- O Estado de S. Paulo
Pode até parecer pouca coisa. Mas não é. A eleição do deputado Rodrigo Maia (DEM-RJ) para a presidência da Câmara e a decisão da Comissão de Constituição e Justiça de mandar o deputado Eduardo Cunha (PMDB-RJ) para o julgamento do plenário são marcos importantes para a democracia representativa, há tempos envolta numa profunda crise, em que o cidadão não reconhece legitimidade no seu representante. E o representante de fato não faz nada para representar o cidadão que o elegeu.
A eleição de Maia para a presidência da Câmara foi construída a partir de uma aliança orgânica de partidos de centro-esquerda e de centro-direita – DEM, PSDB, PSB e PPS –, em oposição e substituição a um aglomerado de forças fisiológicas montado por Cunha para funcionar como sua tropa de choque em todo lugar e em toda circunstância.
Esse grupo, formado por 13 partidos médios e pequenos, que se autodenominou Centrão, nunca teve uma bandeira ideológica ou programática. Obedecia ao supremo guru Cunha, que levou à Câmara uma gestão personalista extremada.
O resultado da atuação de Cunha foi o esfarelamento dos partidos na Câmara, o fim da liderança dos líderes, a anarquia política generalizada, a perseguição aos adversários.
Nascida de um núcleo partidário que não se envolveu nas confusões de Cunha – aliás, fez oposição a ele –, a candidatura de Maia abriu o diálogo com as forças de centro-esquerda, isoladas de qualquer processo desde o afastamento de Dilma Rousseff da Presidência da República, em 12 de maio.
Claro que alas mais ortodoxas do PT reclamaram de deputados do partido terem feito negociações com Maia, um dos principais defensores do impeachment de Dilma, integrante do ex-PFL, sigla que já foi o próprio Belzebu para os petistas. Mas isso é um problema interno do PT e de outros partidos de centro-esquerda, seus fantasmas e o sectarismo que os acompanha. O fato é que o diálogo foi aberto. E o diálogo é uma das boas lições que o Parlamento sempre pode dar à sociedade, pois é uma forma de combater a intolerância.
Quando deputados, no anos 1980, Sebastião Curió e José Genoino estavam, como sempre estiveram, em lados opostos na política, mas tinham boas relações na Câmara. Como se sabe, Curió foi um dos responsáveis pelo desmantelamento da Guerrilha do Araguaia e prisão de Genoino, que durante o movimento armado no norte de Goiás e sul do Pará militava no PCdoB.
Não restam dúvidas de que as negociações serão muito importantes para o Legislativo, que terá uma extensa pauta de trabalho pela frente: fixação de teto para os gastos públicos da União e de Estados e municípios, acordo da dívida dos Estados, reformas da Previdência e trabalhista. Também serão de fundamental importância para o Executivo.
É provável que o governo de Michel Temer consiga até número suficiente de deputados e senadores para passar o trator em cima das forças oposicionistas, fazendo valer a força de sua base parlamentar para aprovar o que lhe interessa. Mas não é assim que a democracia funciona. Ela exige também respeito à oposição e às minorias.
O próprio Temer já disse que, passado o impeachment – no caso de sua aprovação, que o transformará em presidente efetivo –, vai procurar a oposição para conversar. Entre eles, o ex-presidente Lula. Questões de governo, lembrou Temer, não entrarão nas negociações, simplesmente porque as forças políticas são antagônicas. Mas quando o assunto for de preservação do Estado, aí sim, ele pretende dialogar com todo mundo.
Hoje o governo está com uma força. Amanhã, pode estar com outra. O Estado, porém, é um só. Não pertence a este ou àquele partido. Pertence à Nação, que dele espera o melhor.
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