terça-feira, 21 de outubro de 2025

O que a mídia pensa | Editoriais / Opiniões

Trabalho por aplicativo não cabe na CLT

Por O Globo

Atividades da economia moderna exigem flexibilidade e não devem configurar vínculo empregatício

O IBGE traduziu em números uma realidade que os brasileiros constatam nas ruas, especialmente nos grandes centros urbanos: 1,7 milhão de brasileiros trabalhavam por meio de plataformas digitais em 2024, segundo a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua. O número representa aumento de 25,4% em relação a 2022, quando somavam 1,3 milhão. No ano passado, esses trabalhadores correspondiam a 1,9% da população ocupada no setor privado (ante 1,5% em 2022).

Embora os entregadores ziguezagueando no trânsito das cidades com suas motos e os motoristas de aplicativos sejam a parte mais visível, o contingente vai bem além disso. A pesquisa do IBGE abrange diferentes categorias que se conectam aos clientes por meio de plataformas digitais, como diaristas, eletricistas ou médicos. Avanços tecnológicos e mudanças de comportamento da população tendem a ampliar o leque de atividades nesse setor que os americanos apelidaram gig economy. (algo como “economia sob demanda”).

O crescimento pode ser explicado por outra constatação da pesquisa: o rendimento médio mensal dos que trabalham por meio de plataformas digitais (R$ 2.996) supera o de quem não trabalha com aplicativos (R$ 2.875), embora a diferença tenha caído em relação a 2022. Os trabalhadores de aplicativos também dizem trabalhar mais (44,8 horas ante 39,3) por semana.

Tem ficado evidente a dificuldade do governo para lidar com a gig economy. Na campanha de 2022, o então candidato Luiz Inácio Lula da Silva prometeu regulamentar o trabalho de motoristas e entregadores por aplicativo. Depois de quase três anos de mandato, as tentativas não avançam, pela visão atrasada do governo e pela falta de conexão com a realidade desse tipo de trabalho.

À Justiça, em especial à primeira instância, também tem faltado compreensão sobre o novo mercado. Não são raras as ações que tentam cobrar das plataformas reconhecimento de um vínculo empregatício que não existe, nem deveria existir. Tenta-se equivocadamente enquadrar nas velhas regras da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) ocupações que se caracterizam pela flexibilidade. É legítimo debater como incluir tais trabalhadores em sistemas previdenciários e como mitigar os riscos de jornadas exaustivas. Mas sempre respeitando a essência da atividade, que não se presta a amarras.

O Supremo Tribunal Federal (STF) está para julgar duas ações que tratam das relações entre trabalhadores e aplicativos. Nos dois casos, a Justiça do Trabalho reconheceu vínculo empregatício. Decisões anteriores do STF no âmbito individu al ou das turmas vão, corretamente, em sentido contrário. É fundamental que os ministros fixem uma tese que reduza a insegurança jurídica, mas preservando a flexibilidade desejada pelos próprios trabalhadores. Pesquisa Datafolha de 2023 mostrou que 75% dos trabalhadores a preferem à rigidez da CLT.

Cabe ao Congresso elaborar uma regulamentação equilibrada, de modo a garantir direitos básicos. Deve-se partir do entendimento de que não há vínculo empregatício nas atividades da gig economy. Com boa regulamentação, a tendência é ela se expandir para além do nicho de motoristas e entregadores, gerando inúmeras oportunidades de trabalho. Uma regulamentação malfeita, em contraste, só incentivará a informalidade.

Agravamento da seca em São Paulo serve de alerta para todo o país

Por O Globo

Para evitar falta de água, são essenciais medidas preventivas, como reflorestar nascentes e combater vazamentos

Um em cada oito municípios brasileiros já enfrenta situação de emergência devido à falta de chuvas, revelou reportagem do GLOBO. Oito dos nove estados do Nordeste são afetados pela estiagem. No Sudeste, São Paulo, a maior cidade do país, atravessa uma seca que pode superar a de 2015, quando viveu a maior crise de abastecimento de água da história recente. A situação é preocupante. O Sistema Cantareira, maior conjunto de represas que abastece a metrópole, estava há poucos dias com volume útil de apenas 25,2% da capacidade, perto da marca crítica de 24,2%, atingida na crise de 2015. O Alto Tietê, que também abastece a capital, já está abaixo dos 23%. A interligação de bacias hidrográficas feita depois da seca de 2015 permite que o Cantareira receba suprimento do reservatório Jaguari, localizado no Vale do Paraíba. Mas isso apenas atenuará a crise.

A SP Águas, companhia estadual vinculada à Secretaria de Meio Ambiente, restringiu as permissões de novas ligações de água. Ainda assim, o nível do Cantareira tem caído em outubro de 0,2 a 0,3 ponto percentual por dia. “O fato de a gente precisar usar esses recursos já é um alerta muito grande”, diz Eduardo Caetano, coordenador de conhecimento e difusão do Instituto Água e Saneamento (IAS). Apesar de ele considerar um alívio a interligação de represas, diz que evoluiu-se pouco, desde 2015, nas medidas mais críticas para garantir o abastecimento de água: reflorestamento de áreas de mananciais para preservar nascentes e redução de vazamentos na rede de distribuição.

“Um grande vilão são nossas taxas de vazamento. Enquanto muitos países conseguem taxa em torno de 10% a 15%, no Brasil superamos 40% de perdas”, afirma o hidrólogo Antonio Carlos Zuffo, da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp). O problema vem sendo tratado com paliativos. Desde julho, a Sabesp opera durante a noite à baixa pressão para reduzir os vazamentos. Esse racionamento disfarçado, permitido pela Agência Reguladora de Serviços Públicos do Estado de São Paulo (Arsesp), economizou, entre os dias 8 e 14 deste mês, 4,9 bilhões de litros de água, o equivalente ao consumo de Santos durante dois meses. O êxito da medida — que prejudica bairros afastados e regiões elevadas — na verdade denuncia o estado precário das redes.

Outra ação fundamental é o reflorestamento para conservar nascentes. É preciso reconhecer que, desde 2015, houve diversas iniciativas para recuperar a vegetação em áreas de mananciais. O governo estima em 26 mil hectares a área verde total recuperada às margens de cursos d’água, ante a meta de 20 mil hectares (cumprida em 2020). Entre 2015 e 2023, foram investidos mais de R$ 15 milhões para plantar mais de 500 mil árvores até este ano. Mesmo assim, as iniciativas têm se mostrado insuficientes. A seca que pode levar São Paulo a entrar novamente em estado de emergência é um alerta para todo o país: é preciso adotar medidas de longo prazo para garantir o abastecimento de água, e não agir apenas quando a crise já começou.

Eficácia de ação social depende de boa gestão econômica

Por Folha de S. Paulo

Recessão de 2015-16 afetou o avanço da renda da metade mais pobre do país, apesar de maior escolaridade

Segundo pesquisa que acompanhou 15,5 milhões de jovens dependentes do Bolsa Família de 2012 a 2024, 33,5% deles permaneceram no programa

A trajetória de milhões de famílias brasileiras nas últimas décadas, sobretudo as vinculadas a programas sociais como o Bolsa Família, oferece a lição macroeconômica de que o esforço individual pela educação é insuficiente para garantir a ascensão social se o país flerta com o descontrole fiscal.

Nos últimos dez anos, a escolaridade da metade mais pobre do Brasil aumentou 22,5%, mas a renda dessa mesma parcela progrediu meros 4%, de acordo com dados da FGV Social.

O período foi marcado pela profunda recessão de 2015-16, quando o Produto Interno Bruto (PIB) brasileiro encolheu cerca de 7% como resultado da política econômica de gastos irresponsáveis do governo Dilma Rousseff (PT), que sucedeu anos de bom crescimento e ajuste orçamentário.

Durante 20 anos, a Folha acompanhou a trajetória de duas famílias dependentes do Bolsa Família em Jaboatão dos Guararapes, no estado de Pernambuco. Enquanto o país mantinha as contas públicas em razoável ordem, até meados dos anos 2010, elas progrediram. As crianças estudavam e tinham sonhos de entrar na universidade.

Quando veio a crise em 2016, foram obrigadas a se submeter a empregos informais, dos quais dependem até hoje.

Segundo pesquisa do Instituto Mobilidade e Desenvolvimento Social que acompanhou 15,5 milhões de jovens dependentes do Bolsa Família de 2012 até 2024, 33,5% deles permaneceram no programa —antes, como dependentes dos pais; agora, como beneficiários principais. Outros 17,6% continuam no CadÚnico, que registra os mais vulneráveis, mas sem receber o benefício.

Criado em 2003, o Bolsa Família saltou de 3,6 milhões de beneficiários à época para 19 milhões hoje, consumindo R$ 13 bilhões mensais; 47% no Nordeste. O programa é reconhecido internacionalmente e tem efeito multiplicador poderoso, o que leva o entorno das regiões com mais penetração a ganhar dinamismo.

Entretanto a principal porta de saída para os beneficiários tem sido o mercado de trabalho, que depende não de gastos do governo, mas de um ambiente de negócios estável e previsível.

Ao mesmo tempo em que a atual gestão do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) comemora dados positivos no mercado de trabalho, ela mina, por outro lado, o terreno para a manutenção de um crescimento duradouro.

O Brasil deve encerrar 2025 com os maiores déficits orçamentário e nas relações com o resto do mundo na comparação com as principais economias —indicativos de graves desequilíbrios, de resto explicitados em uma taxa básica de juros de 15% ao ano.

Cumpre recordar que, em 2014, na véspera da grave crise engendrada pelos gastos de outra gestão petista, o Brasil apresentava taxa de desemprego de apenas 4,8%, ainda menor do que a atual.
Se a história recente tem algo a ensinar nessa seara, é que o cenário pode mudar rapidamente.

Buscar apoios para legalizar o aborto

Por Folha de S. Paulo

Voto de Barroso é sensato, mas ações do STF podem ser questionadas e incitar rusga com Congresso

Ministro não pautou o tema polêmico quando foi presidente da Corte; é preciso entendimento social e político para garantir o direito

Por meio de sessão virtual, o ministro do Supremo Tribunal Federal Luís Roberto Barroso votou pela descriminalização do aborto até a 12ª semana de gestação na sexta-feira (17), um dia antes de deixar o cargo por pedido de aposentadoria.

Trata-se do julgamento da Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) 442, impetrada pelo PSOL em 2017, que quer o fim da punição da interrupção da gravidez.

Em 2023, a então presidente do STFRosa Weber, acatou a demanda, pouco antes de se aposentar compulsoriamente. Até sexta, apenas Weber havia votado.

A sessão virtual foi solicitada ao presidente da Corte, Edson Fachin, pelo próprio magistrado, cujo histórico é marcado pela defesa desse direito das mulheres. Mesmo assim, Barroso sabe que o tema é polêmico, tanto que não o pautou durante os dois anos em que foi presidente do tribunal, até setembro deste 2025.

Tal cuidado pragmático se dá num contexto de rusgas com o Congresso Nacional. Se algumas ações do STF foram necessárias recentemente, como ao disciplinar as emendas parlamentares, outras foram marcadas por ativismo e invadiram a seara do Legislativo.

Em reação, deputados e senadores criaram projetos para limitar decisões da mais alta corte do país ou endurecer leis cuja constitucionalidade é julgada por ela.

Após a descriminalização do porte de quantidades específicas de maconha pelo Supremo, propôs-se incluir na Constituição o veto ao porte de qualquer quantidade de qualquer droga.

Em relação ao aborto, deu-se o mesmo movimento punitivista tresloucado, com projetos para proibir o procedimento até mesmo nos casos hoje permitidos por lei (estupro, risco à vida da mulher e anencefalia fetal) ou equiparar a pena para aborto após a 22ª semana com a de homicídio.

Esta Folha defende que o tema deve ser tratado pelo poder público no âmbito da saúde pública, não do crime, e com respeito à liberdade individual da mulher.

No entanto, como a Constituição não aborda a questão, qualquer decisão do STF será baseada em interpretações de direitos fundamentais que podem não só ser questionadas como incitar críticas a uma postura ativista do Tribunal, acirrando o embate com o Legislativo.

A descriminalização do aborto deve ocorrer preferencialmente no Congresso e, para isso, é preciso coragem e persistência para promover o convencimento da sociedade por meio do debate público e angariar apoio político. O caminho legislativo é mais seguro e duradouro do que o judicial.

Brasil corre para ter mercado de carbono antes da COP30

Por Valor Econômico

Só na semana passada foi editado o decreto que criou a Secretaria Extraordinária do Mercado de Carbono

Às vésperas da abertura da COP30, em Belém, apresentada como um dos marcos do terceiro mandato do presidente Lula, o governo corre contra o tempo para pôr de pé o mercado regulado de carbono, iniciativa imprescindível para o Brasil consolidar sua posição na pauta ambiental.

Só na semana passada foi editado o decreto que criou a Secretaria Extraordinária do Mercado de Carbono, dentro do Ministério da Fazenda, cuja missão é abrir caminho para o funcionamento do Sistema Brasileiro de Comércio de Emissões de Gases de Efeito Estufa (SBCE), o mercado oficial de carbono brasileiro, criado pela Lei 15.042, editada em dezembro passado.

As atribuições da secretaria serão amplas. Além da elaboração de estudos, projeções e cenários, terá que coordenar as atividades do governo na área, articulando a atuação de entidades e organismos nacionais, internacionais e estrangeiros e outros órgãos da administração federal para o SBCE; regulamentar os processos de avaliação de conformidade e de credenciamento de organismos de inspeção; e divulgar informações.

A secretaria terá que definir metodologias para a contabilidade das emissões, quais gases de efeito estufa serão levados em conta, além do dióxido de carbono, e garantir a inexistência da dupla contagem. Já a certificação, também importante para a credibilidade dos créditos, será independente.

A Secretaria Extraordinária do Mercado de Carbono será comandada pela economista Cristina Reis, até então subsecretária de Desenvolvimento Econômico Sustentável da Secretaria de Política Econômica. Logo após sua confirmação, Reis defendeu uma bolsa de valores forte para sediar os negócios do mercado de carbono brasileiro, que segue as regras do “cap and trade” em que as organizações têm como limite emitir 25 mil toneladas de CO2 por ano. Quem superar o teto poderá compensar comprando créditos de carbono, cada um equivalente a 1 tonelada de CO2 emitida; e quem ficar abaixo poderá vender seu excedente no mercado.

O setor agropecuário, responsável por 74% das emissões de gases de efeito estufa no Brasil, pressionou e ficou fora das limitações da legislação. Mas poderá vender créditos, assim como outros setores não incluídos, como o de resíduos e o de atividades relacionadas a florestas.

Em artigo no Valor (13/10) o advogado João Pedro Tavares, do escritório Daudt, Castro e Gallotti, indica mais um ponto importante ainda não resolvido para o mercado de carbono deslanchar: o tratamento tributário. A Lei 15.042 equiparou os créditos de carbono a valores mobiliários. Mas não se sabe como sua emissão, sua compra e sua negociação devem ser tributadas. Cada empresa está adotando provisoriamente uma alternativa, e muitas aguardam a definição oficial, o que gera insegurança.

A ambição do Brasil é usar seu potencial ambiental para liderar o mercado global de carbono, mas está chegando tarde. Segundo o próprio governo, cerca de 80 países ou jurisdições já possuem o sistema de precificação direta do carbono, sendo que um pouco menos de 40 tem um mercado regulado.

Em evento da Pré-COP, realizado recentemente em Brasília, a ministra do Meio Ambiente, Marina Silva, estimou quanto o mercado de carbono pode contribuir para o financiamento climático. Marina disse que o mecanismo de Redução de Emissões por Desmatamento e Degradação Florestal (REDD+), que gera créditos de CO2 por meio de projetos que evitam o desmatamento em áreas ameaçadas por grileiros, madeireiros, produtores rurais e criadores de gado, juntamente com o Fundo Florestas Tropicais para Sempre (TFFF), pode reunir US$ 9 bilhões anuais aproximadamente, o equivalente a 60% do montante estimado necessário para zerar o desmatamento até 2030.

Recentemente vem ganhando espaço outro mecanismo que pode potencialmente gerar créditos de carbono, o chamado ARR — Afforestation, Reforestation and Revegetation (Florestamento, Reflorestamento e Revegetação), que visa a remover o CO2 da atmosfera por meio do plantio em áreas que tiveram as árvores retiradas ou da recuperação de florestas degradadas.

Grandes compradores de créditos de carbono, como as big techs, vêm preferindo essa alternativa ao REDD+ depois de denúncias de cálculos supervalorizados e abusos de comunidades locais. Conselheiro econômico da presidência da COP30, o economista brasileiro e professor das universidades Columbia e Princeton José Alexandre Scheinkman afirmou em entrevista ao canal Ecoa que a única tecnologia hoje no mundo que permite capturar CO2 em escala é a restauração das florestas tropicais.

Uma das propostas do governo brasileiro para a COP30 é o lançamento da Coalizão Aberta para Integração dos Mercados de Carbono para conectar diferentes sistemas de comércio de créditos, promovendo liquidez, previsibilidade e transparência para o setor, além de abrir espaço para troca de tecnologias e inovações na descarbonização.

Há muitas providências a serem ainda tomadas para se construir o mercado brasileiro de carbono, e dificilmente tudo estará finalizado até a COP30. As dificuldades fiscais do país acabam atrasando o debate porque concentram a atenção do governo e impedem uma ação mais proativa. Outra iniciativa que ficou para trás por dificuldades orçamentárias é a criação de uma agência reguladora para o mercado de carbono. Mas regular todo esse mercado é urgente.

O STF não é bedel das redes sociais

Por O Estado de S. Paulo

Como se não tivesse nada mais importante a fazer, Moraes manda investigar autores de ‘ameaças’ a Dino nas redes, aproximando perigosamente o STF do papel de fiscal do pensamento

O Supremo Tribunal Federal (STF) está cada vez mais à vontade no papel de zelador absoluto da democracia brasileira, ainda que isso implique sacrificar garantias constitucionais elementares, como a liberdade de expressão. Encarnando uma espécie de farisaísmo da era digital, o STF arvorou-se em bedel do debate público, controlando o que os cidadãos podem ou não publicar nas redes sociais.

No início deste mês, como mostrou o Estadão, o ministro Alexandre de Moraes ordenou que as plataformas X, YouTube, Instagram e TikTok fornecessem os dados de 69 usuários que teriam feito “ameaças” ao ministro Flávio Dino. O pedido, via Polícia Federal (PF), partiu do próprio Dino, que se zangou com mensagens hostis a ele depois de seu voto na Ação Penal (AP) 2.668, que julgou o Núcleo 1 da tentativa de golpe. A decisão de Moraes foi proferida no inquérito das “milícias digitais”, uma investigação aberta em julho de 2021 e que, passados mais de quatro anos, segue inconclusa.

Ao autorizar a devassa naquelas dezenas de perfis, Moraes arrisca consolidar na opinião pública a imagem do STF como um fiscal do pensamento, o panóptico digital incumbido de patrulhar a opinião alheia. Nada poderia ser mais perigoso para a mesma democracia que a Corte se mostra empenhada em defender.

A nova ordem de Moraes, como tantas outras que se multiplicam nos inquéritos sem fim sob sua relatoria, agrava um problema que se tornou estrutural. O Supremo, que deveria ser o garantidor maior das liberdades individuais asseguradas pela Constituição, converteu-se, às raias da paranoia, em instância inquisidora de qualquer cidadão que publique conteúdo considerado ofensivo à Corte ou a seus ministros. Esta mixórdia entre crítica e ataque, entre opinião e crime, é terreno fértil para o arbítrio. Afinal, como distinguir uma crítica, ainda que ácida, de um ilícito penal? Quando o cidadão passa a ter medo de expressar uma crítica ao Judiciário por receio de ver mobilizado contra si o aparato persecutório do Estado, não se está mais diante de um perigo – a democracia já se degradou.

Este jornal, é óbvio, não defende a impunidade de quem faz ameaças reais a autoridades ou incita a violência contra as instituições do País. Quando há risco concreto à integridade física de um ministro do STF, a apuração há de ser rigorosa. Mas uma coisa é enfrentar crimes reais; outra, bem distinta, é criminalizar bravatas de redes sociais. Ao reagir a cada comentário de que não gosta como se fosse uma afronta à ordem democrática, o STF sinaliza não ter coisa mais importante para fazer e, ademais, abastarda o zelo pela estabilidade institucional ao exercer um poder desmedido sobre a liberdade de expressão.

Os intermináveis inquéritos das “milícias digitais” e das “fake news” tornaram-se instrumentos permanentes de vigilância e controle à mão do sr. Moraes. Com base neles, o ministro ampliou desmedidamente seu escopo de atuação, assumindo competências que, não raro, deveriam caber à PF e ao Ministério Público. Esses inquéritos, além de concentrarem poder nas mãos de um só ministro do STF, criaram uma zona cinzenta na qual garantias constitucionais elementares foram relativizadas supostamente em nome de um bem maior: a “defesa da democracia”.

O Brasil sob Jair Bolsonaro, de fato, sofreu o mais desabrido ataque à ordem constitucional vigente desde 1988. Mas isso é passado, como atesta o próprio julgamento da AP 2.668 e das outras ações penais ora em curso na Corte contra diferentes núcleos de réus envolvidos na trama golpista. O STF tem, sim, o dever de resguardar a Constituição e a integridade física e moral de seus membros, mas não pode fazê-lo à custa das liberdades cívicas.

O risco de o Supremo se consolidar como censor permanente das redes sociais é real. A cada nova decisão que tolhe a liberdade de expressão, Moraes, sob o beneplácito de seus pares, reforça a percepção de que há autoridades que não podem ser criticadas – e isso não se coaduna com uma esfera pública livre e plural. De uma vez por todas: a democracia brasileira não precisa de tutores, precisa de instituições que respeitem os cidadãos, inclusive os desagradáveis, e que se pautem pela legalidade e pela temperança.

O desânimo do professor brasileiro

Por O Estado de S. Paulo

Pesquisa da OCDE mostrou que o docente brasileiro se sente desvalorizado, desprestigiado e desrespeitado, o que deixa o Brasil cada vez mais distante dos patamares mínimos de qualidade

Os professores brasileiros se sentem desvalorizados. E esse é um sentimento generalizado. Mas não só isso: esses profissionais, além de desvalorizados, sentem-se desrespeitados e desestimulados. Essa é a síntese da percepção dos docentes da educação básica sobre a sua própria realidade apresentada na mais recente Pesquisa Internacional sobre Ensino e Aprendizagem (Talis, na sigla em inglês), divulgada pela Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE).

A entidade, que reúne países desenvolvidos ou em desenvolvimento, e da qual o Brasil não faz parte, mas é parceiro, ouviu 280 mil professores e diretores de 17 mil escolas em 55 sistemas de ensino do mundo para capturar as impressões desses profissionais sobre o seu dia a dia na educação básica. O levantamento atual da Talis, de 2024, trouxe respostas nada animadoras dos educadores brasileiros, sobretudo quando comparadas às médias dos países-membros da OCDE.

Segundo a Talis, apenas 14% dos professores brasileiros disseram se sentir valorizados pela sociedade, enquanto a média na OCDE é de 22%. Além disso, somente 53,5% dos docentes afirmaram que se sentem valorizados pelos pais e pelas famílias dos estudantes, índice bem abaixo da média da organização, de 65,4%.

E esses professores disseram, ainda, que gastam nada menos do que 21% do seu tempo em sala de aula para manter a disciplina, diante de uma média de 15% na OCDE. Isso significa muito menos tempo para avançar em conteúdos programáticos fundamentais para a formação e a aprendizagem.

Em poucas palavras, o que os professores brasileiros estão dizendo é que não se sentem valorizados, prestigiados nem respeitados por ninguém.

Isso se reflete nas relações trabalhistas. De acordo com a pesquisa da OCDE, apenas 64% desses profissionais têm contratos permanentes nas escolas – bem abaixo da média da organização, de 81% –, enquanto 36% dos professores estão em cargos temporários ou substitutos. É, obviamente, impossível pensar num projeto de educação vigoroso sem um processo de longo prazo. Conforme destacou o relatório da Talis, como qualquer trabalhador, “a maioria dos professores quer segurança no emprego”, mas os cargos temporários, tão comuns no Brasil, implicam “insegurança e imprevisibilidade, o que pode gerar tensão”, prejudicando o desempenho ideal dos profissionais.

Tudo isso, por óbvio, afeta a qualidade da educação, haja vista que, segundo esse mesmo relatório, sistemas educacionais de alto desempenho contam com professores que se sentem valorizados, o que definitivamente não é o caso dos docentes do Brasil. Não à toa, Cingapura, onde 71% dos professores se sentem valorizados pela sociedade, lidera o ranking do Programa Internacional de Avaliação de Alunos (Pisa), também realizado pela OCDE, enquanto o Brasil ocupa as últimas colocações no programa, com desempenho cronicamente pífio em leitura, Matemática e Ciências.

Mas, além de ter impacto sobre os indicadores de avaliação de qualidade, o sentimento de valorização dos professores pode também ter um efeito positivo sobre a atratividade da profissão e o seu futuro. De acordo com o relatório da OCDE, um maior prestígio social da docência, decerto, atrai mais candidatos qualificados e talentosos, além de ajudar a reter os professores mais experientes. O desprestígio dos professores no Brasil ajuda a entender o baixo interesse pela carreira docente por aqui.

Desvalorizados pelo Estado e muitas vezes também pelas famílias dos estudantes, desrespeitados nas salas de aula e sob contratos de trabalho precários, os professores brasileiros expuseram na pesquisa da OCDE as frustrações que enfrentam no dia a dia da profissão. Trata-se de um diagnóstico desolador, que só evidencia o quão distante o Brasil está dos patamares da educação básica dos países desenvolvidos – que, um dia, o País sonha ser.

O show de Janja tem de acabar

Por O Estado de S. Paulo

Lula converte sua mulher em ministra extraordinária do governo, desatino que precisa ser contido

O que fazia a primeira-dama Rosângela Lula da Silva, a Janja, sentada ao lado do marido, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva, numa reunião de autoridades no âmbito da Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura (FAO), em Roma? O que fazia a senhora Lula da Silva sentada junto com os diplomatas e ministros brasileiros no plenário da ONU durante a recente Assembleia-Geral, em que seu marido discursou?

Considerando que a sra. Janja não exerce nenhum cargo público, são perguntas pertinentes, para as quais não se sabe a resposta. Qualquer que seja a justificativa que o presidente Lula crie para dar à sua mulher tratamento de ministra de Estado e de diplomata, sendo que ela não é nem isso nem aquilo, está clara a confusão entre as esferas pública e privada do presidente. E isso não é permitido num regime republicano.

E já que não há insulto ao qual não se possa adicionar a injúria, o governo tentou, em agosto, dar contornos jurídicos a essa ilegitimidade. No artigo 8.º do decreto presidencial 12.604/2025, o marido de Janja, o ministro-chefe da Casa Civil, Rui Costa, e a ministra da Gestão e da Inovação, Esther Dweck, ampliaram o acesso de Janja aos serviços do Gabinete Pessoal da Presidência da República, completando um ciclo de defesa dos, vamos chamar assim, serviços da primeira-dama – um ciclo iniciado pela orientação normativa da Advocacia-Geral da União (AGU) sobre a atuação da cônjuge do presidente.

Na semana passada, com razão, a oposição apresentou projetos de decretos legislativos – que precisam de maioria simples na Câmara e no Senado para serem aprovados – com o objetivo de desfazer a iniciativa do Palácio do Planalto.

Com ou sem decreto, é tão eloquente quanto constrangedor o esforço desmedido da primeira-dama para exercer influência política e desempenhar papel prático no governo, tarefa para a qual não tem mandato concedido nem pelos eleitores nem pela legislação. Trata-se, em suma, de um poder lastreado exclusivamente por sua condição de cônjuge de Lula. Embora o decreto presidencial tente mostrar algo diferente, o fato incontornável é a incompatibilidade congênita: como Janja é indemissível, porque primeira-dama não é cargo, seu status impreciso suscita sérias dúvidas sobre o papel e a publicidade de seus atos.

Foi assim, por exemplo, que Janja quase causou um incidente diplomático com a China, ao quebrar o protocolo num encontro com o presidente Xi Jinping e falar a respeito dos efeitos da rede social chinesa TikTok sobre as mulheres e as crianças brasileiras. Questionada, a primeira-dama demonstrou absoluta indiferença aos limites legais e rituais de sua atuação: “Não há protocolo que me faça calar”.

Além disso, Janja se imiscui em temas afeitos à equipe econômica, teve participação destacada nos eventos ligados à cúpula do G-20 no Rio e frequentemente compete com ministros formalmente nomeados e remunerados para auxiliar o presidente. Nada disso, obviamente, encontra respaldo na legislação, e é por essa razão que, na falta de bom senso da primeira-dama e de seu marido, deve o Congresso pôr um freio nisso.

COP30 não pode ignorar a importância do Cerrado

Por Correio Braziliense

Preservar o Cerrado e todas as suas virtudes para o equilíbrio climático não é só uma contribuição robusta para mitigar o aquecimento global, mas política indispensável para a qualidade de vida e para o crescimento dos bons negócios

A 20 dias da abertura da Conferência das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas (COP30), em Belém, capital do Pará, o Brasil convive com vários dilemas. No momento em que a maioria dos ambientalistas nacionais e estrangeiros se opõem aos combustíveis fósseis, o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais (Ibama) concedeu à Petrobras o licenciamento para prospecção de petróleo na Foz do Amazonas. Um tema polêmico em relação a emissão de gases de efeito estufa.

Mas essa não é a única divergência brasileira que deverá aquecer os debates da COP30. A preservação dos ecossistemas inspira discussões acaloradas entre os que defendem o patrimônio natural e aqueles que defendem a expansão do agronegócio e de indústrias, o que resulta em redução agressiva da cobertura vegetal e impacta as fontes hídricas.

O Cerrado, depois da Floresta Amazônica, está entre os biomas mais afetados pelo desmatamento e incêndios para limpeza de áreas. Em entrevista ao Correio Braziliense, a bióloga e professora da Universidade de Brasília (UnB) Mercedes Bustamante afirma que "a proteção do Cerrado ainda é um desafio urgente".

"A savana tropical é a mais biodiversa e berç de oito das 12 regiões hidrográficas brasileiras", destaca a cientista integrante da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC). Ela ressalta que o Cerrado é fundamental para a estabilidade ambiental do Brasil e da América do Sul.

Uma das coleções do MapBiomas revela que, entre 1985 e 2024, o Cerrado perdeu 40,5 milhões de hectares de vegetação nativa (28%), devido aos avanços da agropecuária e de outras ocupações. A região de Matopiba — Maranhão, Tocantins, Piauí e Bahia — é considerada o epicentro da mudança, devido ao avanço do agronegócio. Neste ano, a região teve um investimento de R$ 400 milhões em uma fábrica de fertilizantes.

Mas não basta investir na expansão dos negócios e ignorar a importância da preservação ambiental. A cientista Mercedes Bustamante adverte que a agricultura é a atividade econômica que "mais depende dos recursos naturais", entre eles polinizadores, controle de pragas, solos saudáveis e biodiversos, e estabilidade climática. Ou seja, temperatura adequada e chuva na hora e na quantidade certa.

No entendimento da bióloga, a proteção devida ao Cerrado é um desafio. Vencer esse obstáculo passa por ações voltadas ao engajamento social em defesa do bioma e por ações de fortalecimento da governança territorial e financiamento de políticas públicas.

Preservar o Cerrado e todas as suas virtudes para o equilíbrio climático não é só uma contribuição robusta para mitigar o aquecimento global, mas política indispensável para a qualidade de vida e para o crescimento dos bons negócios. Essa colaboração passa pelos meios de comunicação, de modo a sensibilizar os brasileiros, assim como ocorreu com a Amazônia, hoje defendida por expressiva parcela da sociedade brasileira. 

O novo mercado e os velhos problemas

Por O Povo (CE)

Nos últimos dois anos, constatou-se aumento de 25,4% no número de trabalhadores que têm como principal fonte de trabalho a atividade com os aplicativos. Ou seja, o contingente saiu de 1,3 milhão de pessoas em 2022 para 1,7 milhão em 2024

É notório que a economia, brasileira e global, se move por dinâmicas novas. Uma das mais evidentes está relacionada à utilização de aplicativos para as mais diversas necessidades, atividade que já responde, hoje, por uma boa quantidade de empregos, realidade medida (e confirmada) em números de pesquisa inédita que acaba de ter seus resultados anunciados. Trata-se de uma parceria entre Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), Ministério Público do Trabalho e Universidade Estadual de Campinas (Unicamp).

Nos últimos dois anos, constatou-se aumento de 25,4% no número de trabalhadores que têm como principal fonte de trabalho a atividade com os aplicativos. Ou seja, o contingente saiu de 1,3 milhão de pessoas em 2022 para 1,7 milhão em 2024, quando o levantamento foi atualizado pelo importante trabalho conjunto de IBGE, MPT e Unicamp. Os governos e os políticos, agora, precisam se debruçar sobre o retrato colhido para entenderem a necessidade de haver no país uma política mais séria de proteção a esses trabalhadores.

Os chamados trabalhadores plataformizados, que são os motoristas, entregadores e prestadores de serviços por aplicativos, passaram a representar 1,9% de toda a população ocupada do setor privado. Para se ter uma ideia melhor do fenômeno, no Sudeste a proporção é de 2,2%, indicando um avanço maior do que nas demais regiões do País, já que é 1,7% no Nordeste, 12,1% no Sul, 9% no Centro-Oeste e 7,5% no Norte.

É um quadro inevitável, mas que exige da parte dos governos e dos parlamentos, em especial do Congresso Nacional, ações e medidas em favor dos trabalhadores. O simples fato, que a pesquisa também constata e comprova, de haver um ganho acima da média que o mercado paga, no âmbito da formalidade, não se basta como indicador de que as coisas estão nos eixos.

Pelo contrário, verificaram-se jornadas de trabalho exaustivas e fora de um controle legal, rendimento menor quando a medida se dá por hora trabalhada e um controle da força de trabalho acima do tolerável pelas empresas de aplicativos. É urgente que tudo isso seja regularizado porque o rendimento satisfatório, em meio a um ambiente de exploração, termina por ser mascarado.

É um cenário ao qual precisamos nos adequar, não há outra alternativa, na perspectiva de se estabelecer regras legais que compatibilizem a necessidade de emprego da população ativa com a busca justa de lucro nos negócios. A precarização é um problema para quem trabalha nas plataformas e a questão precisa ser atacada com a urgência que apresenta.

Talvez o aspecto mais evidente de que há distorções a serem corrigidas esteja relacionado ao baixo número de profissionais ligados a essas plataformas que contribuem para a Previdência Social, apenas 60% deles de acordo com pesquisa. Comecemos por aqui a correção de um quadro ainda marcado por muitos problemas e equívocos, para além do que mostra a parte positiva dos números colhidos.

 



 

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