- O Globo
Não foi nada boa para o general Eduardo
Pazuello a sequência de depoimentos que antecedeu sua participação na CPI da
Covid.
Quando ele deu o primeiro sinal de que
estava tremendo na base, pedindo para adiar sua inquirição, escrevi por aqui
que a esperteza poderia engolir o esperto: quando finalmente se sentasse diante
dos senadores, já haveria um arcabouço maior de indícios de que sua gestão à
frente do Ministério da Saúde contribuíra decisivamente para agravar o número
de casos e mortes no Brasil em razão da Covid-19.
Não deu outra. Vendo o cerco se fechar, o
general — é sempre importante salientar a patente, porque ela foi uma razão
para sua nomeação por Jair Bolsonaro e agora se mostra incompatível com a
hesitação do detentor — voltou a pedir arrego, desta vez ao Supremo Tribunal
Federal.
Foi deferido o habeas corpus para que permaneça em silêncio, mas com uma ressalva colocada estrategicamente por Ricardo Lewandowski: ele tem o direito de não se incriminar, mas não pode usar a liminar para se recusar a responder sobre a responsabilidade de outrem.
O alvo da observação do ministro do Supremo
não é outro senão Bolsonaro. Afinal, é do próprio Pazuello a frase “é simples
assim, um manda e o outro obedece”, proferida diante do presidente quando este
o desautorizou em relação à compra da CoronaVac.
Acontece que lançar mão do HC, diante de
tudo o que a CPI coletou até aqui, pode configurar uma admissão completa de
responsabilidade por parte do ex-ministro da Saúde.
Até aqui, ex-integrantes do governo
concentraram nele as imputações por algumas das decisões mais graves tomadas
pela desastrosa gestão federal da pandemia.
Fabio Wajngarten entregou a carta da Pfizer
mostrando que o governo ignorou a oferta da farmacêutica para o fornecimento de
vacinas a partir já de dezembro de 2020. Em entrevista, atribuiu a Pazuello a
incompetência que levou à demora.
Ontem o ex-chanceler Ernesto Araújo foi
mais longe: culpou o Ministério da Saúde, sob Pazuello, por determinar ao
Itamaraty a compra de cloroquina e por recusar a oferta maior de vacinas pelo
consórcio da OMS, optando por menos doses. Também sobrou para a pasta o caos em
Manaus, e até Bolsonaro foi alvejado pelo antes fã, que disse que só em
fevereiro o presidente se decidiu pela compra da vacina da Pfizer.
Os senadores não pretendem amaciar para
Pazuello. Cientes da instabilidade emocional do depoente, outra característica
bastante peculiar para um alto oficial das Forças Armadas, investirão em
afirmações de culpa a partir dos depoimentos colhidos até aqui, para tentar
fazer com que ele reaja e aponte eventuais culpados que não ele.
Também procurarão deixar claro a Pazuello
que sua postura pode acabar por jogar a pá de cal sobre sua reputação,
arrastando a do Exército de cambulhada.
É uma linha muito tênue, de difícil
distinção, a que separa o que o ex-ministro pode dizer do que configure
autoincriminação. Mas também é pouco provável que ele compareça diante de uma
comissão que virou um catalisador da atenção do país, pela TV e pelas redes
sociais, e passe horas e horas dizendo que usará seu direito de permanecer em
silêncio.
Se acredita que isso fará os senadores
desistirem e dizerem que ele pode ir para a casa, de fato não aprendeu nada de
política no mais de um ano em que impingiu ao país sua presença à frente da
Saúde.
Os senadores têm um arsenal de declarações,
portarias, reuniões, entrevistas e documentos capaz de mantê-lo na berlinda por
horas a fio, suando e gaguejando, como tem sido a tônica da vexatória
participação dos ex-integrantes da gestão Bolsonaro perante a CPI.
Se correr o bicho pega, se ficar o bicho come.
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