A ex-secretária da Receita Federal Lina Vieira não caiu por apenas um motivo. O órgão já está sob intervenção da Secretaria Executiva do Ministério da Fazenda há muito tempo, e tem sido paulatinamente esvaziado. O caso Petrobras está se tornando um manual do que não se deve fazer no setor público do país. Nada disso será resolvido com a retirada da secretária.
A reclamação, que não foi feita publicamente, mas que chegou aos jornais, é que o ministro da Fazenda, Guido Mantega, estaria irritado com o fato de não ter sido informado do caso Petrobras antes que saísse na imprensa, já que ele é membro do conselho de administração da empresa. Ora, este era mais um motivo pelo qual a Receita não deveria mesmo ter comunicado nada ao ministro.
Se o fizesse, estaria consagrado que a Petrobras é um contribuinte diferente dos outros porque a Receita tem que consultar o ministro antes de tomar qualquer decisão a respeito; como Mantega também é membro do conselho de administração da estatal, a questão fica ainda mais delicada.
Exatamente por ter os dois chapéus, o ministro não deveria querer saber coisa alguma sobre a empresa.
A atuação da Receita Federal no caso Petrobras foi opaca, somente para usar uma palavra mais doce. Ela soltou uma nota deixando claro que condenava a opção da empresa pela mudança de regime tributário, mas depois disso nada mais fez.
Disse isso através de uma nota, que se seguiu à divulgação da reportagem do GLOBO sobre a redução do imposto em mais de R$ 4 bilhões pela mudança do regime fiscal. A empresa define como “erro técnico” dizer que ela deixou de pagar imposto; ela teria apenas se creditado por ter pago a mais no antigo regime fiscal.
Mas o que a Receita disse na nota divulgada na ocasião é que o contribuinte não pode fazer essa alteração no meio do exercício.
Se não podia, passou a poder, porque a Petrobras não foi chamada até hoje para se explicar; e agora a secretária caiu. Pior, como a declaração do Imposto de Renda Pessoa Jurídica foi adiada pela Receita — fato que não acontecia há mais de uma década — a Petrobras nem apresentou sua declaração.
Como, aliás, nenhuma empresa. Normalmente o prazo era 30 de junho.
Tudo o que se sabe até agora veio a público por meio de fontes oficiosas, porque oficialmente o Ministério da Fazenda não esclarece o que afinal de contas está acontecendo. Pode haver motivos para demitir um funcionário, mas demitilo pelo fato de ele — no caso, ela — não dar um tratamento privilegiado a um contribuinte como a Petrobras é espantoso.
A Receita está funcionando mal e isso não tem a ver apenas com a secretária que sai. Ela está sendo perigosamente politizada e esvaziada nos últimos anos. E fazer isso com o Fisco pode ser construir as bases de uma crise duradoura. Os auditores têm que ter ambiente para fazer seu trabalho; os técnicos têm que focar no mais importante que é arrecadar, em vez de dividir-se em grupos e facções com rivalidades alimentadas pelas próprias autoridades. E simplesmente o órgão não pode ser esvaziado por decisão de quem está na administração pública temporariamente.
A Receita Federal permanece lá e o país precisa que ela funcione corretamente, sempre.
A arrecadação tem caído porque a economia está sofrendo com a crise; porque têm sido concedidas muitas desonerações para os setores que têm mais poder de pressão; porque o comando da Receita Federal foi dividido e as ordens passaram a ser ambíguas.
Mesmo assim, há quem faça outras contas. Entrevistei o presidente do Instituto Brasileiro de Planejamento Tributário (IBPT), Gilberto Luiz do Amaral, e o economista Alexandre Marinis, da Mosaico consultoria política, na semana passada pela GloboNews, e ambos disseram que a receita líquida do Governo Central não está em queda.
Receita líquida é a arrecadação que fica para a União depois do repasse feito a estados e municípios. Ela estaria se mantendo praticamente estável em termos nominais de 2008 para 2009, mesmo com a crise.
Gilberto Amaral afirmou que do ponto de vista da arrecadação da Receita, não há nenhum motivo para a saída de Lina Vieira. Pelo contrário, ela teria tentado implementar um programa de centralização da fiscalização.
Além disso, teve uma preocupação maior com o atendimento ao contribuinte nas delegacias do órgão.
— A queda da arrecadação da Receita está relacionada à crise econômica e não a problemas de gestão no órgão — afirmou.
Alexandre Marinis afirma que de janeiro a maio houve uma retração de apenas 0,2% em relação ao mesmo período do ano passado na receita líquida nominal do Governo Central: R$ 234,9 bi em 2008 contra 234,5 bi em 2009. A propósito, parte desse resultado é o aumento dos repasses de dividendos feitos pelas estatais. As contas públicas estão se deteriorando porque os gastos estão crescendo. Além disso, todas as previsões de arrecadação foram feitas a partir de um crescimento inflado do PIB deste ano.
Ontem, Mantega afirmou novamente que a economia vai crescer 1%, enquanto o mercado estima retração de 0,34%, como mostrou o Boletim Focus.
Mesmo que a mudança de regime da Petrobras tenha sido legal, ela não é usual e é um sinal de que a empresa está procurando todos os meios possíveis para fazer caixa. Como o governo está conseguindo manter sua receita líquida exatamente extraindo mais das estatais, todo esse imbróglio é no mínimo bizarro.
A Receita está em crise, o caso da Petrobras continua suspenso no ar. As perguntas continuam aguardando respostas.
Nada disso se resolve com a saída da secretária.
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