sábado, 25 de outubro de 2025

O que a mídia pensa | Editoriais / Opiniões

Exceções destroem credibilidade do arcabouço fiscal

Por O Globo

Até o fim do mandato, governo terá gastado 1,3% do PIB fora das metas que ele mesmo estabeleceu

Repetindo um comportamento contumaz, o Senado aprovou mais uma despesa que ficará fora da meta fiscal. O projeto tramitou de forma célere, com apoio maciço de governistas e oposicionistas. Permite destinar até R$ 5 bilhões a investimentos estratégicos do Ministério da Defesa sem se preocupar com o impacto nas contas públicas. Com mais essa manobra, até o fim do mandato, o governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva terá superado R$ 150 bilhões em exceções às regras do arcabouço fiscal (elas já passam de R$ 140 bilhões). Não é montante desprezível. Corresponde a 1,3% do PIB, ou ao valor previsto este ano para o Bolsa Família.

Direitas e esquerdas, por Marco Aurélio Nogueira

O Estado de S. Paulo

A tensão entre esquerda e direita se acentuou, ao passo que o centro moderado se esvaziou. A política se tornou polarizada, sem mediações

Quando Norberto Bobbio publicou seu famoso opúsculo Direita e Esquerda, em 1994, corria solta a ideia de que a dicotomia esquerda x direita havia sido devorada pelas transformações do capitalismo e pelo avanço do neoliberalismo. Falava-se que direita e esquerda haviam perdido significado porque teriam os mesmos fins imediatos e poderiam enveredar pelo mesmo padrão de populismo.

Bobbio respondeu dizendo que não se pode negar validade àquilo que está colado no imaginário coletivo e na linguagem cotidiana. Esquerda e direita têm uma carga emotiva ineliminável e servem para organizar os conflitos políticos. Distinguem-se pelo modo como se relacionam com o igualitarismo (traço distintivo da esquerda), a democracia política e os direitos.

Um país que parece não querer existir, por Bolívar Lamounier

O Estado de S. Paulo

A questão que tão cedo não se calará é quem, afinal, manda neste país

Euclides da Cunha foi não apenas o grande ensaísta de Os Sertões; foi também um exímio analista político e um pensador que enxergava longe. É dele esta expressiva reflexão: “Somos um caso único de um país formado por uma teoria política. Estávamos destinados a formar uma raça histórica, através de um longo curso de existência política autônoma. Violada a ordem natural dos fatos, a nossa integridade étnica teria de constituir-se e manter-se garantida pela evolução social. Condenávamos à civilização. Ou progredir ou desaparecer”. Atualmente, só meia dúzia de obtusos ignoram que “nossa integridade étnica” está constituída. A maioria de nossa população é miscigenada. Nem pretos nem brancos. Pardos, na terminologia do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Cabe, no entanto, a dúvida: queremos mesmo formar uma “raça histórica”, ou seja, um país de verdade, uma civilização? Muitos fatos levam-nos a cogitar a hipótese contrária. Às vezes penso que não temos uma identidade nacional e não queremos ser um país com consistência própria. Que nosso desejo mais profundo seria afundar no mar.

No STF, o terceiro parlamento nu, por Carlos Andreazza

O Estado de S. Paulo

Luiz Fux estava isolado na Primeira Turma. Isolado politicamente. À margem do bloco local de poder. Falamos sobre isso com naturalidade, como se fosse normal o tribunal constitucional se comportar e organizar tal e qual um parlamento, com grupos políticos, partidos mesmo, donde agentes políticos, que se articulam taticamente para responder ou se antecipar aos movimentos de Legislativo e Executivo.

Ministro tributarista, que resolve o IOF de Haddad. Ministro tesoureiro, que gere o fluxo das emendas parlamentares. Juízes de Corte constitucional percebidos – não sem razão – como resolvedores dos problemas do governo de turno. E, se há os que resolvem, questão de mercado mesmo, logo haverá os que dificultam.

Câmara alivia Eduardo e Zambelli, deputados que não trabalham, por Alvaro Costa e Silva


Folha de S. Paulo

Hugo Motta permitiu que a Câmara se degradasse com motim e blindagem

Maior interesse dos deputados é defender casas de aposta e outros lobbies

Milagre. Hugo Motta priorizou um tema de consenso entre base e oposição e conseguiu aprovar um pacote de projetos que aumenta o combate ao crime, especialmente aquele conhecido como novo cangaço.

Os PCCs da vida, hoje sofisticadas empresas, aguardam a votação da PEC da Segurança, que inclui a Polícia Federal no enfrentamento aos bandidos infiltrados nas instituições, e da nova proposta antimáfia elaborada pelo governo, com penas mais pesadas.

Governo cobra coerência do Congresso para votar PL de corte de despesas, por Adriana Fernandes

Folha de S. Paulo

Haddad deveria aproveitar negociação para apresentar novas medidas de contenção

Chama a atenção a insistência do governo em tentar limitar, pela terceira vez, o uso de créditos tributários de PIS e Cofins

O ministro Fernando Haddad (Fazenda) cobra coerência do Congresso para votar logo ao menos um dos projetos de lei com medidas de redução nas despesas após a derrubada da MP de alta dos impostos.

As medidas de corte de gastos estavam misturadas com outras propostas de incremento da arrecadação e acabaram ficando para trás com a decisão dos deputados de enterrar a MP. Após a derrota, o governo decidiu dividir as medidas de compensação em dois projetos, reciclando algumas propostas para fechar o Orçamento no ano eleitoral de 2026.

Lula e a saudade de Bolsonaro, por Thaís Oyama

O Globo

PT terá mais dificuldade em operar sem o combustível emocional do bolsonarismo, mas, para suprir essa lacuna, há os ricos

Para surpresa de ninguém, Lula anunciou que será candidato a seu quarto mandato presidencial — fez isso a exatos 12 meses da eleição e num momento em que as pesquisas lhe são favoráveis. Segundo os últimos levantamentos, o petista não apenas continua liderando as intenções de voto em todos os cenários, no primeiro e no segundo turno, como ampliou sua vantagem em relação aos potenciais adversários. Conseguirá Lula manter a vantagem até outubro do ano que vem?

No estrito âmbito das pesquisas eleitorais, tem-se a favor dele que dá a largada, senão bem posicionado, ao menos na melhor colocação obtida neste ano, podendo ainda melhorar. Todos os presidentes brasileiros que tentaram a reeleição, incluindo o derrotado Jair Bolsonaro, aumentaram sua popularidade durante a campanha.

O time da impunidade, por Flávia Oliveira

O Globo

Foi obra de ninguém o incêndio provocado por um curto-circuito num aparelho de ar-condicionado instalado em contêineres improvisados como quartos

Três décadas e meia após a promulgação do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), nascer e crescer no Brasil — em particular no Rio de Janeiro — continua um risco. Brasileirinhas e brasileirinhos seguem mais expostos à fome, à pobreza e até aos efeitos das mudanças climáticas — frio e calor extremos estão associados a maior mortalidade infantil, como atesta estudo recém-divulgado pela Fiocruz. Vivem em perigo, especialmente se pretos, periféricos, de baixa renda. Mortos, escancaram a impunidade que é traço do país, como aconteceu no caso das dez vítimas do incêndio na concentração do Flamengo, um ninho tornado armadilha.

À espera do Bessias, por Eduardo Affonso

O Globo

O messianismo nos legou tipos como Jim Jones e Antônio Conselheiro. Aonde o ‘bessianismo’ nos levará, temos até 2055 para descobrir

Um messias é o salvador, o ungido, o enviado divino que trará a libertação para seu povo. O conceito existe, há séculos, entre judeus, cristãos, muçulmanos, budistas, zoroastristas, rastafáris, bem como em algumas seitas apocalípticas.

O bessias surgiu bem mais recentemente — para ser exato, pouco depois das 13h32 do dia 16 de março de 2016 — como o salvador de uma pessoa em particular. Seu advento se deu num telefonema da então presidenta Dilma Rousseff:

— Seguinte, eu tô mandando o Bessias junto com o papel pra gente ter ele, e só usa em caso de necessidade, que é o termo de posse, tá?

Pior, é difícil, por José Casado

Revista Veja

PL vai ficar na vitrine eleitoral de 2026 exposto como a central do golpe

O maior e mais rico partido político brasileiro, abrigo de Jair Bolsonaro com o seu grupo parlamentar radical, corre risco de atravessar a temporada eleitoral de 2026 no banco dos réus do Supremo Tribunal Federal.

Na semana passada, o STF emitiu ordem judicial para retomada das investigações sobre o que o Partido Liberal fez na eleição de 2022 para manter Bolsonaro no poder. Isso vai deixar o PL exposto na vitrine política do ano que vem.

O principal partido de oposição estará no alvo por ter sido usado como tapume numa arquitetura de golpe de Estado adornada com plano de triplo homicídio: dos adversários Lula e Geraldo Alckmin, que derrotaram Bolsonaro e, agora, são prováveis candidatos à reeleição; e do juiz Alexandre de Moraes, na época presidente do Tribunal Superior Eleitoral, hoje relator do processo no Supremo sobre a tentativa de golpe.

Inovação e desenvolvimento: o desafio brasileiro, por Marcus Pestana

Os economistas Joel Mokyr, Philippe Aghion e Peter Howitt foram laureados com o Prêmio Nobel de Economia de 2025. O foco de suas pesquisas é entender a relação entre o avanço tecnológico e o desenvolvimento das nações via crescimento sustentado.

Mokyr demonstrou como a Revolução Industrial quebrou a estagnação anterior a partir do momento em que o conhecimento científico impactou, de forma contínua e estreita, o desenvolvimento tecnológico, gerando novos produtos e arranjos produtivos. Aghion e Howitt partem do conceito da “destruição criativa”, lançado pelo genial economista austríaco Joseph Schumpeter, onde o processo de inovação frutifica em saltos de desenvolvimento, deslocando o horizonte tecnológico da produção, tornando obsoletas técnicas antigas, em contínua luta entre o velho e o novo. 

A guerra suja de Trump, por Sérgio C. Buarque

Revista Será?

Certo, não existe uma guerra limpa, todas são insensatas e mortais. Mas o que o presidente Donald Trump está fazendo no Caribe e no Pacífico, bombardeando barcos que circulam pelas águas próximas da Venezuela e da Colômbia e matando os seus tripulantes – criminosos ou não – é uma guerra muito suja. Na verdade, todo o seu curto governo tem sido uma grande sujeira, distribuindo intimidações, lançando chantagens e executando uma quantidade incontável de agressões e desrespeitos à maioria dos países, aliados ou adversários. Cada dia ele inventa e acrescenta um novo elemento de estresses nas relações internacionais, num movimento errático que cria instabilidade econômica e política. Sem falar nas decisões autocráticas que implementa internamente nos Estados Unidos.

Trump e a Operação Condor, por Luiz Gonzaga Belluzzo

CartaCapital

Estamos diante de um novo ataque “democrático” aos países da América Latina, tal como o perpetrado nos anos 70

Trump exercita, sem peio, o propósito de constranger (invadir?) a Venezuela de Nicolás Maduro e a Colômbia de Gustavo Petro. O pretexto arguido para a prática dessa fancaria é combater o tráfico de drogas. Barcos foram bombardeados, acusados de transportar drogas para os Estados Unidos. Nessa empreitada, pereceram muitos cidadãos dos países condenados pelos tribunais da “democracia” norte-americana.

Estamos diante de um novo ataque “democrático” aos países da América Latina, tal como o perpetrado pela Operação Condor em meados dos anos 70. Diga-se que o Brasil foi pioneiro, ao embarcar nas naves da repressão e da tortura em 1964, também sob o patrocínio da CIA, que, ainda nos anos 70, iria mobilizar militares chilenos, argentinos e uruguaios para promover aventuras golpistas.

Figurino completo, por Jamil Chade

CartaCapital

Aspirante a ditador, Trump também usa o esporte como arma de propaganda e mira a Copa do Mundo de Futebol em 2026

O desmonte da Justiça, os ataques aos direitos humanos e a censura fazem parte da cartilha de qualquer candidato a ditador. Há ainda outro elemento que jamais fica fora da caixa de ferramentas de um líder autoritário: a transformação do futebol (e outros esportes) em arma de propaganda.

É exatamente este o caminho que ­Donald Trump adotou com a instrumentalização da Copa do Mundo em 2026, em seu país. Submissa e tradicionalmente confortável sob governos autoritários, a Fifa não parece ver problema nisso. Seu dirigente máximo, Gianni Infantino, tornou-se uma das personalidades estrangeiras mais frequentes no Salão Oval.

Antes mesmo de o colégio eleitoral confirmar a vitória de Trump, em 2024, o cartola parabenizou o republicano pela eleição. Com isso, ganhou lugar de destaque na posse e, desde então, não poupa elogios ao projeto do líder autoritário dos EUA. Parte da estratégia de Infantino é o pragmatismo. Ele sabe que precisa manter boas relações com Trump para garantir o sucesso do torneio, o maior da história. Embora a Copa também envolva México e Canadá, 80% dos jogos ocorrerão em cidades norte-americanas.

Desacelerar para quê? Por Ricardo Summa e Rafael Ribeiro

CartaCapital

Frear a economia neste momento é, ao mesmo tempo, desnecessário e indesejável

O investimento em capacidade produtiva cresceu mais que o PIB em 2024, algo pouco destacado no debate

O Brasil cresceu 3,3% entre 2023 e 2024, mas entrou em ritmo mais lento no segundo trimestre de 2025, segundo o IBGE. Consumo das famílias, do governo e os investimentos esfriaram. Os dados do indicador de atividade mensal do Banco Central, o IBC–Br, apontam que tal desaceleração persiste no mês de julho, reforçando a percepção de que o fôlego inicial do ciclo de retomada perdeu intensidade. Para alguns, essa desaceleração seria condição necessária para controlar a inflação. Discordamos. Frear a economia neste momento é, ao mesmo tempo, desnecessário e indesejável.

Proselitismo eletrônico, por Pedro Serrano

CartaCapital

A pregação religiosa na televisão aberta ultrapassa os limites da fé e afronta o Estado de Direito

Mesmo com o inquestionável avanço da internet, podemos afirmar que a televisão aberta continua sendo um dos meios de informação e entretenimento mais democráticos e acessíveis à população brasileira. Democrático em essência, dado que as emissoras atuam mediante concessão de um serviço público. Não por acaso, precisam seguir regras e determinações condizentes com um Estado Democrático de Direito e de sua Constituição Federal, que o caracteriza como laico.

A prerrogativa da liberdade que define o regime de governo brasileiro se estende ao campo religioso. Dessa maneira, é contraditório que emissoras sigam operando mesmo depois de vender grande parte de seu tempo de programação para igrejas de uma mesma vertente de crença. Essa apropriação do conteúdo televisivo torna-se ainda mais problemática quando notadamente percebemos que aquilo que seria, a princípio, uma questão de fé, se transfigura em influência política.

Lembrar é resistir, por Mariana Serafini

CartaCapital

Sem memória, o horror pode repetir-se, alerta o juiz que condenou a União pela morte de Vladimir Herzog

Há 50 anos, o jornalista foi assassinado nas dependências do DOI–Codi de São Paulo

"A decisão de Moraes foi como um raio de verdade em meio à escuridão”, resume o filho Ivo Herzog

“Foi com ela que datilografei a sentença”, conta o juiz aposentado Márcio José de Moraes, ao mostrar sua inseparável máquina de escrever. Recém-formado em Direito pela USP, ele ganhou a Olivetti Lettera azul de presente da mãe, no início dos anos 1970. Naquele momento, não pensava em seguir a magistratura, tampouco imaginava que aquelas teclas registrariam um dos documentos jurídicos mais importantes da história do País. Levava uma vida agitada como advogado de bancos e, embora seu irmão mais novo, estudante de História, o alertasse sobre os horrores nas masmorras da ditadura, não dava muita atenção. “Parecia exagero que o Estado mantivesse opositores presos arbitrariamente”, recorda. “Foi ao ler nos jornais sobre a morte de Vladimir ­Herzog que meus olhos se abriram.”

Poesia | Menina e moça, de Machado de Assis

 

Música | Marisa Monte - Ainda Bem