O atentado em Nice, no sul da França, que deixou um saldo de no mínimo 84 mortos – número que pode aumentar porque entre os mais de 100 feridos havia 52 em estado grave –, tem características que confirmam as previsões mais pessimistas sobre as dificuldades do combate ao terrorismo em todo o mundo. E o que primeiro chama a atenção nesse caso é a dimensão da tragédia que um só terrorista, com recursos limitados, é capaz de provocar, num país que, por ser um dos mais visados, é em princípio também um dos que devem estar mais preparados para enfrentar esse problema.
Tudo foi bem calculado. Tanto a escolha do dia – o 14 de Julho, data nacional da França – como o local, a famosa Promenade des Anglais, que margeia a praia, um dos mais movimentados da cidade, e da hora, ao fim do espetáculo de fogos de artifícios, antes de a multidão ali reunida começar a se dispersar. Nice é uma das principais cidades turísticas do país e recebe grande número de estrangeiros no verão europeu.
Num caminhão alugado, o terrorista avançou sobre a multidão, dirigindo em ziguezague de modo a atingir o máximo de pessoas. Ele percorreu assim dois quilômetros – o que explica tantos mortos e feridos –, ao fim dos quais, atacado por policiais, desceu e morreu disparando uma pistola. No depoimento de uma testemunha, “corremos sem saber muito o que fazer. Foi um pânico incrível, com todo mundo correndo na Promenade e na praia”. A presença de famílias com filhos pequenos – há 10 crianças entre os mortos – aumentou o desespero e o descontrole.
Passado o primeiro choque da tragédia, as autoridades francesas, às voltas com o terceiro atentado em pouco tempo – os outros dois, em 2015, foram o do jornal Charlie Hebdo, em janeiro, e o de novembro, que teve vários alvos e deixou 130 mortos –, e os especialistas em terrorismo em todo o mundo tentam entender o que aconteceu. O que se sabe até agora do terrorista, Mohamed Lahouaiej Bouhiel, é que é um franco-tunisiano de 31 anos, morador de Nice, com antecedentes de delitos comuns, mas sem ligação com o Estado Islâmico, a Al-Qaeda e outros grupos terroristas que atuam no Oriente Médio.
Portanto, um lobo solitário, como tudo indica, mas diferente dos até aqui conhecidos dessa categoria, que agem manipulados a distância por aqueles grupos. Sua ligação com eles seria indireta. O terrorista de Nice seria um produto do caldo de cultura criado por extremistas, que a partir tanto do Oriente Médio como de núcleos que atuam nos países europeus pregam a luta contra os valores ocidentais, ao mesmo tempo que exploram o ressentimento de filhos de imigrantes não inteiramente integrados às sociedades em que vivem.
Lidar com esses lobos solitários – com destaque agora para o tipo que agiu em Nice – é um dos maiores desafios da luta contra o terrorismo. É muito difícil descobri-los, localizá-los, monitorá-los e, portanto, prever quando passarão à ação. Foi o que aconteceu com os dois terroristas que cometeram em abril de 2013 o atentado na maratona de Boston, que deixou 3 mortos e 264 feridos, os que agiram em Paris em novembro do ano passado e agora – o mais complicado de todos – o de Nice.
Essa incapacidade de prever cria uma sensação de impotência, que afeta desde a população até os responsáveis pelo combate ao terror. E isso tende a piorar a curto prazo, com os reveses que vem sofrendo o Estado Islâmico (EI) na Síria e no Iraque. Derrotados ali, privados dos territórios onde sonhavam implantar seu califado, os combatentes do EI devem se dispersar e apelar cada vez mais para o terrorismo, em qualquer parte do mundo, como já advertiram vários especialistas e o diretor do FBI, James Comey.
Encontrar um meio de lidar com essa complicada situação e neutralizar tanto quanto possível a ação dos terroristas é hoje o grande desafio dos serviços de inteligência, em especial os dos Estados Unidos e dos países europeus, que dispõem de mais recursos e experiência nesse terreno.
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