Militares
esperam que Pazuello receba tratamento digno
Sempre
instigante observar quando aqueles que chegam ao poder maldizendo o “sistema” -
e depois dele tentam se servir com o objetivo de permanecerem no topo da cadeia
alimentar - são colocados frente a frente com as estruturas tradicionais da
política. O desfecho costuma ser o mesmo: a liturgia lhes é imposta, por bem ou
por mal, e as instituições se sobressaem. A CPI da Covid já apresenta cenas
desse filme, ao qual o eleitor assiste desde 2018.
Apenas
parte do roteiro é conhecido, como os trechos em que o presidente Jair
Bolsonaro ganha a eleição com um discurso lastreado no sentimento de aversão à
política de grande parte da população e depois precisa reestruturar seu
posicionamento. Abandonou uma bandeira, mas manteve o barco governista
flutuando.
Parlamentares e governadores também enfrentaram a dura realidade vivida fora das redes sociais. Wilson Witzel, ex-governador do Rio de Janeiro, durou pouco tempo no cargo. Foi expelido temporariamente da vida pública pelas instituições que tanto desdenhou. Em Santa Catarina, o governador Carlos Moisés foi mais habilidoso e sobreviveu ao impeachment.
Entre
os parlamentares, o caso mais atual é o do deputado Daniel Silveira (PSL-RJ),
enquadrado pelo Supremo Tribunal Federal (STF) por protagonizar ataques à
Corte. Preso em flagrante, ele agora responde a processo por quebra de decoro
parlamentar no Conselho de Ética e precisará contar com o corporativismo de uma
Casa que não quer ver outros de seus integrantes irem para a cadeia.
A
“avant-première” na CPI foi o depoimento de Fabio Wajngarten, ex-secretário de
Comunicação Social da Presidência da República.
Seu
cartão de visitas de empresário que deixou a iniciativa privada para promover o
bem não colou. Wajngarten achou que poderia dobrar parlamentares experientes,
alvos prioritários dos ataques bolsonaristas à chamada política tradicional, e
acabou tendo seu comportamento considerado inadequado. Por pouco não recebeu
voz de prisão e visitou as dependências da Polícia Legislativa. Sua atuação nas
negociações para a aquisição da vacina será investigada.
Já
o ex-chanceler Ernesto Araújo levou uma descompostura. Faltou diplomacia em sua
fala inicial à CPI, quando afirmou que em governos passados “praticamente todos
os atores econômicos dependiam de conexões políticas” e recursos da nação eram
alocados seguindo uma lógica político-partidária “que gerou estagnação, atraso
e imensas oportunidades para a corrupção”.
Entrou
em cena Otto Alencar (PSD-BA), que recordou recente declaração do ex-ministro
segundo a qual, se não fosse “combatida a essência do sistema”, reformas e
privatizações seriam “gato pardo” - referência à obra do escritor italiano
Tomasi di Lampedusa.
“Tem
uma frase famosa no romance que diz que é preciso que tudo mude para que tudo
continue como está”, explicou Araújo. Mas a legenda veio logo com o senador
baiano, que relembrou o mantra de governistas de que a articulação política era
uma prática inadequada e só a pressão popular pode mudar o Brasil.
Araújo
não deve ser o último da fila. O assessor para Assuntos Internacionais de Bolsonaro,
Filipe Martins, será testado. Sua última presença no Senado foi marcada por
acusações de que teria feito gestos racistas ou ofensivos aos parlamentares, o
que ele nega. Há requerimentos para convocá-lo.
É
distinta, contudo, a situação de Eduardo Pazuello. O ex-ministro da Saúde é
general da ativa. Três estrelas.
O
que o diferencia dos ex-colegas de governo é que em sua história sempre fez
parte do atual ordenamento institucional. Não é à toa que nos últimos dias
circularam diversas versões especulando se ele adentrará à sala da comissão
fardado ou vestido como o civil que, a despeito da contestação de seus pares,
aceitou uma delicada missão do presidente.
Ex-companheiros
de governo já estão tentando responsabilizá-lo pela catastrófica gestão da
crise sanitária, mas o general não será abandonado pelos colegas de caserna.
Entre os militares, a expectativa é que Pazuello seja tratado com respeito.
Isso consta, inclusive, do despacho em que o ministro Ricardo Lewandowski, do
STF, concedeu-lhe o habeas corpus.
Mais
do que sua experiência em logística, argumenta-se entre oficiais, Pazuello foi
nomeado por ter a confiança do núcleo mais próximo a Bolsonaro - inclusive por
ser paraquedista, grupo com forte espírito de corpo.
Ao
aceitar o convite para assumir a Saúde, estaria, portanto, embarcando numa
missão pessoal incapaz de lhe garantir frutos na carreira. Até porque, por ser
da Intendência, não poderia receber a quarta estrela. Esta patente é
inalcançável para médicos, engenheiros militares e oficiais do Serviço de
Intendência.
Comentou-se
que a esperança do general era ser recompensado com uma mudança das regras que
disciplinam as promoções. No entanto, mesmo que Bolsonaro rompesse a tradição,
nada garantiria que Pazuello estivesse entre os escolhidos. As promoções são
definidas por voto nas reuniões do Alto Comando.
Isso
não quer dizer que o Exército o auxiliará em sua defesa. A Força não o indicou
para o cargo, não se envolveu nas discussões internas do Ministério da Saúde
nem teve acesso a documentos e contratos assinados. Cabe a Pazuello responder
por isso com auxílio da Advocacia-Geral da União (AGU). Ainda assim, um
eventual abuso por parte dos senadores será pessimamente recebido nos quartéis.
Não há intenção de deixá-lo ferido pelo caminho.
Pazuello pode reduzir o desconforto de seus companheiros de armas evitando se comportar como se num quartel estivesse. Os senadores tampouco estão dispostos a encarar um depoente desaforado. Neste caso, será instigante ver a interação entre general e integrantes da CPI, sobretudo quando ele for perguntado sobre a que se referia quando disse, em sua despedida, que não atendeu a demandas de lideranças políticas e havia pedidos de “pixulé” no fim do ano passado.
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