O Globo
Imagino generais que se preparam para guerras
sofisticadas terem de rever seus planos para estourar bocas de fumo
Há dois meses, neste espaço, mencionei um
livro que poderia ajudar a compreender Trump. O livro é “Male fantasies”
(“Fantasias masculinas”), de Klaus Theweleit. É um estudo profundo sobre a
psicologia dos Freikorps, um exército voluntário que esmagou o movimento
operário, integrando-se mais tarde às tropas nazistas.
Constato que exagerei nas expectativas. Mais de um século é tempo suficiente para muitas mudanças. Essa é a conclusão que tiro do encontro de 800 oficiais de alta patente com Trump, na base da Marinha em Quantico, Virgínia.
Mesmo assim, confesso que aprendi um pouco.
Os Freikorps eram uma espécie de milícia que se funde com o Exército. No caso
de Trump, ele pede exatamente o contrário a seus generais. Quer que se
exercitem nas cidades americanas para combater, sem uniforme, o inimigo
interno: traficantes e estrangeiros não documentados.
Fico imaginando generais que se preparam para
guerras sofisticadas terem de rever seus planos para estourar bocas de fumo ou
perseguir uma pobre família guatemalteca sem documentos.
O ministro da Guerra, Pete Hegseth, definiu o
padrão masculino, investindo contra os generais gordos que viu no Pentágono.
Todos devem fazer exercícios físicos e perder peso. Essa é uma novidade que não
combina com a época. A guerra moderna é feita com computadores e drones. Um
general gordo que domine essa tecnologia pode derrotar facilmente seu rival
esbelto.
Ele proibiu também barba e cabelos longos,
embora não existam indicações de que esses itens possam atrapalhar um
guerreiro. Os Freikorps excluíam mulheres porque detestavam seus corpos e
sexualidade. Mesmo a maternal figura da enfermeira no front era considerada uma
intrusão no unissexual mundo da guerra.
Hegseth aceita mulheres desde que confirmem
sua capacidade física, tenham desempenho no nível da força masculina. A
exclusão de gays é um ponto comum, relativamente. No Exército alemão, ser
afeminado era vergonha suprema. Bertolt Brecht, numa entrada em seu diário em
27 de maio de 1942, escreveu:
— Passando uma hora da tarde com Feuchtwanger
em seu belo jardim. Ele disse que, agora, há injeções de hormônio no Exército
que removem quaisquer traços de homossexualidade. Elas têm de ser renovadas no
prazo de alguns meses, mas agora o Exército não terá nenhuma graça mesmo para
homossexuais.
Brecht se abstém de dizer alguma coisa
simpática aos gays. Parece que acreditou mesmo que todos os traços de
homossexualidade seriam removidos por essa intervenção médica.
Contudo na fala de Pete Hegseth há algo novo.
Ele diz que não quer mais homens vestidos de mulher. Uma clara alusão às
mulheres trans. As transições assistidas pela medicina são um fenômeno moderno.
Dessa forma, usando homem vestido de mulher,
Pete Hegseth lançou um anátema a uma forma da luta num exército que tem bombas
nucleares, mísseis e drones: a luta de espada. No mundo trans, a luta de
espadas é uma metáfora frequente, e qualquer derrota para um soldado seria
também a grande vergonha de ocupar o lugar de mulher.
Muita coisa mudou nestes cem anos, mas o tema
de estudo sobre os Freikorps permanece de pé: como a produção do desejo se
transforma na produção da morte.
Hegseth tomou a primeira providência: não é
mais ministro da Defesa, mas sim da Guerra.
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