Portaria distorce decisão do STF em benefício de militares, em especial, os generais
Militares não se aposentam. Foi assim que
sempre argumentaram as Forças
Armadas para se livrar da equiparação das regras
previdenciárias com civis.
Militares se aposentam: e os ministros
militares do governo são aposentados. É o que buscou a Defesa para se livrar do limite remuneratório (conhecido
como teto). Argumenta-se que esses generais devem poder receber acima do
limite/teto acumulando “aposentadoria” e o salário de ministro.
Estariam, assim, incluídos nas decisões
do Supremo Tribunal Federal (STF) e do Tribunal de Contas da União (TCU) que permitem –
excepcionalmente nesses casos – que o teto remuneratório seja dobrado, aplicado
separadamente a cada um dos pagamentos, e não à soma deles (aposentadoria+salário).
Deixa de valer, assim, o limite de R$ 39,2 mil, o salário de ministros do Supremo que é a remuneração máxima no serviço público. Com a dobra do limite feita, o chamado “teto duplex” iria para quase R$ 80 mil. É 70 vezes o soldo dos recrutas. A mudança decorre de uma portaria do Ministério da Economia (que, aliás, não diz como vai pagar, violando a Lei de Responsabilidade Fiscal).
Militares da reserva com cargos no governo
serão beneficiados, porque até então o acúmulo de salário e aposentadoria
esbarrava no teto. Agora, o limite será o teto dobrado. Haverá aumentos para o
presidente, mas principalmente para os generais. Segundo jornais, o vice Mourão receberia
mais de R$ 63 mil mensais a partir de agora, os ministros Braga Netto,
da Defesa, R$ 62 mil; Heleno,
da Segurança Institucional, R$ 63 mil; e Ramos, da Casa Civil, R$ 66 mil.
A alegação para a portaria seria o
cumprimento de uma decisão do STF, que permitiu que o limite remuneratório de
R$ 39,2 mil seja observado separadamente para aposentadoria e para salário.
Seria, assim, um limite para cada vínculo. Mas militar na reserva perde o
vínculo?
A Constituição prevê que a aposentadoria
afasta o vínculo com o empregador, seja na iniciativa privada ou no governo. Só
que militares sempre justificaram que não se aposentam, que há apenas uma
“transferência para a reserva remunerada”, que seguem à disposição do Estado e
que podem ser convocados.
O TCU também havia decidido em anos
recentes que, “na hipótese de acumulação de aposentadoria com a remuneração
decorrente de cargo em comissão, considera-se, para fins de incidência do teto
constitucional, cada rendimento isoladamente”. A expressão usada é
aposentadoria, o que não se aplicaria aos generais.
Mesmo no STF, a discussão no julgamento da
questão não parece ter levado em conta os militares. Por exemplo, o ministro
Lewandowski, para quem o teto de R$ 39,2 mil sobre aposentadoria+salário
violaria a dignidade da pessoa humana, observou que a aposentadoria é
contraprestação por décadas de contribuição.
Mas militares não contribuem para a
transferência para a reserva (ou “aposentadoria”), porque esta não seria um
benefício (já que ainda estão à disposição etc.). Não é exagero do colunista:
nenhum dos generais na reserva contribuiu sequer com um centavo em qualquer mês
da carreira militar para o que agora querem considerar uma aposentadoria.
O argumento de que militar não se aposenta
foi usado historicamente para evitar a imposição de idades mínimas para
aposentadoria (90% sai da ativa com menos de 55 anos, 50% antes de 49), de
contribuições de aposentados (como no serviço público civil) e de cálculo de
aposentadoria com base na média salarial (como no INSS). Militares ainda têm a integralidade: vão para a reserva
com 100% do maior salário. “Os militares nunca tiveram e não têm um regime
previdenciário” escreveu Mourão em 2017 no texto “Por que os militares não
devem estar na reforma da Previdência?”. O vice prometeu doar o dinheiro.
Agora, para pegar carona nas decisões do
TCU e do STF autorizando o limite duplo para aposentados que recebem salário, o
governo editou portaria estendendo o limite duplo para “militares na reserva”.
As decisões não trataram desses casos, que exigiriam uma emenda à Constituição
– já que é controverso o status dos militares da reserva. Qual o limite dos
generais?
*Doutor em economia
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