quarta-feira, 19 de maio de 2021

Vera Magalhães - O dilema de Pazuello diante da CPI

- O Globo

Não foi nada boa para o general Eduardo Pazuello a sequência de depoimentos que antecedeu sua participação na CPI da Covid.

Quando ele deu o primeiro sinal de que estava tremendo na base, pedindo para adiar sua inquirição, escrevi por aqui que a esperteza poderia engolir o esperto: quando finalmente se sentasse diante dos senadores, já haveria um arcabouço maior de indícios de que sua gestão à frente do Ministério da Saúde contribuíra decisivamente para agravar o número de casos e mortes no Brasil em razão da Covid-19.

Não deu outra. Vendo o cerco se fechar, o general — é sempre importante salientar a patente, porque ela foi uma razão para sua nomeação por Jair Bolsonaro e agora se mostra incompatível com a hesitação do detentor — voltou a pedir arrego, desta vez ao Supremo Tribunal Federal.

Foi deferido o habeas corpus para que permaneça em silêncio, mas com uma ressalva colocada estrategicamente por Ricardo Lewandowski: ele tem o direito de não se incriminar, mas não pode usar a liminar para se recusar a responder sobre a responsabilidade de outrem.

O alvo da observação do ministro do Supremo não é outro senão Bolsonaro. Afinal, é do próprio Pazuello a frase “é simples assim, um manda e o outro obedece”, proferida diante do presidente quando este o desautorizou em relação à compra da CoronaVac.

Acontece que lançar mão do HC, diante de tudo o que a CPI coletou até aqui, pode configurar uma admissão completa de responsabilidade por parte do ex-ministro da Saúde.

Até aqui, ex-integrantes do governo concentraram nele as imputações por algumas das decisões mais graves tomadas pela desastrosa gestão federal da pandemia.

Fabio Wajngarten entregou a carta da Pfizer mostrando que o governo ignorou a oferta da farmacêutica para o fornecimento de vacinas a partir já de dezembro de 2020. Em entrevista, atribuiu a Pazuello a incompetência que levou à demora.

Ontem o ex-chanceler Ernesto Araújo foi mais longe: culpou o Ministério da Saúde, sob Pazuello, por determinar ao Itamaraty a compra de cloroquina e por recusar a oferta maior de vacinas pelo consórcio da OMS, optando por menos doses. Também sobrou para a pasta o caos em Manaus, e até Bolsonaro foi alvejado pelo antes fã, que disse que só em fevereiro o presidente se decidiu pela compra da vacina da Pfizer.

Os senadores não pretendem amaciar para Pazuello. Cientes da instabilidade emocional do depoente, outra característica bastante peculiar para um alto oficial das Forças Armadas, investirão em afirmações de culpa a partir dos depoimentos colhidos até aqui, para tentar fazer com que ele reaja e aponte eventuais culpados que não ele.

Também procurarão deixar claro a Pazuello que sua postura pode acabar por jogar a pá de cal sobre sua reputação, arrastando a do Exército de cambulhada.

É uma linha muito tênue, de difícil distinção, a que separa o que o ex-ministro pode dizer do que configure autoincriminação. Mas também é pouco provável que ele compareça diante de uma comissão que virou um catalisador da atenção do país, pela TV e pelas redes sociais, e passe horas e horas dizendo que usará seu direito de permanecer em silêncio.

Se acredita que isso fará os senadores desistirem e dizerem que ele pode ir para a casa, de fato não aprendeu nada de política no mais de um ano em que impingiu ao país sua presença à frente da Saúde.

Os senadores têm um arsenal de declarações, portarias, reuniões, entrevistas e documentos capaz de mantê-lo na berlinda por horas a fio, suando e gaguejando, como tem sido a tônica da vexatória participação dos ex-integrantes da gestão Bolsonaro perante a CPI.

Se correr o bicho pega, se ficar o bicho come.

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