- O Globo
Os números da agropecuária destoam do resto da economia. Ocorreu uma combinação excepcional de fatores: o comércio mundial recuperou-se rapidamente; a China elevou suas encomendas – com rápido controle da Covid-19, recomposição de rebanho suíno depois da peste africana e recrudescimento da guerra comercial EUA-China –; e erros de política econômica produziram uma depreciação do real (25% em 2020) que destoou do ocorrido na média das moedas de emergentes, em parte beneficiadas pela valorização das commodities.
O quadro é de ganha-ganha para o setor, com
aumento de volume exportado (5,7% nos últimos 12 meses até março sobre igual
período anterior), de preços de exportação (3,1%) e preços internos (52% no
atacado em abril na variação anual).
O resultado é que o valor adicionado da agropecuária em termos reais (desconta a inflação) teve aumento de 2% em 2020, ante recuo de 4,1% do PIB. O crescimento em termos nominais foi de notáveis 35%, enquanto o PIB nominal ficou praticamente estagnado (0,6%).
O setor foi dos poucos que manteve
investimentos. O licenciamento de máquinas agrícolas subiu 7,3% em 2020,
enquanto o de veículos pesados recuou 15,3%. O setor de máquinas fala em boom
de negócios este ano e fila de espera para aquisição.
Ainda que os resultados de 2020 não venham
a se repetir, o quadro segue favorável. Porém, não convém ir muito longe nas
conclusões sobre a capacidade do setor de puxar o crescimento do País.
O setor tem peso modesto no PIB (abaixo de
5%), é pouco intensivo em mão de obra e produz efeitos em cadeia relativamente
limitados, por conta do elevado custo-Brasil – começando pela cumulatividade de
impostos que prejudica cadeias industriais mais longas. Há baixa correlação
entre o PIB agropecuário e o da indústria ou o PIB total.
Em um setor marcado pela concentração de
renda – no Censo de 2017, 0,6% dos estabelecimentos mais ricos responderam por
53% da produção, e 9% por 85% –, a capacidade de organização é grande, o que se
traduz na sobre-representação no Congresso frente ao seu tamanho. A bancada
ruralista tem, por baixo, 200 deputados.
Os grandes produtores rurais estiveram, no
passado, associados a agendas conservadoras ou mesmo retrógradas, como na
oposição à educação de massa no Império e na Primeira República, temendo aparentemente
a mobilidade da mão de obra e o aumento de impostos.
Esses tempos ficaram para trás. O meio
rural se modernizou para fazer frente à concorrência mundial, investindo em
novas técnicas, tecnologia e inovação. Ainda assim, mesmo sendo um setor
moderno e inserido globalmente, mantém-se voltado a questões do seu interesse
imediato, se omitindo em temas nacionais – a bem da verdade, essa característica
não é exclusiva do setor, sendo comum na elite de países não avançados, como o
Brasil.
Na discussão da reforma tributária, a
agropecuária pleiteia regras tributárias especiais por se considerar um setor
vital para a economia - uma visão simplista, para dizer o mínimo. Defende uma
carga tributária mais baixa, alinhada com a observada nos países concorrentes,
como se o seu benefício não implicasse mais impostos sobre os demais.
Ao mesmo tempo, se abstém de defender
reformas fiscais que são o caminho para menor taxação no futuro - foi assim na
reforma da Previdência. Opõe-se ao fim da isenção da cesta básica, mesmo
havendo formas mais adequadas para reduzir a desigualdade.
Aponta risco despropositado de não
recuperar créditos tributários de exportação, quando, na realidade, a criação
do imposto sobre o valor agregado equacionaria o problema hoje enfrentado com
estados e municípios. Também é injusta (ainda que legal) a sub taxação de
lucros por conta do recolhimento por pessoa física.
Mesmo em temas associados aos seus
interesses, a atuação deixa a desejar. Em que pesem acusações injustas sobre
sua responsabilidade na questão ambiental, há uma boa dose de omissão em temas
como desmatamento ilegal, desrespeito ao código florestal, uso inadequado de
recursos hídricos e grilagem.
Em plena segunda onda da pandemia,
organizações da agropecuária se manifestam em apoio a Bolsonaro, mas não cobram
por maior zelo nas relações diplomáticas – sem contar o silêncio em relação à
gestão da saúde.
Cabem agendas mais ambiciosas e amplas no
setor. A superação dos nossos problemas estruturais requer que todos deixem de
lado visões míopes.
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