A
polarização interessa tanto a Bolsonaro como a Lula, mas cenário pode mudar
A
pesquisa do Datafolha divulgada há uma semana sugere um quadro eleitoral bem
definido, com forte polarização entre o presidente Bolsonaro e o ex-presidente
Lula, com grande vantagem para este último. Juntos, os dois respondem por 74%
das intenções de voto dos que declararam sua preferência, com os restantes 26%
pulverizados entre outros seis candidatos. A vantagem de Lula é clara: tem
quase o dobro das intenções de voto de Bolsonaro, sua taxa de rejeição é bem menor
(36% x 54%) e, segundo a pesquisa, venceria com facilidade no segundo turno,
com 72% a mais de votos que o atual presidente.
A
polarização interessa tanto a Bolsonaro como a Lula e há uma chance grande de
que ela sobreviva até as eleições. Por outro lado, a ida às urnas é só daqui a
17 meses e, na memorável metáfora de Magalhães Pinto, ex-governador de Minas
Gerais, “política é como nuvem, você olha e ela está de um jeito, olha de novo
e ela já mudou”.
O que pode mudar esse quadro? Penso que pelo menos três fatores podem influir nessas preferências de voto: o avanço da vacinação, a recuperação da economia doméstica e o cenário externo.
Não
têm faltado erros, tropeços e incertezas em nosso processo de vacinação. Porém,
também há acertos e, graças a estes, e à nossa rede de saúde pública,
experiente em campanhas de vacinação, esta tem avançado. Já foram aplicadas 55
milhões de doses e a expectativa é que, ainda este semestre, os mais
vulneráveis estejam em grande parte protegidos.
Este
mês, o Banco UBS publicou estudo prevendo que o Brasil atinja um patamar de
relativa imunidade coletiva até o fim de setembro. Essa previsão se baseia em
duas constatações: 1- que a vacina está reduzindo os casos graves naqueles que
a receberam e 2 - que 98,5% das mortes, 96,2% das internações em CTI e 94,7%
das hospitalizações até mês passado foram do grupo com 30 anos ou mais. Assim,
conclui o estudo, se vacinarmos esse grupo, que compreende 56,1% da população,
a pandemia ficaria menor. E essa meta, mesmo com hipóteses conservadoras sobre
a disponibilidade de vacinas, seria atingível até setembro.
Outras
instituições preveem que a imunidade coletiva só venha no final do ano, ainda
que apontando que, dado que a vacinação foca nos grupos de risco, a saúde
pública vai começar a melhorar antes disso. Em um ou outro caso, porém, a
expectativa é que a pandemia perca força a partir do início de 2022. Isso
reduziria a importância desse tema nas eleições de outubro, diferentemente do
que ocorreu nas últimas eleições americanas.
A
economia surpreendeu positivamente no início de 2021. Apesar dos efeitos
contracionistas do fim do Auxílio Emergencial e das restrições decorrentes da
segunda onda da pandemia, o PIB deve ter crescido em torno de 0,5% no primeiro
trimestre, na série com ajuste sazonal. Ainda se espera uma queda do PIB no
trimestre, mas para a segunda metade do ano a projeção é de recuperação da
atividade.
Obviamente,
se confirmado, o controle da pandemia no último trimestre do ano vai
impulsionar a economia. Mesmo que isso se dê inicialmente de forma moderada,
pelo receio das pessoas de se exporem, o impulso vai ganhar força ao longo de
2022.
É
difícil prever quão forte ele será. A previsão do Focus é de alta do PIB de
2,4% em 2022, mas penso que pode ser mais, devido ao efeito positivo dos preços
elevados das commodities e de as famílias gastarem a grande poupança acumulada
durante a pandemia. A retomada da atividade será mais intensa nos serviços,
beneficiando a geração de empregos, inclusive informais, favorecendo
trabalhadores com maior propensão a consumir.
Também
se espera um impulso fiscal positivo, ou pelo menos não tão negativo quanto
este ano. Isso não só pela típica sazonalidade de anos eleitorais, mas também
porque a regra do Teto de Gastos permitirá um aumento real dos gastos. Isso
pois a inflação acumulada em 12 meses até junho, que é usada para ajustar o
Teto, deve ficar em 8%, caindo para 5% no ano fechado, que interessa mais para
reajuste de gastos obrigatórios.
A
recuperação da economia poderá ser ajudada, ou não, pelo cenário externo. Hoje
o foco está na alta da inflação e no receio de a reversão dos estímulos
monetários nos EUA se iniciar já no fim deste ano. No passado, quando os EUA
reduziram esses estímulos, os emergentes sofreram. Por outro lado, também lá
fora o avanço da vacinação estimulará a atividade econômica e o apetite pelo
risco. Se, de fato, nosso crescimento acelerar, a entrada de capital externo tende
a aumentar, também ajudada pela Selic mais alta, e o real pode apreciar mais
frente ao dólar, que segue sobrevalorizado para padrões históricos. Isso
criaria um clima econômico mais favorável, inclusive ao investimento.
Claro,
esse é apenas um cenário. Uma terceira onda é possível, a atividade pode outra
vez surpreender, desta vez para baixo, e a normalização monetária americana
pode nos atrapalhar muito. Se tivesse de apostar, porém, diria que o céu sob o
qual se realizará a eleição de 2022 será menos tempestuoso que hoje, com
“nuvens” mais voltadas para o futuro e menos para o passado.
*Armando Castelar Pinheiro é professor da FGV Direito Rio e do Instituto de Economia da UFRJ e pesquisador-associado do FGV Ibre.
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