- Folha de S. Paulo
Diante de um entrevistado mentiroso, os
repórteres, ao contrário da CPI, não têm poder de prisão
Nas últimas semanas, recorri à minha já
quase secular trajetória pela imprensa para cometer dois artigos (“Perguntas à
queima-roupa”, 7/5, e “Pequeno manual para a CPI”, 12/5), em que tentei passar
a possíveis interessados —os senadores da CPI da Covid,
por exemplo— algumas dicas sobre como fazer perguntas. Afinal, é delas que
vivem os jornalistas, e alguns tiveram a sorte de trabalhar em veículos em que
a entrevista era uma grande atração.
Um deles, a antiga Playboy, cujas entrevistas passavam tal seriedade que mesmo os mais alérgicos a elas, como Frank Sinatra e Miles Davis, aceitaram concedê-las. A própria edição brasileira, em sua melhor fase, nos anos 80 e 90, entrevistou empresários, candidatos à Presidência e até suas maiores inimigas: as feministas. E por que eram tão boas as entrevistas de Playboy? Porque seus repórteres tinham cláusulas pétreas a seguir na elaboração da pauta e na sua aplicação. Eis algumas.
Preparar-se para a entrevista como se fosse
a última que o sujeito daria em vida. Ler sobre ele para aprender tudo que se
sabia a seu respeito, para perguntar justamente sobre o que não se sabia. Fazer
uma pauta com centenas de perguntas, com perguntas alternativas entre uma e
outra, como repique à pergunta anterior.
Nunca fazer duas perguntas ao mesmo tempo
—faz-se a primeira e mantém-se a seguinte engatilhada. Ficar atento à resposta
para possíveis buracos e ir a eles em seguida. Nunca cortar ou se intrometer
numa resposta —afinal, o camarada está ali para falar. Em caso de súbito branco
numa resposta, nunca tentar “ajudar” o entrevistado —ele que se obrigue a
preenchê-lo e, ao fazer isso, dirá o que não queria.
E, se o entrevistado mentir, nunca chamá-lo de mentiroso na lata, claro, mas fazer com que ele perceba logo que você não se deixou tapear. Afinal, os repórteres, ao contrário da CPI, não têm poder de prisão.
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