Trabalho por aplicativo não cabe na CLT
Por O Globo
Atividades da economia moderna exigem
flexibilidade e não devem configurar vínculo empregatício
O IBGE traduziu em números uma realidade que
os brasileiros constatam nas ruas, especialmente nos grandes centros urbanos:
1,7 milhão de brasileiros trabalhavam por meio de plataformas digitais em 2024,
segundo a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua. O número
representa aumento de 25,4% em relação a 2022, quando somavam 1,3 milhão. No
ano passado, esses trabalhadores correspondiam a 1,9% da população ocupada no
setor privado (ante 1,5% em 2022).
Embora os entregadores ziguezagueando no trânsito das cidades com suas motos e os motoristas de aplicativos sejam a parte mais visível, o contingente vai bem além disso. A pesquisa do IBGE abrange diferentes categorias que se conectam aos clientes por meio de plataformas digitais, como diaristas, eletricistas ou médicos. Avanços tecnológicos e mudanças de comportamento da população tendem a ampliar o leque de atividades nesse setor que os americanos apelidaram gig economy. (algo como “economia sob demanda”).
O crescimento pode ser explicado por outra
constatação da pesquisa: o rendimento médio mensal dos que trabalham por meio
de plataformas digitais (R$ 2.996) supera o de quem não trabalha com aplicativos
(R$ 2.875), embora a diferença tenha caído em relação a 2022. Os trabalhadores
de aplicativos também dizem trabalhar mais (44,8 horas ante 39,3) por semana.
Tem ficado evidente a dificuldade do governo
para lidar com a gig
economy. Na campanha de 2022, o então candidato Luiz Inácio
Lula da Silva prometeu regulamentar o trabalho de motoristas e entregadores por
aplicativo. Depois de quase três anos de mandato, as tentativas não avançam,
pela visão atrasada do governo e pela falta de conexão com a realidade desse
tipo de trabalho.
À Justiça, em especial à primeira instância,
também tem faltado compreensão sobre o novo mercado. Não são raras as ações que
tentam cobrar das plataformas reconhecimento de um vínculo empregatício que não
existe, nem deveria existir. Tenta-se equivocadamente enquadrar nas velhas
regras da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) ocupações que se caracterizam
pela flexibilidade. É legítimo debater como incluir tais trabalhadores em
sistemas previdenciários e como mitigar os riscos de jornadas exaustivas. Mas sempre
respeitando a essência da atividade, que não se presta a amarras.
O Supremo Tribunal Federal (STF)
está para julgar duas ações que tratam das relações entre trabalhadores e
aplicativos. Nos dois casos, a Justiça do Trabalho reconheceu vínculo
empregatício. Decisões anteriores do STF no âmbito individu al ou das turmas
vão, corretamente, em sentido contrário. É fundamental que os ministros fixem
uma tese que reduza a insegurança jurídica, mas preservando a flexibilidade
desejada pelos próprios trabalhadores. Pesquisa Datafolha de 2023 mostrou que
75% dos trabalhadores a preferem à rigidez da CLT.
Cabe ao Congresso elaborar uma regulamentação
equilibrada, de modo a garantir direitos básicos. Deve-se partir do
entendimento de que não há vínculo empregatício nas atividades da gig economy. Com boa
regulamentação, a tendência é ela se expandir para além do nicho de motoristas
e entregadores, gerando inúmeras oportunidades de trabalho. Uma regulamentação
malfeita, em contraste, só incentivará a informalidade.
Agravamento da seca em São Paulo serve de
alerta para todo o país
Por O Globo
Para evitar falta de água, são essenciais
medidas preventivas, como reflorestar nascentes e combater vazamentos
Um em cada oito municípios brasileiros já
enfrenta situação de emergência devido à falta de chuvas, revelou reportagem do
GLOBO. Oito dos nove estados do Nordeste são afetados pela estiagem. No
Sudeste, São
Paulo, a maior cidade do país, atravessa uma seca que pode superar a de
2015, quando viveu a maior crise de abastecimento de água da história recente.
A situação é preocupante. O Sistema Cantareira, maior conjunto de represas que
abastece a metrópole, estava há poucos dias com volume útil de apenas 25,2% da
capacidade, perto da marca crítica de 24,2%, atingida na crise de 2015. O Alto
Tietê, que também abastece a capital, já está abaixo dos 23%. A interligação de
bacias hidrográficas feita depois da seca de 2015 permite que o Cantareira
receba suprimento do reservatório Jaguari, localizado no Vale do Paraíba. Mas
isso apenas atenuará a crise.
A SP Águas, companhia estadual vinculada à
Secretaria de Meio Ambiente, restringiu as permissões de novas ligações de
água. Ainda assim, o nível do Cantareira tem caído em outubro de 0,2 a 0,3
ponto percentual por dia. “O fato de a gente precisar usar esses recursos já é
um alerta muito grande”, diz Eduardo Caetano, coordenador de conhecimento e
difusão do Instituto Água e Saneamento (IAS). Apesar de ele considerar um
alívio a interligação de represas, diz que evoluiu-se pouco, desde 2015, nas
medidas mais críticas para garantir o abastecimento de água: reflorestamento de
áreas de mananciais para preservar nascentes e redução de vazamentos na rede de
distribuição.
“Um grande vilão são nossas taxas de
vazamento. Enquanto muitos países conseguem taxa em torno de 10% a 15%, no
Brasil superamos 40% de perdas”, afirma o hidrólogo Antonio Carlos Zuffo, da
Universidade Estadual de Campinas (Unicamp). O problema vem sendo tratado com
paliativos. Desde julho, a Sabesp opera durante a noite à baixa pressão para
reduzir os vazamentos. Esse racionamento disfarçado, permitido pela Agência
Reguladora de Serviços Públicos do Estado de São Paulo (Arsesp), economizou,
entre os dias 8 e 14 deste mês, 4,9 bilhões de litros de água, o equivalente ao
consumo de Santos durante dois meses. O êxito da medida — que prejudica bairros
afastados e regiões elevadas — na verdade denuncia o estado precário das redes.
Outra ação fundamental é o reflorestamento para conservar nascentes. É preciso reconhecer que, desde 2015, houve diversas iniciativas para recuperar a vegetação em áreas de mananciais. O governo estima em 26 mil hectares a área verde total recuperada às margens de cursos d’água, ante a meta de 20 mil hectares (cumprida em 2020). Entre 2015 e 2023, foram investidos mais de R$ 15 milhões para plantar mais de 500 mil árvores até este ano. Mesmo assim, as iniciativas têm se mostrado insuficientes. A seca que pode levar São Paulo a entrar novamente em estado de emergência é um alerta para todo o país: é preciso adotar medidas de longo prazo para garantir o abastecimento de água, e não agir apenas quando a crise já começou.
Eficácia de ação social depende de boa gestão
econômica
Por Folha de S. Paulo
Recessão de 2015-16 afetou o avanço da renda
da metade mais pobre do país, apesar de maior escolaridade
Segundo pesquisa que acompanhou 15,5 milhões
de jovens dependentes do Bolsa Família de 2012 a 2024, 33,5% deles permaneceram
no programa
A trajetória de milhões de famílias
brasileiras nas últimas décadas, sobretudo as vinculadas a programas sociais
como o Bolsa Família,
oferece a lição macroeconômica de que o esforço individual pela educação é
insuficiente para garantir a ascensão social se o país flerta com o descontrole
fiscal.
Nos últimos dez anos, a escolaridade da
metade mais pobre do Brasil aumentou 22,5%, mas a renda dessa
mesma parcela progrediu meros 4%, de acordo com dados da FGV Social.
O período foi marcado pela profunda recessão
de 2015-16, quando o Produto Interno Bruto (PIB) brasileiro
encolheu cerca de 7% como resultado da política econômica de gastos
irresponsáveis do governo Dilma
Rousseff (PT), que sucedeu anos de
bom crescimento e ajuste orçamentário.
Durante 20 anos, a Folha acompanhou
a trajetória de duas famílias dependentes do Bolsa Família em
Jaboatão dos Guararapes, no estado de Pernambuco. Enquanto o país mantinha as
contas públicas em razoável ordem, até meados dos anos 2010, elas progrediram.
As crianças estudavam e tinham sonhos de entrar na universidade.
Quando veio a crise em 2016, foram obrigadas
a se submeter a empregos informais, dos quais dependem até hoje.
Segundo pesquisa do Instituto Mobilidade e
Desenvolvimento Social que acompanhou 15,5 milhões de jovens dependentes do
Bolsa Família de 2012 até 2024, 33,5% deles permaneceram no programa —antes,
como dependentes dos pais; agora, como beneficiários principais. Outros 17,6%
continuam no CadÚnico, que registra os mais vulneráveis, mas sem receber o
benefício.
Criado em 2003, o Bolsa Família saltou de 3,6
milhões de beneficiários à época para 19 milhões hoje, consumindo R$ 13 bilhões
mensais; 47% no Nordeste. O programa é reconhecido internacionalmente e tem
efeito multiplicador poderoso, o que leva o entorno das regiões com mais
penetração a ganhar dinamismo.
Entretanto a principal porta de saída para os
beneficiários tem sido o mercado de
trabalho, que depende não de gastos do governo, mas de um ambiente
de negócios estável e previsível.
Ao mesmo tempo em que a atual gestão do
presidente Luiz Inácio Lula da
Silva (PT) comemora dados
positivos no mercado de trabalho, ela mina, por outro lado, o
terreno para a manutenção de um crescimento duradouro.
O Brasil deve encerrar 2025 com os maiores
déficits orçamentário e nas relações com o resto do mundo na comparação com as principais
economias —indicativos de graves desequilíbrios, de resto explicitados em uma
taxa básica de juros de
15% ao ano.
Cumpre recordar que, em 2014, na véspera da
grave crise engendrada pelos gastos de outra gestão petista, o Brasil
apresentava taxa de desemprego de
apenas 4,8%, ainda menor do que a atual.
Se a história recente tem algo a ensinar nessa seara, é que o cenário pode
mudar rapidamente.
Buscar apoios para legalizar o aborto
Por Folha de S. Paulo
Voto de Barroso é sensato, mas ações do STF
podem ser questionadas e incitar rusga com Congresso
Ministro não pautou o tema polêmico quando
foi presidente da Corte; é preciso entendimento social e político para garantir
o direito
Por meio de sessão virtual, o ministro do
Supremo Tribunal Federal Luís Roberto
Barroso votou pela descriminalização
do aborto até a 12ª semana de gestação na sexta-feira (17), um
dia antes de deixar o cargo por pedido de aposentadoria.
Trata-se do julgamento da Arguição de
Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) 442, impetrada pelo PSOL em 2017,
que quer o fim da punição da interrupção da gravidez.
Em 2023, a então presidente do STF, Rosa Weber,
acatou a demanda, pouco antes de se aposentar compulsoriamente. Até sexta,
apenas Weber havia votado.
A sessão virtual foi solicitada ao presidente
da Corte, Edson Fachin,
pelo próprio magistrado, cujo histórico é marcado pela defesa desse direito das
mulheres. Mesmo assim, Barroso sabe que o tema é polêmico, tanto que não o
pautou durante os dois anos em que foi presidente do tribunal, até setembro
deste 2025.
Tal cuidado pragmático se dá num contexto de
rusgas com o Congresso
Nacional. Se algumas ações do STF foram necessárias recentemente,
como ao disciplinar as emendas parlamentares, outras foram marcadas por
ativismo e invadiram a seara do Legislativo.
Em reação, deputados e senadores
criaram projetos para
limitar decisões da mais alta corte do país ou endurecer leis
cuja constitucionalidade é julgada por ela.
Após a descriminalização do porte de
quantidades específicas de maconha pelo
Supremo, propôs-se incluir na Constituição o
veto ao porte de qualquer quantidade de qualquer droga.
Em relação ao aborto,
deu-se o mesmo movimento punitivista tresloucado, com projetos para proibir o
procedimento até mesmo nos casos hoje permitidos por lei (estupro,
risco à vida da mulher e anencefalia fetal) ou equiparar a pena para aborto
após a 22ª semana com a de homicídio.
Esta Folha defende que o tema deve
ser tratado pelo poder público no âmbito da saúde pública,
não do crime, e com respeito à liberdade individual da mulher.
No entanto, como a Constituição não aborda a
questão, qualquer decisão do STF será baseada em interpretações de direitos
fundamentais que podem não só ser questionadas como incitar críticas a uma
postura ativista do Tribunal, acirrando o embate com o Legislativo.
A descriminalização do aborto deve ocorrer preferencialmente no Congresso e, para isso, é preciso coragem e persistência para promover o convencimento da sociedade por meio do debate público e angariar apoio político. O caminho legislativo é mais seguro e duradouro do que o judicial.
Brasil corre para ter mercado de carbono
antes da COP30
Por Valor Econômico
Só na semana passada foi editado o decreto
que criou a Secretaria Extraordinária do Mercado de Carbono
Às vésperas da abertura da COP30, em Belém,
apresentada como um dos marcos do terceiro mandato do presidente Lula, o
governo corre contra o tempo para pôr de pé o mercado regulado de carbono,
iniciativa imprescindível para o Brasil consolidar sua posição na pauta
ambiental.
Só na semana passada foi editado o decreto
que criou a Secretaria Extraordinária do Mercado de Carbono, dentro do
Ministério da Fazenda, cuja missão é abrir caminho para o funcionamento do
Sistema Brasileiro de Comércio de Emissões de Gases de Efeito Estufa (SBCE), o
mercado oficial de carbono brasileiro, criado pela Lei 15.042, editada em
dezembro passado.
As atribuições da secretaria serão amplas.
Além da elaboração de estudos, projeções e cenários, terá que coordenar as atividades
do governo na área, articulando a atuação de entidades e organismos nacionais,
internacionais e estrangeiros e outros órgãos da administração federal para o
SBCE; regulamentar os processos de avaliação de conformidade e de
credenciamento de organismos de inspeção; e divulgar informações.
A secretaria terá que definir metodologias
para a contabilidade das emissões, quais gases de efeito estufa serão levados
em conta, além do dióxido de carbono, e garantir a inexistência da dupla
contagem. Já a certificação, também importante para a credibilidade dos
créditos, será independente.
A Secretaria Extraordinária do Mercado de
Carbono será comandada pela economista Cristina Reis, até então subsecretária
de Desenvolvimento Econômico Sustentável da Secretaria de Política Econômica.
Logo após sua confirmação, Reis defendeu uma bolsa de valores forte para sediar
os negócios do mercado de carbono brasileiro, que segue as regras do “cap and
trade” em que as organizações têm como limite emitir 25 mil toneladas de CO2 por
ano. Quem superar o teto poderá compensar comprando créditos de carbono, cada
um equivalente a 1 tonelada de CO2 emitida; e quem ficar abaixo poderá vender
seu excedente no mercado.
O setor agropecuário, responsável por 74% das
emissões de gases de efeito estufa no Brasil, pressionou e ficou fora das
limitações da legislação. Mas poderá vender créditos, assim como outros setores
não incluídos, como o de resíduos e o de atividades relacionadas a florestas.
Em artigo no Valor (13/10) o advogado João
Pedro Tavares, do escritório Daudt, Castro e Gallotti, indica mais um ponto
importante ainda não resolvido para o mercado de carbono deslanchar: o
tratamento tributário. A Lei 15.042 equiparou os créditos de carbono a valores
mobiliários. Mas não se sabe como sua emissão, sua compra e sua negociação
devem ser tributadas. Cada empresa está adotando provisoriamente uma
alternativa, e muitas aguardam a definição oficial, o que gera insegurança.
A ambição do Brasil é usar seu potencial
ambiental para liderar o mercado global de carbono, mas está chegando tarde.
Segundo o próprio governo, cerca de 80 países ou jurisdições já possuem o
sistema de precificação direta do carbono, sendo que um pouco menos de 40 tem
um mercado regulado.
Em evento da Pré-COP, realizado recentemente
em Brasília, a ministra do Meio Ambiente, Marina Silva, estimou quanto o
mercado de carbono pode contribuir para o financiamento climático. Marina disse
que o mecanismo de Redução de Emissões por Desmatamento e Degradação Florestal
(REDD+), que gera créditos de CO2 por meio de projetos que evitam o
desmatamento em áreas ameaçadas por grileiros, madeireiros, produtores rurais e
criadores de gado, juntamente com o Fundo Florestas Tropicais para Sempre
(TFFF), pode reunir US$ 9 bilhões anuais aproximadamente, o equivalente a 60%
do montante estimado necessário para zerar o desmatamento até 2030.
Recentemente vem ganhando espaço outro
mecanismo que pode potencialmente gerar créditos de carbono, o chamado ARR —
Afforestation, Reforestation and Revegetation (Florestamento, Reflorestamento e
Revegetação), que visa a remover o CO2 da atmosfera por meio do plantio em
áreas que tiveram as árvores retiradas ou da recuperação de florestas
degradadas.
Grandes compradores de créditos de carbono,
como as big techs, vêm preferindo essa alternativa ao REDD+ depois de denúncias
de cálculos supervalorizados e abusos de comunidades locais. Conselheiro
econômico da presidência da COP30, o economista brasileiro e professor das
universidades Columbia e Princeton José Alexandre Scheinkman afirmou em
entrevista ao canal Ecoa que a única tecnologia hoje no mundo que permite
capturar CO2 em escala é a restauração das florestas tropicais.
Uma das propostas do governo brasileiro para
a COP30 é o lançamento da Coalizão Aberta para Integração dos Mercados de
Carbono para conectar diferentes sistemas de comércio de créditos, promovendo
liquidez, previsibilidade e transparência para o setor, além de abrir espaço
para troca de tecnologias e inovações na descarbonização.
Há muitas providências a serem ainda tomadas para se construir o mercado brasileiro de carbono, e dificilmente tudo estará finalizado até a COP30. As dificuldades fiscais do país acabam atrasando o debate porque concentram a atenção do governo e impedem uma ação mais proativa. Outra iniciativa que ficou para trás por dificuldades orçamentárias é a criação de uma agência reguladora para o mercado de carbono. Mas regular todo esse mercado é urgente.
O STF não é bedel das redes sociais
Por O Estado de S. Paulo
Como se não tivesse nada mais importante a
fazer, Moraes manda investigar autores de ‘ameaças’ a Dino nas redes,
aproximando perigosamente o STF do papel de fiscal do pensamento
O Supremo Tribunal Federal (STF) está cada
vez mais à vontade no papel de zelador absoluto da democracia brasileira, ainda
que isso implique sacrificar garantias constitucionais elementares, como a
liberdade de expressão. Encarnando uma espécie de farisaísmo da era digital, o
STF arvorou-se em bedel do debate público, controlando o que os cidadãos podem
ou não publicar nas redes sociais.
No início deste mês, como mostrou o Estadão, o ministro Alexandre
de Moraes ordenou que as plataformas X, YouTube, Instagram e TikTok fornecessem
os dados de 69 usuários que teriam feito “ameaças” ao ministro Flávio Dino. O
pedido, via Polícia Federal (PF), partiu do próprio Dino, que se zangou com
mensagens hostis a ele depois de seu voto na Ação Penal (AP) 2.668, que julgou
o Núcleo 1 da tentativa de golpe. A decisão de Moraes foi proferida no
inquérito das “milícias digitais”, uma investigação aberta em julho de 2021 e
que, passados mais de quatro anos, segue inconclusa.
Ao autorizar a devassa naquelas dezenas de
perfis, Moraes arrisca consolidar na opinião pública a imagem do STF como um
fiscal do pensamento, o panóptico digital incumbido de patrulhar a opinião
alheia. Nada poderia ser mais perigoso para a mesma democracia que a Corte se
mostra empenhada em defender.
A nova ordem de Moraes, como tantas outras
que se multiplicam nos inquéritos sem fim sob sua relatoria, agrava um problema
que se tornou estrutural. O Supremo, que deveria ser o garantidor maior das
liberdades individuais asseguradas pela Constituição, converteu-se, às raias da
paranoia, em instância inquisidora de qualquer cidadão que publique conteúdo
considerado ofensivo à Corte ou a seus ministros. Esta mixórdia entre crítica e
ataque, entre opinião e crime, é terreno fértil para o arbítrio. Afinal, como
distinguir uma crítica, ainda que ácida, de um ilícito penal? Quando o cidadão
passa a ter medo de expressar uma crítica ao Judiciário por receio de ver
mobilizado contra si o aparato persecutório do Estado, não se está mais diante
de um perigo – a democracia já se degradou.
Este jornal, é óbvio, não defende a
impunidade de quem faz ameaças reais a autoridades ou incita a violência contra
as instituições do País. Quando há risco concreto à integridade física de um
ministro do STF, a apuração há de ser rigorosa. Mas uma coisa é enfrentar
crimes reais; outra, bem distinta, é criminalizar bravatas de redes sociais. Ao
reagir a cada comentário de que não gosta como se fosse uma afronta à ordem
democrática, o STF sinaliza não ter coisa mais importante para fazer e,
ademais, abastarda o zelo pela estabilidade institucional ao exercer um poder
desmedido sobre a liberdade de expressão.
Os intermináveis inquéritos das “milícias
digitais” e das “fake news” tornaram-se instrumentos permanentes de vigilância
e controle à mão do sr. Moraes. Com base neles, o ministro ampliou
desmedidamente seu escopo de atuação, assumindo competências que, não raro,
deveriam caber à PF e ao Ministério Público. Esses inquéritos, além de
concentrarem poder nas mãos de um só ministro do STF, criaram uma zona cinzenta
na qual garantias constitucionais elementares foram relativizadas supostamente
em nome de um bem maior: a “defesa da democracia”.
O Brasil sob Jair Bolsonaro, de fato, sofreu
o mais desabrido ataque à ordem constitucional vigente desde 1988. Mas isso é
passado, como atesta o próprio julgamento da AP 2.668 e das outras ações penais
ora em curso na Corte contra diferentes núcleos de réus envolvidos na trama
golpista. O STF tem, sim, o dever de resguardar a Constituição e a integridade
física e moral de seus membros, mas não pode fazê-lo à custa das liberdades
cívicas.
O risco de o Supremo se consolidar como
censor permanente das redes sociais é real. A cada nova decisão que tolhe a
liberdade de expressão, Moraes, sob o beneplácito de seus pares, reforça a
percepção de que há autoridades que não podem ser criticadas – e isso não se
coaduna com uma esfera pública livre e plural. De uma vez por todas: a
democracia brasileira não precisa de tutores, precisa de instituições que respeitem
os cidadãos, inclusive os desagradáveis, e que se pautem pela legalidade e pela
temperança.
O desânimo do professor brasileiro
Por O Estado de S. Paulo
Pesquisa da OCDE mostrou que o docente
brasileiro se sente desvalorizado, desprestigiado e desrespeitado, o que deixa
o Brasil cada vez mais distante dos patamares mínimos de qualidade
Os professores brasileiros se sentem
desvalorizados. E esse é um sentimento generalizado. Mas não só isso: esses
profissionais, além de desvalorizados, sentem-se desrespeitados e
desestimulados. Essa é a síntese da percepção dos docentes da educação básica
sobre a sua própria realidade apresentada na mais recente Pesquisa
Internacional sobre Ensino e Aprendizagem (Talis, na sigla em inglês),
divulgada pela Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico
(OCDE).
A entidade, que reúne países desenvolvidos ou
em desenvolvimento, e da qual o Brasil não faz parte, mas é parceiro, ouviu 280
mil professores e diretores de 17 mil escolas em 55 sistemas de ensino do mundo
para capturar as impressões desses profissionais sobre o seu dia a dia na
educação básica. O levantamento atual da Talis, de 2024, trouxe respostas nada
animadoras dos educadores brasileiros, sobretudo quando comparadas às médias
dos países-membros da OCDE.
Segundo a Talis, apenas 14% dos professores
brasileiros disseram se sentir valorizados pela sociedade, enquanto a média na
OCDE é de 22%. Além disso, somente 53,5% dos docentes afirmaram que se sentem
valorizados pelos pais e pelas famílias dos estudantes, índice bem abaixo da
média da organização, de 65,4%.
E esses professores disseram, ainda, que
gastam nada menos do que 21% do seu tempo em sala de aula para manter a
disciplina, diante de uma média de 15% na OCDE. Isso significa muito menos
tempo para avançar em conteúdos programáticos fundamentais para a formação e a
aprendizagem.
Em poucas palavras, o que os professores
brasileiros estão dizendo é que não se sentem valorizados, prestigiados nem
respeitados por ninguém.
Isso se reflete nas relações trabalhistas. De
acordo com a pesquisa da OCDE, apenas 64% desses profissionais têm contratos
permanentes nas escolas – bem abaixo da média da organização, de 81% –,
enquanto 36% dos professores estão em cargos temporários ou substitutos. É,
obviamente, impossível pensar num projeto de educação vigoroso sem um processo
de longo prazo. Conforme destacou o relatório da Talis, como qualquer
trabalhador, “a maioria dos professores quer segurança no emprego”, mas os
cargos temporários, tão comuns no Brasil, implicam “insegurança e
imprevisibilidade, o que pode gerar tensão”, prejudicando o desempenho ideal
dos profissionais.
Tudo isso, por óbvio, afeta a qualidade da
educação, haja vista que, segundo esse mesmo relatório, sistemas educacionais
de alto desempenho contam com professores que se sentem valorizados, o que definitivamente
não é o caso dos docentes do Brasil. Não à toa, Cingapura, onde 71% dos
professores se sentem valorizados pela sociedade, lidera o ranking do Programa
Internacional de Avaliação de Alunos (Pisa), também realizado pela OCDE,
enquanto o Brasil ocupa as últimas colocações no programa, com desempenho
cronicamente pífio em leitura, Matemática e Ciências.
Mas, além de ter impacto sobre os indicadores
de avaliação de qualidade, o sentimento de valorização dos professores pode
também ter um efeito positivo sobre a atratividade da profissão e o seu futuro.
De acordo com o relatório da OCDE, um maior prestígio social da docência,
decerto, atrai mais candidatos qualificados e talentosos, além de ajudar a
reter os professores mais experientes. O desprestígio dos professores no Brasil
ajuda a entender o baixo interesse pela carreira docente por aqui.
Desvalorizados pelo Estado e muitas vezes
também pelas famílias dos estudantes, desrespeitados nas salas de aula e sob
contratos de trabalho precários, os professores brasileiros expuseram na
pesquisa da OCDE as frustrações que enfrentam no dia a dia da profissão.
Trata-se de um diagnóstico desolador, que só evidencia o quão distante o Brasil
está dos patamares da educação básica dos países desenvolvidos – que, um dia, o
País sonha ser.
O show de Janja tem de acabar
Por O Estado de S. Paulo
Lula converte sua mulher em ministra
extraordinária do governo, desatino que precisa ser contido
O que fazia a primeira-dama Rosângela Lula da
Silva, a Janja, sentada ao lado do marido, o presidente Luiz Inácio Lula da
Silva, numa reunião de autoridades no âmbito da Organização das Nações Unidas
para a Alimentação e a Agricultura (FAO), em Roma? O que fazia a senhora Lula
da Silva sentada junto com os diplomatas e ministros brasileiros no plenário da
ONU durante a recente Assembleia-Geral, em que seu marido discursou?
Considerando que a sra. Janja não exerce
nenhum cargo público, são perguntas pertinentes, para as quais não se sabe a
resposta. Qualquer que seja a justificativa que o presidente Lula crie para dar
à sua mulher tratamento de ministra de Estado e de diplomata, sendo que ela não
é nem isso nem aquilo, está clara a confusão entre as esferas pública e privada
do presidente. E isso não é permitido num regime republicano.
E já que não há insulto ao qual não se possa
adicionar a injúria, o governo tentou, em agosto, dar contornos jurídicos a
essa ilegitimidade. No artigo 8.º do decreto presidencial 12.604/2025, o marido
de Janja, o ministro-chefe da Casa Civil, Rui Costa, e a ministra da Gestão e
da Inovação, Esther Dweck, ampliaram o acesso de Janja aos serviços do Gabinete
Pessoal da Presidência da República, completando um ciclo de defesa dos, vamos
chamar assim, serviços da primeira-dama – um ciclo iniciado pela orientação
normativa da Advocacia-Geral da União (AGU) sobre a atuação da cônjuge do
presidente.
Na semana passada, com razão, a oposição
apresentou projetos de decretos legislativos – que precisam de maioria simples
na Câmara e no Senado para serem aprovados – com o objetivo de desfazer a
iniciativa do Palácio do Planalto.
Com ou sem decreto, é tão eloquente quanto
constrangedor o esforço desmedido da primeira-dama para exercer influência
política e desempenhar papel prático no governo, tarefa para a qual não tem
mandato concedido nem pelos eleitores nem pela legislação. Trata-se, em suma,
de um poder lastreado exclusivamente por sua condição de cônjuge de Lula.
Embora o decreto presidencial tente mostrar algo diferente, o fato
incontornável é a incompatibilidade congênita: como Janja é indemissível,
porque primeira-dama não é cargo, seu status impreciso suscita sérias dúvidas
sobre o papel e a publicidade de seus atos.
Foi assim, por exemplo, que Janja quase
causou um incidente diplomático com a China, ao quebrar o protocolo num
encontro com o presidente Xi Jinping e falar a respeito dos efeitos da rede
social chinesa TikTok sobre as mulheres e as crianças brasileiras. Questionada,
a primeira-dama demonstrou absoluta indiferença aos limites legais e rituais de
sua atuação: “Não há protocolo que me faça calar”.
Além disso, Janja se imiscui em temas afeitos à equipe econômica, teve participação destacada nos eventos ligados à cúpula do G-20 no Rio e frequentemente compete com ministros formalmente nomeados e remunerados para auxiliar o presidente. Nada disso, obviamente, encontra respaldo na legislação, e é por essa razão que, na falta de bom senso da primeira-dama e de seu marido, deve o Congresso pôr um freio nisso.
COP30 não pode ignorar a importância do
Cerrado
Por Correio Braziliense
Preservar o Cerrado e todas as suas virtudes
para o equilíbrio climático não é só uma contribuição robusta para mitigar o
aquecimento global, mas política indispensável para a qualidade de vida e para
o crescimento dos bons negócios
A 20 dias da abertura da Conferência das
Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas (COP30), em Belém, capital do Pará, o
Brasil convive com vários dilemas. No momento em que a maioria dos
ambientalistas nacionais e estrangeiros se opõem aos combustíveis fósseis, o
Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais (Ibama) concedeu
à Petrobras o licenciamento para prospecção de petróleo na Foz do Amazonas. Um
tema polêmico em relação a emissão de gases de efeito estufa.
Mas essa não é a única divergência brasileira
que deverá aquecer os debates da COP30. A preservação dos ecossistemas inspira
discussões acaloradas entre os que defendem o patrimônio natural e aqueles que
defendem a expansão do agronegócio e de indústrias, o que resulta em redução
agressiva da cobertura vegetal e impacta as fontes hídricas.
O Cerrado, depois da Floresta Amazônica, está
entre os biomas mais afetados pelo desmatamento e incêndios para limpeza de
áreas. Em entrevista ao Correio Braziliense, a bióloga e professora da
Universidade de Brasília (UnB) Mercedes Bustamante afirma que "a proteção
do Cerrado ainda é um desafio urgente".
"A savana tropical é a mais biodiversa e
berç de oito das 12 regiões hidrográficas brasileiras", destaca a
cientista integrante da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência
(SBPC). Ela ressalta que o Cerrado é fundamental para a estabilidade ambiental
do Brasil e da América do Sul.
Uma das coleções do MapBiomas revela que,
entre 1985 e 2024, o Cerrado perdeu 40,5 milhões de hectares de vegetação
nativa (28%), devido aos avanços da agropecuária e de outras ocupações. A
região de Matopiba — Maranhão, Tocantins, Piauí e Bahia — é considerada o
epicentro da mudança, devido ao avanço do agronegócio. Neste ano, a região teve
um investimento de R$ 400 milhões em uma fábrica de fertilizantes.
Mas não basta investir na expansão dos
negócios e ignorar a importância da preservação ambiental. A cientista Mercedes
Bustamante adverte que a agricultura é a atividade econômica que "mais
depende dos recursos naturais", entre eles polinizadores, controle de
pragas, solos saudáveis e biodiversos, e estabilidade climática. Ou seja,
temperatura adequada e chuva na hora e na quantidade certa.
No entendimento da bióloga, a proteção devida
ao Cerrado é um desafio. Vencer esse obstáculo passa por ações voltadas ao
engajamento social em defesa do bioma e por ações de fortalecimento da
governança territorial e financiamento de políticas públicas.
Preservar o Cerrado e todas as suas virtudes para o equilíbrio climático não é só uma contribuição robusta para mitigar o aquecimento global, mas política indispensável para a qualidade de vida e para o crescimento dos bons negócios. Essa colaboração passa pelos meios de comunicação, de modo a sensibilizar os brasileiros, assim como ocorreu com a Amazônia, hoje defendida por expressiva parcela da sociedade brasileira.
O novo mercado e os velhos problemas
Por O Povo (CE)
Nos últimos dois anos, constatou-se aumento
de 25,4% no número de trabalhadores que têm como principal fonte de trabalho a
atividade com os aplicativos. Ou seja, o contingente saiu de 1,3 milhão de
pessoas em 2022 para 1,7 milhão em 2024
É notório que a economia, brasileira e
global, se move por dinâmicas novas. Uma das mais evidentes está relacionada à
utilização de aplicativos para as mais diversas necessidades,
atividade que já responde, hoje, por uma boa quantidade de empregos, realidade
medida (e confirmada) em números de pesquisa inédita que acaba de ter seus resultados
anunciados. Trata-se de uma parceria entre Instituto Brasileiro de Geografia e
Estatística (IBGE), Ministério Público do Trabalho e Universidade Estadual de
Campinas (Unicamp).
Nos últimos dois anos, constatou-se aumento
de 25,4% no número de trabalhadores que têm como principal fonte de
trabalho a atividade com os aplicativos. Ou seja, o contingente saiu de
1,3 milhão de pessoas em 2022 para 1,7 milhão em 2024, quando o levantamento
foi atualizado pelo importante trabalho conjunto de IBGE, MPT e Unicamp. Os
governos e os políticos, agora, precisam se debruçar sobre o retrato colhido
para entenderem a necessidade de haver no país uma política mais séria de
proteção a esses trabalhadores.
Os chamados trabalhadores plataformizados,
que são os motoristas, entregadores e prestadores de serviços por aplicativos,
passaram a representar 1,9% de toda a população ocupada do setor privado. Para
se ter uma ideia melhor do fenômeno, no Sudeste a proporção é de 2,2%,
indicando um avanço maior do que nas demais regiões do País, já que é 1,7% no
Nordeste, 12,1% no Sul, 9% no Centro-Oeste e 7,5% no Norte.
É um quadro inevitável, mas que exige da
parte dos governos e dos parlamentos, em especial do Congresso Nacional, ações
e medidas em favor dos trabalhadores. O simples fato, que a pesquisa também
constata e comprova, de haver um ganho acima da média que o mercado paga, no
âmbito da formalidade, não se basta como indicador de que as coisas estão nos
eixos.
Pelo contrário, verificaram-se jornadas de
trabalho exaustivas e fora de um controle legal, rendimento menor
quando a medida se dá por hora trabalhada e um controle da força de trabalho
acima do tolerável pelas empresas de aplicativos. É urgente que tudo isso seja
regularizado porque o rendimento satisfatório, em meio a um ambiente de
exploração, termina por ser mascarado.
É um cenário ao qual precisamos nos adequar,
não há outra alternativa, na perspectiva de se estabelecer regras legais que
compatibilizem a necessidade de emprego da população ativa com a busca justa de
lucro nos negócios. A precarização é um problema para quem trabalha nas
plataformas e a questão precisa ser atacada com a urgência que apresenta.
Talvez o aspecto mais evidente de que há
distorções a serem corrigidas esteja relacionado ao baixo número de
profissionais ligados a essas plataformas que contribuem para a
Previdência Social, apenas 60% deles de acordo com pesquisa. Comecemos por aqui
a correção de um quadro ainda marcado por muitos problemas e equívocos, para
além do que mostra a parte positiva dos números colhidos.
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