terça-feira, 7 de outubro de 2025

O guerreiro na era Trump. Por Fernando Gabeira

O Globo

Imagino generais que se preparam para guerras sofisticadas terem de rever seus planos para estourar bocas de fumo

Há dois meses, neste espaço, mencionei um livro que poderia ajudar a compreender Trump. O livro é “Male fantasies” (“Fantasias masculinas”), de Klaus Theweleit. É um estudo profundo sobre a psicologia dos Freikorps, um exército voluntário que esmagou o movimento operário, integrando-se mais tarde às tropas nazistas.

Constato que exagerei nas expectativas. Mais de um século é tempo suficiente para muitas mudanças. Essa é a conclusão que tiro do encontro de 800 oficiais de alta patente com Trump, na base da Marinha em Quantico, Virgínia.

Mesmo assim, confesso que aprendi um pouco. Os Freikorps eram uma espécie de milícia que se funde com o Exército. No caso de Trump, ele pede exatamente o contrário a seus generais. Quer que se exercitem nas cidades americanas para combater, sem uniforme, o inimigo interno: traficantes e estrangeiros não documentados.

Fico imaginando generais que se preparam para guerras sofisticadas terem de rever seus planos para estourar bocas de fumo ou perseguir uma pobre família guatemalteca sem documentos.

O ministro da Guerra, Pete Hegseth, definiu o padrão masculino, investindo contra os generais gordos que viu no Pentágono. Todos devem fazer exercícios físicos e perder peso. Essa é uma novidade que não combina com a época. A guerra moderna é feita com computadores e drones. Um general gordo que domine essa tecnologia pode derrotar facilmente seu rival esbelto.

Ele proibiu também barba e cabelos longos, embora não existam indicações de que esses itens possam atrapalhar um guerreiro. Os Freikorps excluíam mulheres porque detestavam seus corpos e sexualidade. Mesmo a maternal figura da enfermeira no front era considerada uma intrusão no unissexual mundo da guerra.

Hegseth aceita mulheres desde que confirmem sua capacidade física, tenham desempenho no nível da força masculina. A exclusão de gays é um ponto comum, relativamente. No Exército alemão, ser afeminado era vergonha suprema. Bertolt Brecht, numa entrada em seu diário em 27 de maio de 1942, escreveu:

— Passando uma hora da tarde com Feuchtwanger em seu belo jardim. Ele disse que, agora, há injeções de hormônio no Exército que removem quaisquer traços de homossexualidade. Elas têm de ser renovadas no prazo de alguns meses, mas agora o Exército não terá nenhuma graça mesmo para homossexuais.

Brecht se abstém de dizer alguma coisa simpática aos gays. Parece que acreditou mesmo que todos os traços de homossexualidade seriam removidos por essa intervenção médica.

Contudo na fala de Pete Hegseth há algo novo. Ele diz que não quer mais homens vestidos de mulher. Uma clara alusão às mulheres trans. As transições assistidas pela medicina são um fenômeno moderno.

Dessa forma, usando homem vestido de mulher, Pete Hegseth lançou um anátema a uma forma da luta num exército que tem bombas nucleares, mísseis e drones: a luta de espada. No mundo trans, a luta de espadas é uma metáfora frequente, e qualquer derrota para um soldado seria também a grande vergonha de ocupar o lugar de mulher.

Muita coisa mudou nestes cem anos, mas o tema de estudo sobre os Freikorps permanece de pé: como a produção do desejo se transforma na produção da morte.

Hegseth tomou a primeira providência: não é mais ministro da Defesa, mas sim da Guerra.

 

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