EDITORIAIS
Nem
liberal nem conservador
O
Estado de S. Paulo
Jair
Bolsonaro não é conservador; é apenas reacionário. O conservadorismo não se
opõe a reformas, e sim às rupturas revolucionárias
Que o governo de Jair Bolsonaro não é liberal na economia, todos já sabem. O próprio ministro da Economia, Paulo Guedes, queixou-se recentemente da falta de “aderência” a seu projeto de redução radical do Estado, anunciado na campanha eleitoral de 2018 por Bolsonaro e claramente frustrado após mais de dois anos de mandato.
A
cada dia que passa, no entanto, o governo tampouco consegue ser o campeão dos
valores conservadores, conforme também prometido por Bolsonaro nos palanques.
O presidente não é conservador; é apenas reacionário. O conservadorismo não se opõe a mudanças e reformas, como faz Bolsonaro, e sim às rupturas revolucionárias, especialmente aquelas motivadas por utopias que só podem resultar em autoritarismo e na anulação do indivíduo. Ademais, o conservadorismo defende o respeito às instituições democráticas e luta por sua estabilidade; defende a liberdade política e econômica, dentro da ordem constitucional; defende a igualdade de todos perante a lei, que é o verdadeiro lastro da estabilidade; defende a política como a “arte do possível”, fruto de ampla negociação; e, finalmente, defende a coesão social baseada em valores morais comuns, sobretudo o respeito, a responsabilidade e a honestidade.
Lamentavelmente,
Bolsonaro viola esses princípios de forma sistemática desde que ganhou os
holofotes da vida pública, quebrando o decoro sem constrangimento, tomando a
coisa pública como se fosse privada e atacando os pilares da democracia.
Poucas
vezes na história brasileira as instituições foram tão vilipendiadas por um
presidente da República. Poucas vezes um chefe de Estado foi tão indiferente às
leis e à Constituição, considerando-se frequentemente acima delas. Poucas vezes
um governante desprezou tanto o diálogo político, demonizando a oposição e
menosprezando partidos. E poucas vezes um presidente transgrediu de forma tão
desabrida os valores morais comuns da sociedade, especialmente ao rejeitar a
responsabilidade por seus atos e omissões e ao ofender e ameaçar quem o
contesta.
Nesse
cenário, a linguagem chula de Bolsonaro é, por incrível que pareça, o menor dos
problemas – embora, frise-se, só isso já bastasse para constranger os
movimentos que se dizem conservadores e que apoiam o presidente, notadamente os
religiosos.
Bolsonaro
julga ter recebido dos eleitores o poder de fazer o que bem entende – e, se as
instituições republicanas e os valores morais se tornam obstáculos ao exercício
desse poder sem limites, pior para as instituições e para os valores.
O
presidente já se confundiu com a Constituição (“eu sou a Constituição”), um ato
falho que traiu seu desejo de transformar sua vontade pessoal em lei. E
anunciou, desde a campanha, que a “verdade” não era a realidade, mas uma
revelação mística que ele profetizou nos palanques, transformando em slogan
eleitoral o versículo bíblico “Conhecereis a verdade e a verdade vos libertará”
(João 8:32).
No
seu governo, vale o Führerprinzip, isto é, o princípio da supremacia do
líder sobre qualquer outra consideração, pois o presidente julga encarnar o
“povo”. Por essa razão, demanda-se lealdade absoluta a Bolsonaro, seja de seus
ministros, seja de seus eleitores, e o que quer que o presidente estabeleça
como verdade deve ser aceito sem contestação.
Assim,
a verdade dos fatos, cujo respeito é princípio central no credo conservador,
não tem lugar no mundo bolsonarista. Nesse universo fantástico, o presidente
não pode ser refutado quando declara não ter nenhuma responsabilidade sobre os
mais de 435 mil mortos pela pandemia de covid-19, tampouco pela desastrosa
situação econômica, e muito menos pela morosidade das reformas e das privatizações.
Questionar Bolsonaro equivale a violar um mandamento.
Isso
obviamente nada tem a ver com o espírito do conservadorismo cuja representação
Bolsonaro reivindica. É, ao contrário, uma violação explícita. Os conservadores
que se alinham a Bolsonaro supostamente por afinidade de valores deveriam
repensar esse apoio, pois correm o risco de se confundir com a desonestidade
bolsonarista.
O desperdício da retomada
O
Estado de S. Paulo
Depois
da reação, indústria, varejo e emprego rolaram de volta pela ladeira
Durou pouco a recuperação do comércio depois do tombo do ano passado. Com o recuo de 0,6% em março, houve quatro quedas nos cinco meses a partir de novembro. Além disso, o volume vendido, segundo o último balanço mensal, foi 0,3% menor que o comercializado em fevereiro de 2020, antes do impacto da pandemia. É injusto atribuir todo o estrago ao coronavírus, sem levar em conta a desastrosa colaboração do governo. Em março deste ano só aumentaram as vendas de hipermercados, supermercados e lojas de alimentos e bebidas, com avanço de 3,3%. As famílias tentaram pelo menos continuar comendo, mas nem todas tiveram dinheiro para encher as panelas.
O
desempenho mensal foi negativo nas outras sete atividades pesquisadas pelo
Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), com destaque para
tecidos, vestuário e calçados (-41,5%) e móveis e eletrodomésticos (-22%). No
varejo ampliado (com acréscimo de veículos, componentes e material de
construção) houve recuo de 5,3%. Na comparação com o nível pré-pandemia, a
queda foi de 3,6%.
O
enfraquecimento do varejo, no fim de 2020 e no primeiro trimestre de 2021, é em
parte explicável pelo abandono dos mais pobres pelo governo. Primeiro houve a
redução do auxílio emergencial, a partir de setembro. Depois, veio a suspensão
dos pagamentos, no começo do ano. Ao mesmo tempo, o desemprego cresceu e atingiu
14,4 milhões de pessoas (14,4% da força de trabalho) no trimestre móvel até
fevereiro. Em outros países o mercado de trabalho melhorou, passado o primeiro
grande impacto da covid-19. No Brasil, as condições de emprego continuaram
muito ruins, enquanto a recuperação econômica perdia vigor.
Com
tantos desempregados e subaproveitados, o consumo fraquejou e o varejo
continuou travado. Com a fraca demanda interna, a produção industrial diminuiu,
recuando 2,4% em março e 3,1% em 12 meses. Em março, o volume produzido de bens
de consumo foi 11% menor que o de fevereiro. Com mau desempenho nesses dois
meses, foi pelo ralo a recuperação acumulada entre maio de 2020 e janeiro deste
ano. Assim, o patamar de março de 2021 foi o mesmo de fevereiro do ano passado.
Incapaz
de programar as próprias finanças e de estabelecer algum roteiro para a
economia, o governo certamente perdeu o primeiro trimestre. Alguma retomada
talvez tenha ocorrido a partir de abril, mas essa afirmação ainda é muito
insegura. Ainda muito fraca, a economia continua com escasso potencial de
geração de empregos. O emprego escasso permanece insuficiente para sustentar
uma recuperação segura do consumo e, portanto, da demanda de bens industriais.
Uma rara novidade positiva é a elevação, em abril, do Indicador
Antecedente de Emprego, calculado pela Fundação Getúlio Vargas (FGV) com
base em sondagens das condições setoriais e das expectativas de empresários e
consumidores. Com aumento de 1,6 ponto, o índice chegou a 78,7 pontos.
Considerada toda a série a partir de setembro, o número de abril só é superior
ao de março (77,1) e muito inferior ao pico alcançado em dezembro (85,7). A
melhora, portanto, foi muito pequena. Isso aponta expectativas e tendências bem
mais modestas do que aquelas apuradas entre setembro e fevereiro. Além disso, o
indicador também ficou muito abaixo do nível de fevereiro do ano passado (92),
último mês antes do choque inicial da pandemia.
Indústria,
varejo e mercado de trabalho recuaram, portanto, depois de alguns meses de
recuperação, sinalizando novo enfraquecimento da economia. Incapaz de sustentar
a retomada, o governo falhou em agosto ao desenhar um orçamento sem estímulos
anticrise. Continuou falhando ao reduzir e depois extinguir o auxílio
emergencial. Falhou de novo ao se meter, em 2021, numa negociação confusa sobre
a lei orçamentária. Enfim, a insegurança sobre as contas públicas alimentou a
instabilidade cambial e as pressões inflacionárias, prejudicando o consumo já
enfraquecido, num ambiente afetado pelo negacionismo e pelo atraso da
vacinação. Sozinho, dificilmente um vírus causaria um estrago tão amplo.
Tecnologias
na educação
O
Estado de S. Paulo
Inovações
tecnológicas são bem-vindas, mas o papel do professor é essencial
Ninguém se pergunta se escolas funcionam melhor com ou sem livros didáticos. A questão é de quais livros se fala. Similarmente, não cabe indagar até que ponto quadras poliesportivas melhoram o rendimento em matemática ou português. A educação física tem um valor em si. “Da mesma forma”, diz o instituto Todos Pela Educação, “tecnologias de criação e experimentação devem ser vistas como um direito e não uma maneira de impulsionar notas em outras disciplinas.” Em plena 4.ª Revolução Industrial – exponencialmente acelerada pela pandemia – “não se trata mais de questionar ‘se’, mas ‘como’ utilizar a tecnologia na escola”.
Para
elucidar o desafio, o Todos pela Educação, em parceria com o grupo D3E e o
Transformative Learning Technology Laboratory, da Universidade de Columbia,
desenvolveu o estudo Tecnologias
para uma Educação com Equidade.
A
base é o investimento em infraestrutura tecnológica. Isso implica antes de tudo
insumos como internet, computadores e laboratórios. O Fundo de Universalização
dos Serviços de Telecomunicações deve prover acesso pleno à internet em todas
as escolas públicas. Adicionalmente, fundos e taxas arrecadados no setor de
telecomunicações podem mitigar a exclusão digital nos domicílios dos
estudantes. Também é essencial desenvolver políticas para aquisição, manutenção
e atualização de tecnologias educacionais.
Outro
eixo complementar é a formação de professores e gestores. Na Base Nacional
Comum para a Formação de Professores da Educação Básica, de 2019, as
tecnologias ainda são um tema periférico. Mas elas devem ser encaradas como
recursos intrínsecos à docência. Deve-se encorajar o professor a ser, a um
tempo, um designer de experiências de aprendizagem; um curador crítico de
conteúdos; e um pesquisador. Isso implica, por parte das redes de ensino, o
fornecimento de “kits” de trabalho e a contratação de programas de formação
continuada por especialistas. O mesmo vale para os gestores.
Compreender
e desenhar tecnologias educacionais envolve múltiplos campos do conhecimento.
Por isso, é essencial fomentar a colaboração academia-escola por meio de centros
de pesquisa interdisciplinares que atraiam pesquisadores de outros setores para
a educação. Analogamente, as Secretarias da Educação devem estabelecer redes de
colaboração com empreendedores da área tecnológica.
Para
otimizar esses processos, o País precisa elaborar uma estratégia nacional em
tecnologia educacional. Como constatou a pesquisa, as ações atuais são
caracterizadas por ideias e projetos efêmeros, muitas vezes encaixados em
planos ou estratégias para outras áreas, como a formação de mão de obra.
Órgãos
como o BNDES, o Ministério da Ciência e Tecnologia ou o Comitê Gestor da
Internet têm planos de fomento. “No entanto, educadores, pesquisadores e redes
de ensino – com o apoio da gestão pública, do terceiro setor e de entidades de
representação – são os atores com mais condições de organizar um plano nacional
para guiar o setor público e a sociedade civil no desenvolvimento de práticas
educacionais que envolvam novas tecnologias.”
Por
isso, os autores da pesquisa propõem a criação de um fórum, de uma escola
nacional e de laboratórios de práticas em tecnologia e educação, pautados pela
equidade, participação, continuidade, acompanhamento e internacionalização.
Pelo
que se depreende da pesquisa, o Brasil já possui bons recursos em termos de
experiências e pesquisas educacionais, empresas de tecnologia, políticas
inovadoras e conteúdos desenvolvidos para a educação básica. Mas estes recursos
se encontram dispersos e desconectados. O desafio é criar um ecossistema
orgânico e resiliente.
É
um desafio excitante para todos aqueles envolvidos com a educação. Mas, por
isso mesmo, é importante não se deixar seduzir por quimeras tecnocráticas. A
tecnologia oferece possibilidades formidáveis para potencializar a mediação
humana, mas jamais poderá substituí-la. A educação do futuro, assim como a do
passado, só dará mais e melhores frutos com o cultivo e o fortalecimento da sua
raiz: o professor.
Falácia do voto impresso ressurge na forma de PEC
O Globo
Apesar de 25 anos de uso sem comprovação de qualquer fraude, a urna eletrônica continua sendo alvo de ataques do presidente Jair Bolsonaro, que chegou a dizer não ter sido eleito no primeiro turno em 2018 porque o pleito foi fraudado. Nunca apresentou qualquer prova, mesmo assim mantém os ataques. Agora, avança na Câmara uma Proposta de Emenda à Constituição (PEC) que institui a impressão do voto para checagem pelo eleitor. A autora é a bolsonarista Bia Kicis (PSL-DF), presidente da Comissão de Constituição e Justiça da Câmara (CCJ), que já aprovou a PEC com apoio do presidente da Casa, Arthur Lira (PP-AL). A intenção é que a medida já vigore para a eleição de 2022.
O Tribunal Superior Eleitoral (TSE),
presidido pelo ministro Luís Roberto Barroso, do Supremo, aproveitou os 25 anos
da urna eletrônica para defendê-la em campanha publicitária. O ministro lembra,
com razão, que não faz sentido governantes tratarem do assunto neste momento de
grave crise sanitária e dificuldades econômicas, com sérios reflexos nas contas
públicas. Para Bolsonaro, os fatos são o de menos. O que importa é reacender um
tema para mobilizar as bases e manter uma via de escape que lhe permita acusar
de fraude qualquer pleito em que venha a ser derrotado, exatamente como fez
Donald Trump nos Estados Unidos.
Deixando de lado o interesse político, o
principal argumento em favor do voto impresso é manter um rastro físico para
que a votação possa ser conferida. Em si, não é um argumento errado. Mas toda
urna eletrônica já mantém um rastro físico, por meio do boletim com os totais
da votação, sujeito a inspeção pelos fiscais de todos os partidos. Quanto ao
sistema que computa os votos, o software da urna é objeto de testes periódicos,
em que especialistas simulam ataques. Em virtude disso, já passou por vários
aperfeiçoamentos.
Mesmo que esse software ainda esteja
tecnicamente longe do ideal de transparência defendido pelos especialistas, é
simplesmente inviável que fraudadores burlem a instalação e o troquem em
milhares de urnas, de modo a alterar o resultado da eleição. Fraudar a
totalização é também pouco crível, já que é possível rastreá-la por meio dos
boletins de cada urna. O risco de fraude é, portanto, ínfimo. Em contrapartida,
o voto impresso abre margem a outras possibilidades de fraude, semelhantes às
que havia no tempo da cédula em papel. Por isso foi rejeitado pelo STF. Levando
em conta que o custo de instalação gradual do sistema era, em 2018, estimado em
R$ 2 bilhões, é razoável concluir que existem meios mais inteligentes de gastar
o dinheiro do contribuinte.
Bolsonaro reaquece sua velha campanha pelo
voto impresso quando pesquisas eleitorais o colocam bem atrás de Lula. Por
óbvio, é cedo para qualquer desenho mais nítido de um quadro eleitoral para
daqui a dois anos. Quase metade dos brasileiros (49%) não sabe dizer em quem
votará, nem mesmo se anulará ou votará em branco, segundo o último Datafolha.
Bolsonaro aproveitou para dizer que Lula só ganharia dele por meio de fraudes.
Deverá ser assim até as urnas, criando um indesejável clima de tensão política
e um paralelo perigoso com o que houve nos Estados Unidos. Acuado pela CPI da
Covid, a surrada denúncia vazia de fraude eleitoral tende a se tornar mais
frequente. O Congresso não pode embarcar nessa balela.
Fundos em que sobram recursos poderiam
aliviar orçamento apertado
O Globo
Em negociação com a União para renovar o Regime de Recuperação Fiscal (RRF), o governo do Rio quer incluir a incorporação dos fundos do Poder Executivo à conta única do Tesouro. Mexer com esses recursos, regulados por lei própria, não será tarefa fácil, mas é um problema que precisa ser enfrentado. Não faz sentido que alguns fundos tenham dinheiro sobrando, enquanto o estado, com um Orçamento engessado, vive de pires na mão, com obras paralisadas, sem capacidade de investimento e verbas que mal dão para pagar pessoal e despesas básicas. Na estimativa do governo, a mudança daria um fôlego de até R$ 4 bilhões.
Como mostrou reportagem do GLOBO, os
poderes Executivo, Legislativo e Judiciário têm juntos 36 fundos ativos, sem
contar os da Previdência e os usados para quitar restos a pagar. Em 2020,
registraram despesas de R$ 12,8 bilhões, recursos que dariam para quitar, por
seis meses, salários e encargos de todos os servidores do Executivo.
Trinta desses fundos fecharam o ano de 2020
— quando a pandemia de Covid-19 fez um estrago nas finanças públicas — com R$
4,6 bilhões em caixa. Mais da metade (R$ 2,56 bilhões), do Executivo. Essa
fortuna não inclui os fundos de Conservação Ambiental (Fecam) nem o de Combate
à Pobreza. Em março, a Alerj aprovou a desvinculação de 30% desses dois fundos
para pagar um auxílio emergencial. “Os recursos são carimbados e não podem ser
usados, mesmo diante de necessidades graves”, diz o economista Paulo Tafner.
“Enrijecem o orçamento público e algumas vezes são usados para dar mordomia a servidor.”
No festival de fundos que travam o
Orçamento, inscrevem-se os de registradores (cartórios), bombeiros, Tribunal de
Justiça, TCE, MP, Fazenda, Saúde, Procuradoria-Geral, Alerj, Escola de
Magistratura e PM. Este ano a receita prevista para os 36 fundos é de R$ 12,6
bilhões, pouco inferior aos R$ 14 bilhões de 2020. Mesmo que todo o dinheiro
orçado não esteja disponível, o total empoçado chega, segundo estimativas, a
até R$ 4 bilhões.
A situação do dinheiro nos fundos do Rio é
semelhante à que o governo federal tenta resolver por meio da Proposta de
Emenda Constitucional 187/2019, que tramita no Congresso, com o objetivo de dar
agilidade aos parlamentares na elaboração do Orçamento. No caso da União, há R$
220 bilhões retidos em 248 fundos de destinação específica, diz o Ministério da
Economia.
Para facilitar a tramitação do projeto de
incorporação dos fundos, o governo fluminense pretende deixar de fora os do
Legislativo e do Judiciário. O movimento tem o mérito de chamar a atenção para
um problema que precisa ser resolvido, especialmente à luz da devastação das
Finanças pela pandemia. O estado não pode ficar refém de um Orçamento engessado
porque determinadas categorias com maior poder de influência e mobilização
tentam garantir seus recursos por meio de fundos dirigidos. Eles são uma prova
de que o Estado não trabalha em benefício do cidadão, mas daquelas corporações
que se acham mais iguais que as outras.
Conduta de risco
Folha de S. Paulo
Atacados por Bolsonaro, brasileiros que
praticam o distanciamento caem para 30%
Num momento em que a pandemia ainda resulta
em um número indecente de novos casos e mortes no país, são preocupantes
os números
colhidos pelo Datafolha acerca do distanciamento social.
O índice dos que praticam a medida
preventiva atingiu o nível mais baixo desde o início da série, há pouco mais de
um ano. Hoje apenas 30% dos brasileiros acima de 16 anos declaram estar
totalmente isolados (2%) ou sair de casa somente quando inevitável (28%).
No levantamento anterior, realizado em
meados de março, esse percentual era de 49% —8% no primeiro caso e 41% no
segundo. O recorde, de 72%, foi registrado no início de abril do ano passado.
Inversamente, a parcela dos que afirmam
sair de suas residências para trabalhar ou fazer outras atividades atingiu o
maior patamar nas pesquisas, com 63%. Trata-se de um salto de 16 pontos
percentuais na comparação com o levantamento pregresso. Já os que dizem levar a
vida sem mudanças de rotina passaram de 4% para 7%.
As pessoas com mais de 60 anos constituem o
grupo etário que mais cumpre o distanciamento físico, embora essa parcela tenha
despencado de 77%, em março, para 53% —um possível reflexo do avanço da
vacinação entre os mais idosos.
A baixa adesão entre os jovens (apenas 20%
na faixa entre 16 e 24 anos) se fez acompanhar por um aumento do número de
infecções.
Principal instrumento não farmacológico, ao
lado das máscaras faciais, para evitar o contágio pela doença, as medidas de
distanciamento encontraram desde o início da pandemia um inimigo feroz na
Presidência da República.
Jair Bolsonaro sabotou-as o quanto pôde,
promovendo aglomerações e insistindo numa falaciosa dicotomia entre economia e
saúde. Nesta segunda-feira (17), atacou os cidadãos que, com sacrifícios
pessoais, zelam pelo bem comum, chamados de “idiotas que
até hoje ficam em casa”.
Na ausência de qualquer coordenação
nacional, restou a prefeitos e governadores baixar medidas para restringir a
circulação das pessoas —não raro de maneira atabalhoada, com alcance limitado e
sem a fiscalização necessária para que fossem cumpridas.
A consequência de tudo isso é que
terminamos praticando um distanciamento social no mais das vezes precário, como
atesta a catástrofe das mais de 430 mil mortes. Até que a imunização alcance
percentual expressivo da população, não dispomos de alternativa para controlar
a quantidade de infecções.
Perda precoce
Folha de S. Paulo
Morto aos 41, Bruno Covas deixa exemplo de
civilidade e espírito público
A morte prematura de Bruno Covas não deixou
apenas a capital paulista sem o prefeito que a maioria da população gostaria
que cumprisse o mandato para o qual foi eleito. Sua ausência representa também
uma perda para a política nacional. Aos 41 anos, Covas, não fosse a enfermidade
que o acometeu, tinha a perspectiva de uma promissora carreira pública pela
frente.
Em tempos de aguda polarização ideológica,
que contaminou até mesmo a administração da mais grave crise sanitária em um
século, ele soube mostrar compaixão e dedicação à cidade. Sua recondução ao
cargo, em novembro de 2020, foi sem dúvida um reconhecimento a esse empenho.
Foi também notável e exemplar o modo
transparente com que sempre tratou suas condições de saúde. Submetido a
tratamentos severos, manteve-se o quanto possível à frente da administração.
As manifestações de apreço e as homenagens
que recebeu de políticos de diversas tendências, inclusive de adversários,
atestam o grau admirável de civilidade com que se pautou. Aberto a críticas e
ao diálogo, contrapôs-se sem meias palavras a discursos autoritários.
Replicou, em novo contexto, as boas
práticas do avô, Mario Covas, vítima de câncer enquanto governava o estado, 20
anos atrás.
Não há dúvida de que havia diversos
aspectos a aperfeiçoar em sua gestão. O bom desempenho do igualmente jovem
Guilherme Boulos (PSOL) na disputa municipal do ano passado ressaltou a
importância de a prefeitura aumentar sua dedicação ao enfrentamento das
desigualdades sociais, agravadas pela crise econômica e pelos percalços criados
pela Covid-19.
O vice, Ricardo Nunes (MDB), que ora assume
a prefeitura, tem diante de si um grande desafio. Questionado, durante a
campanha eleitoral, por suas ligações com entidades gestoras de creches, o novo
governante da cidade tem um perfil diferente, mais conservador.
Tem, contudo, renovado promessas de seguir
as diretrizes do antecessor, mantendo inclusive o secretariado. Que o exemplo
de Bruno Covas lhe sirva de inspiração.
Valor Econômico
Sem a recuperação do emprego e da renda
falta sustentabilidade à retomada econômica
Apesar dos resultados fracos da economia em
março, especialmente na indústria e nos serviços, as projeções para o primeiro
trimestre estão melhor do que se esperava e a perspectiva para o ano é
positiva. As incertezas, porém, ainda são muitas a essa altura do calendário, e
arrefecem maior otimismo.
A economia vinha se recuperando a passos
lentos desde o tombo de abril do ano passado, quando o IBC-Br, considerado uma
prévia do Produto Interno Bruto (PIB) desabou 9,8% com o impacto da primeira
onda da covid-19. Com as medidas de estímulo do governo, as perdas acabaram
caindo pela metade e o PIB medido pelo IBGE acabou fechando com queda de 4,1%.
A trajetória de retomada continuou neste ano. Em janeiro, o IBC-Br aumentou
0,9% em relação a dezembro e, em fevereiro, 1,9%, também em comparação com o
mês anterior.
Foi quando sobreveio a segunda onda da
pandemia. Além do aumento do número de mortes, a covid-19 obrigou Estados e
municípios a adotarem medidas restritivas que frearam a atividade econômica. A
produção industrial caiu 2,4% em março e o estrago só não foi maior por causa
do mercado externo. Os serviços encolheram 4%; e o varejo teve módico
crescimento de 0,6%, apoiado nas transações pela internet. Como resultado, o
IBC-Br teve a primeira queda em dez meses, de 1,59% em março na comparação com
fevereiro.
A surpresa, no entanto, veio com o
fechamento do IBC-Br no primeiro trimestre que, segundo o Banco Central, teve
elevação de 2,3% em relação ao quarto trimestre de 2020. O monitor do PIB da
Fundação Getulio Vargas, divulgado ontem, também mostra resultado positivo,
embora menor, de 1,75% do primeiro trimestre na mesma base de comparação. O PIB
oficial do IBGE será divulgado em 1º de junho.
O IBC-Br superou as previsões e desencadeou
uma revisão das expectativas para o ano. Vários bancos elevaram a estimativa de
crescimento do PIB neste ano para mais de 4%, o que neutralizaria as perdas do
ano passado. Relatório Focus mostrou aumento da previsão do mercado para o PIB
deste ano para 3,45% em comparação com 3,21% na semana anterior.
As previsões mais otimistas para o ano são
sustentadas por outros dados. Levantamento do Confaz mostra que a arrecadação
consolidada do ICMS em 18 Estados, imposto diretamente relacionado ao consumo,
teve avanço de 19,6% de janeiro a abril frente ao mesmo período de 2020. Um dos
bancos que elevou a estimativa para o ano, o Itaú Unibanco, que cravou 4%,
informa que seu Indicador Diário de Atividade (Idat), baseado em dados de
consumo de bens, serviços e energia elétrica na indústria, atingiu o nível
pré-pandemia (100 pontos) pela primeira vez em 7 de maio, puxado pelos
serviços. O aumento do consumo de bens também foi registrado e atribuído ao Dia
das Mães.
Não há consenso a respeito do que está por
trás desses números. Alguns especialistas dizem que as medidas restritivas não
foram totalmente observadas como na primeira onda da covid-19 por falta de
apoio do governo federal. A retomada do pagamento do auxílio emergencial só
ocorreu a partir de abril e deve ter ajudado, apesar do valor
significativamente inferior ao do concedido em 2020. Desta vez, o auxílio emergencial
está projetado para liberar R$ 43 bilhões, para 46 milhões de brasileiros. No
ano passado, foram pouco mais de R$ 293 bilhões para 68 milhões de pessoas.
O ciclo de alta de preços e aumento da
demanda das commodities também favorece a economia, impulsionando o comércio
exterior e setores como mineração e produtos agropecuários.
Mas algumas incertezas põem o cenário
otimista em dúvida. Uma delas é a vacinação, que segue claudicante e com a
disponibilidade de imunizantes incerta. Uma eventual terceira onda da covid-19
não é totalmente descartada.
Mesmo com o nível de atividade se recuperando, ainda que lentamente, não são visíveis melhorias no mercado de trabalho. Nem bem foi lançado, o novo Programa Emergencial de Manutenção do Emprego e da Renda (BEm) já tem 1,5 milhão de trabalhadores beneficiados. Sem a recuperação do emprego e da renda falta sustentabilidade à retomada econômica. Como se tudo isso já não fosse preocupante, há ainda as turbulências no cenário político, que inibem os investimentos e tolhem as empresas. Não é por outro motivo que as previsões para 2022 são de crescimento do PIB inferior ao deste ano.
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