os índios, era mais desconfiada com relação às crenças religiosas.

Eu e minha irmã fomos batizadas, crismadas e fizemos a primeira comunhão, além de pertencermos à corte dos “anjos”, crianças que se vestiam com roupas brancas e asas imponentes e acompanhavam a imagem de Nossa Senhora durante os festejos da igreja, sendo que o momento da coroação, no mês de maio, quando todos os anjos estavam no altar, era sempre o grande evento da cidade.

Quando a imagem de Nossa Senhora de Fátima veio de Portugal ao Brasil em peregrinação, em 1954, foi levada a minha cidade, o Ipu. Só que para acompanhar a imagem da santa somente os anjos brancos e louros podiam participar do cortejo. Eu tinha dez anos e minha irmã seis anos apenas. Minha mãe era costureira e fazia a nossa roupa de anjo com verdadeiro esmero, as asas eram verdadeiras, de penas de garças apanhadas por um ribeirinho de sua amizade.

Logo as beatas seguidoras das decisões da paróquia foram até minha casa, na Rua da Goela, comunicar que eu e minha irmã, sendo pretas, não tão pretas, mas pardas, não poderíamos acompanhar a imagem que vinha de Portugal, mas os nossos trajes, sendo tão lindos, deveriam ser emprestados para o uso de duas crianças brancas que estavam dentro do critério racial da igreja, mas não possuíam as roupas.

Eliane Cantanhêde – Os ‘idiotas’ e o tratoraço

- O Estado de S. Paulo

Tratoraço, ou orçamento secreto, serve para o quê? Comprar votos, como o mensalão

Já compararam o “tratoraço” do governo Jair Bolsonaro aos “anões do Orçamento”, aos “atos secretos” do Senado e ao “mensalão” da era Luiz Inácio Lula da Silva, mas todos eles foram punidos, com maior ou menor rigor, e o que se espera é que não se jogue a poeira para debaixo do tapete e também o tratoraço seja ao menos investigado. Passar em branco é que não dá. A planilha e as evidências obtidas pelo Estadão não deixam alternativa.

No caso do tratoraço, o resumo da ópera é o mesmo dos escândalos anteriores: jeitinhos, emendas disfarçadas, orçamentos sigilosos que são engendrados no submundo político com um objetivo muito claro: comprar votos. Em geral, com participação direta, no mínimo aval do Palácio do Planalto. Por isso, não é surpresa o surgimento do nome do então articulador político do governo, atual chefe da Casa Civil, na operação. 

O que realmente surpreende é que ele, Luiz Eduardo Ramos, é um general de quatro estrelas que há pouco passou para a reserva. Como, aliás, o novo ministro da Defesa, Walter Braga Netto, que não perde uma aglomeração política, seja para a campanha eleitoral antecipada de Bolsonaro, seja para a campanha de bolsonaristas contra o Supremo e o regime civil.

Pedro Fernando Nery* - O limite dos generais


- O Estado de S. Paulo

Portaria distorce decisão do STF em benefício de militares, em especial, os generais

Militares não se aposentam. Foi assim que sempre argumentaram as Forças Armadas para se livrar da equiparação das regras previdenciárias com civis. 

Militares se aposentam: e os ministros militares do governo são aposentados. É o que buscou a Defesa para se livrar do limite remuneratório (conhecido como teto). Argumenta-se que esses generais devem poder receber acima do limite/teto acumulando “aposentadoria” e o salário de ministro. 

Estariam, assim, incluídos nas decisões do Supremo Tribunal Federal (STF) e do Tribunal de Contas da União (TCU) que permitem – excepcionalmente nesses casos – que o teto remuneratório seja dobrado, aplicado separadamente a cada um dos pagamentos, e não à soma deles (aposentadoria+salário).

Deixa de valer, assim, o limite de R$ 39,2 mil, o salário de ministros do Supremo que é a remuneração máxima no serviço público. Com a dobra do limite feita, o chamado “teto duplex” iria para quase R$ 80 mil. É 70 vezes o soldo dos recrutas. A mudança decorre de uma portaria do Ministério da Economia (que, aliás, não diz como vai pagar, violando a Lei de Responsabilidade Fiscal). 

Cristina Serra - O dia D e a hora H de Pazuello

- Folha de S. Paulo

O general alinhou-se em obediência cega ao genocida-mor

Quando o general Eduardo Pazuello assumiu o Ministério da Saúde como interino, em maio de 2020, o Brasil estava prestes a alcançar a marca de 30 mil mortos pela pandemia. Dez meses depois, ele deixou o cargo com esse número multiplicado por dez. Ao lado das medalhas que leva no peito (se leva alguma), merece carregar o epíteto de ministro do genocídio.

Convenhamos, ele se esforçou para tal. Alinhou-se em obediência cega ao genocida-mor e deixou de comprar vacinas. Endossou a vigarice do tratamento precoce e empurrou cloroquina quando Manaus precisava de oxigênio.

Agastado com a demissão, tentou passar a imagem de que resistira à corrupção. Disse, sem dar nomes aos bois, que houve pressão dentro do ministério para que um certo medicamento fosse enquadrado em "critérios técnicos". Mencionou "oito atores" agindo com "ações orquestradas" contra sua equipe e disse ter rejeitado lobby de empresas e de políticos que queriam "pixulé".

Hélio Schwartsman - A Câmara deve ter cota de gênero?

- Folha de S. Paulo

Não creio que a reserva de assentos seja o melhor caminho.

Devemos adotar uma cota de gênero para a Câmara dos Deputados? Eu adoraria ver um Congresso Nacional mais feminino —assim como gostaria de vê-lo mais negro e mais homossexual— mas não creio que a reserva de assentos seja o melhor caminho.

Se nosso sistema eleitoral fosse baseado em listas fechadas, não veria muito problema em aprovar uma regra que exigisse que os partidos alternassem homens e mulheres em seu rol de candidatos, o que levaria a um Parlamento com maior equilíbrio de gênero.

O Brasil, porém, adota as listas abertas, sistema no qual cabe ao eleitor definir a ordem das candidaturas de cada legenda. Fica complicado interferir nisso sem passar por cima de elementos básicos da democracia, como o de que a quantidade de votos importa. Para a cota funcionar, mulheres seriam eleitas mesmo tendo menos sufrágios do que seus colegas de partido.

Andrea Jubé - No tabuleiro da baiana tem: o centro

- Valor Econômico

Kátia Abreu volta a confrontar Ernesto Araújo, agora na CPI

A Bahia pode servir de laboratório ao cenário eleitoral mais cobiçado pelo bloco de centro, em que o presidente Jair Bolsonaro seria eliminado no primeiro turno. Na rodada final, o representante da terceira via, que rompesse a polarização, enfrentaria o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, e derrotaria o petista, contando com a alta rejeição ao candidato.

Nos bastidores, nove em dez caciques do centro consideram esse cenário, cantado em entrevistas ao Valor pelo presidente do PSD, Gilberto Kassab, e pelo presidenciável do PDT, Ciro Gomes.

A Bahia tem o quarto maior eleitorado do país. A sucessão estadual é estratégica para o DEM do ex-prefeito de Salvador ACM Neto, para o PT de Lula e para o desempenho de Bolsonaro no Nordeste.

O Estado projeta esse cenário idílico para o centro porque, a um ano e meio da disputa presidencial, a pré-campanha baiana tem o DEM largando na frente, o PT fortemente competitivo e Bolsonaro sem palanque.

Com o DEM perdendo seus principais quadros para outras legendas em Estados-chaves, como São Paulo e Rio de Janeiro, recuperar a hegemonia do carlismo na Bahia tornou-se questão de honra para ACM Neto.

Nas últimas semanas, o vice-governador de São Paulo, Rodrigo Garcia, aposta de Neto no Estado mais rico do país, filiou-se ao PSDB pelas mãos de João Doria, e o prefeito do Rio de Janeiro, Eduardo Paes, migrou para o PSD. Diante do revés, Neto convocou a imprensa baiana para divulgar os próximos passos da pré-campanha, e avisou que não teme Lula, que é considerado imbatível no Estado.

Daniela Chiaretti - O choque de realidade no tabuleiro do clima

- Valor Econômico

As contradições dos Estados Unidos e do Reino Unido para tornarem concretos seus planos de descarbonizar

Depois da festa, vem a ressaca. Menos de um mês da corrida dos países ricos por percentuais mais ambiciosos de corte nas emissões de gases-estufa, que o mundo acompanhou em abril na Cúpula de Líderes Climáticos convocada pelo presidente Joe Biden, surge o choque de realidade - ou como tornar concreto o que se prometeu. É neste momento em que estão os Estados Unidos, a maior economia do mundo, e o Reino Unido, o país com a maior ambição climática entre os grandes. Os EUA, o segundo maior emissor depois da China, têm um arrojado plano de se redesenhar em nove anos. O Reino Unido, berço da Revolução Industrial à base de carvão, quer mudar de rota e de combustível. Mas não está fácil pra ninguém.

Os Estados Unidos são peça central no dominó da descarbonização global. O compromisso de Biden é forte: cortar a emissão de gases-estufa dos EUA em 50% a 52% em 2030 em relação aos níveis de 1990, além de alcançar emissões líquidas zero no meio do século. Como o democrata pretende conduzir o país a chegar lá está descrito em seu programa de governo divulgado na campanha eleitoral e na NDC americana, a sigla em inglês que batiza os compromissos voluntários que os países fazem para enfrentar a mudança do clima.

O que a mídia pensa: Opiniões / Editoriais

EDITORIAIS

Nem liberal nem conservador

O Estado de S. Paulo

Jair Bolsonaro não é conservador; é apenas reacionário. O conservadorismo não se opõe a reformas, e sim às rupturas revolucionárias

Que o governo de Jair Bolsonaro não é liberal na economia, todos já sabem. O próprio ministro da Economia, Paulo Guedes, queixou-se recentemente da falta de “aderência” a seu projeto de redução radical do Estado, anunciado na campanha eleitoral de 2018 por Bolsonaro e claramente frustrado após mais de dois anos de mandato.

A cada dia que passa, no entanto, o governo tampouco consegue ser o campeão dos valores conservadores, conforme também prometido por Bolsonaro nos palanques.

O presidente não é conservador; é apenas reacionário. O conservadorismo não se opõe a mudanças e reformas, como faz Bolsonaro, e sim às rupturas revolucionárias, especialmente aquelas motivadas por utopias que só podem resultar em autoritarismo e na anulação do indivíduo. Ademais, o conservadorismo defende o respeito às instituições democráticas e luta por sua estabilidade; defende a liberdade política e econômica, dentro da ordem constitucional; defende a igualdade de todos perante a lei, que é o verdadeiro lastro da estabilidade; defende a política como a “arte do possível”, fruto de ampla negociação; e, finalmente, defende a coesão social baseada em valores morais comuns, sobretudo o respeito, a responsabilidade e a honestidade.

Música | Choro das 3 - Acariciando ( Abel Abel Ferreira)

 

Poesia | João Cabral de Melo Neto -A educação pela pedra

Uma educação pela pedra: por lições;
Para aprender da pedra, frequentá-la;
Captar sua voz inenfática, impessoal
(pela de dicção ela começa as aulas).
A lição de moral, sua resistência fria
Ao que flui e a fluir, a ser maleada;
A de poética, sua carnadura concreta;
A de economia, seu adensar-se compacta:
Lições da pedra (de fora para dentro,
Cartilha muda), para quem soletrá-la.

Outra educação pela pedra: no Sertão
(de dentro para fora, e pré-didática).
No Sertão a pedra não sabe lecionar,
E se lecionasse, não ensinaria nada;
Lá não se aprende a pedra: lá a pedra,
Uma pedra de nascença, entranha a alma.

segunda-feira, 17 de maio de 2021

Marco Aurélio Nogueira* - Um vazio a ser superado com o tempo

- O Estado de S. Paulo

Bruno Covas fará falta na vanguarda de uma articulação interessada em qualificar o que tem sido chamado de centro democrático

A morte do jovem prefeito de São Paulo, Bruno Covas (PSDB), aos 41 anos de idade, tira da política brasileira uma de suas mais promissoras lideranças. Advogado, economista, deputado estadual, secretário de Meio Ambiente de São Paulo, presidente do Juventude do PSDB e deputado federal, Bruno foi um militante das boas causas. Neto do ex-governador do estado de São Paulo, Mário Covas, não herdou a personalidade explosiva do avô. Sensível, educado, cordial, sempre disposto a negociar, construiu importante patrimônio político nesse país envolvido em sérias dificuldades. 

É um golpe antes de tudo para sua família, para seu filho Tomás, muito apegado a ele, para os inúmeros amigos e companheiros com quem conviveu em sua curta e intensa vida. 

É um golpe também para a cidade de São Paulo, que o reelegeu para um segundo mandato na Prefeitura em 2020, prêmio por uma gestão meticulosa, sem estardalhaço, ciente de que as realizações precisam ser dosadas para serem viáveis. Pode não ter agradado a todos, mas mereceu o respeito de todos, inclusive dos adversários. O que virá depois dele, com a posse do vice-prefeito Ricardo Nunes (MDB), ainda é uma incógnita, por mais que compromissos de continuidade tenham sido publicamente assumidos.